Pela defesa das alcunhas no futebol português

4 dez 2014, 08:20
Bebé

O que será de Tiago Correia sem o seu Bebé?

O Benfica foi à final dos Campeões Europeus com o AC Milan, perdeu 1-2 e o Altafini marcou os dois golos. Na semana seguinte jogámos com o Benfica em Alvalade para a Taça de Portugal. Tínhamos perdido 0-1 na Luz e ganhámos 2-0 com dois golos meus. Um jornalista de A Bola, que foi viver para a Bélgica, deu-me essa alcunha de Altafini de Cernache por ter marcado dois golos, como o brasileiro do Milan fizera. Aquilo pegou e até no balneário me chamavam Altafini. Há muita gente que ainda hoje só me conhece por Altafini. Se gostava? Gostava, claro. Ainda gosto.»


Ernesto Figueiredo, 77 anos, leva-me a pensar que todo o jogador merece a sua alcunha. Contas feitas, a lenda prolongou-se por meio século. E Ernesto, taxista para não aturar a mulher em casa, nunca mais foi apenas Ernesto. Ainda hoje, é sobretudo Altafini.


Bons tempos esses em que se criavam novas identidades em páginas de jornais. Os anos passam e a tradição deixa de o ser, os jogadores afastam-se dos jornalistas – ordens dos clubes, e criam poucas raízes em Portugal. Restam os apelidos de infância e dos balneários, que não raras vezes ficam por lá, perdidos. Tesouros escondidos.

Os sul-americanos chegam a Portugal já com o nome de guerra, o invejável ‘apodo’. Maxi El Mono Pereira, Jackson Cha Cha Cha Martínez, André Culebra Carrillo. Um deleite, ao nível de um Ukra, um Nani, um Briguel ou um Tarantini
, os apelidos que vêm lá de trás, dos primeiros passos.

Esses são felizes. Inquieta-me por outro lado equacionar um Tiago Correia sem o seu Bebé. Ele que teve o ‘apodo’, acarinhou-o, cresceu com ele, e perdeu-o. Nunca mais foi o mesmo.

Há dias, um colega meu chamou Pedro Moreira a Bruno Moreira
, um dos melhores marcadores da Liga. O melhor português, por sinal. Foi um erro momentâneo, naturalmente, pensando no médio do Rio Ave. Mas é óbvio: falta uma alcunha ao matador do Paços.

A ideia tem andado por aqui, à minha volta, desde que vi Rui Silva
no Estádio do Dragão. Bom guarda-redes, jovem, com um apelido que o honra sem o distinguir.

Imagine algo deste género como aconteceu com Ernesto Figueiredo: Bruno Moreira, o Aguero de Landim; ou Rui Silva, o Courtois da Maia. Começaria a olhar para eles de outra forma, não?

Rui Costa teve de lutar anos e anos pelo direito de ser apenas Rui Costa. E mesmo assim, passou por Manuel Rui Costa. Só os grandes, os maiores, colocam o seu nome num plano superior a todos os outros.

Eusébio criou uma imagem sem precisar dela, a Luís bastou-lhe ser Figo para entrar no ouvido, Cristiano nasceu Ronaldo por causa de Reegan e obrigou o brasileiro a ficar com a alcunha, o Fenómeno.

Há casos assim, em que a identidade se torna tão forte que dispensa complementos. Depois, há nomes com tradição como João Pinto. É jogador, de certeza. Um João Vieira Pinto, João Domingos Pinto, João Manuel Pinto ou João Oliveira Pinto.

Antes de Fernando Gomes nada havia e surgiu ali marca registada, que o Nuno Ribeiro prolongou no tempo.

É preciso uma grande noção de responsabilidade ou inocência para adotar uma alcunha de peso no mundo de futebol. Quantos Pelés
desiludiram à primeira vista, nada tendo a ver como o original? Médios, defesas, guarda-redes até. E Márcio Sousa
, não chegou a reconhecer que o ‘apodo’ Maradona o prejudicou
?

Nesta dança de alcunhas, mais vale colocar os pés em terreno seguro. O Altafini português não assumiu a dimensão do original, ficou como o Altafini de Cernache. O homem nasceu por outras bandas mas agradeceu a noção de espaço. Diminuiu a responsabilidade.

Recuperemos então essa prática, a proliferação de ‘apodos’, a bem do futebol português. Apontemos aos Silvas, aos Santos e aos Martins. Podemos esquecer os apelidos fortes, que se vendem ‘per si’.

Por exemplo, um tipo que se chama Alvarenga não precisa de ser o Alvarenga de Rio Tinto ou de outro sítio qualquer. Está tudo ali, num só sobrenome. Em criança estranhava, agora entranho. Sorrio até quando alguém remata: «Ah, o Alvarenga, esse idiota». Fica no ouvido.

Conheça as melhores alcunhas do futebol europeu
e pense no assunto.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)

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