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Diretor executivo CNN Portugal

Reparou no défice? Continuamos a poupar no combate à pandemia

23 dez 2021, 15:09

É o mesmo filme de há um ano, quando Portugal esteve entre os países que menos gastaram no combate à pandemia. Agora, o ministro das Finanças prepara um défice abaixo do orçamentado. Bruxelas e Frankfurt vão adorar. Portugal não. Foi para poupar que, por exemplo, não se fecharam mais cedo as discotecas onde agora há surtos?

O défice é só um número. Às vezes, nem isso, é apresentado como percentagem. Ouvimos o ministro das Finanças e fizemos as contas. De janeiro a setembro, o Estado terá tido um défice próximo dos 2,5%. Seria preciso uma hecatombe para não ficar bem abaixo dos 4,3% previstos para 2021. Parabéns, senhor ministro do Orçamento, em contabilidade ninguém o agarra. Cá de fora perguntamos ao primeiro-ministro: mas poupam porquê? Num ano como este? Em pandemia?

Sem ironia: percebe-se o dilema. Com uma dívida pública monstra como a nossa, mais tarde ou mais cedo o artista-antes-conhecido-como-austeridade voltará a tocar notas mais graves. Mas quando é possível fazer as contas não é possível fazer de conta. O governo continua a gerir a pandemia com máquina de calcular na mão.

Na conferência de imprensa desta quinta feira, o ministro das Finanças não disse taxativamente que ficaremos abaixo da meta de défice, sugeriu que tal será possível. Mas estamos a 23 de dezembro, João Leão está careca de saber como vai fechar o ano, mais décima menos décima. Ficaremos abaixo.

Há dias, Francisca van Dunem respondeu a um jornalista que fazia perguntas à ministra da Administração Interna que “hoje estou aqui como ministra da Justiça”. João Leão também tem dois chapéus, a do ministro que poupa e cumpre o rigor orçamental, e o do ministro que gasta e apoia a saúde e a economia. Nestas conferências de imprensa, tenta o equilíbrio, fala como quem poupa e como quem gasta ao mesmo tempo.

Duas análises internacionais sobre as contas de há um ano, do BCE e do FMI, mostraram que Portugal foi dos países europeus que menos gastou no combate à pandemia. Ou outros países andam a gastar mais ou nós andamos a preparar brilharetes orçamentais.

Mas depois vemos o SNS a receber mais dinheiro mantendo problemas de saturação e falta de meios. Olhamos para a economia e vemos falta de medidas ou de respostas a intervenções do Estado. E olhamos para a variante Ómicron e percebemos que estamos a andar para trás.

No mesmo dia em que o ministro anunciava o défice, divulgavam-se mais de dez mil novos casos de Covid-19 e noticiava-se um surto de mais de 50 pessoas numa discoteca em Coimbra. Dias antes, o primeiro-ministro anunciara novas restrições que, além do teletrabalho obrigatório, pouco mais sugeriam do que passar a noite de natal com poucas pessoas e de janelas abertas. Discotecas fechadas, só depois do natal. As medidas são em geral pouco restritivas. E em concreto implicam poucos apoios do Estado.

Já aprendemos que quanto mais tarde pior, que remediar é pior que prevenir, que está muito frio em Portugal e o frio adoece e mata, que mais ocorrências em hospitais prejudicam pacientes não-Covid. O caso da discoteca é só um exemplo, um exemplo do que devia ter sido antecipado para antes do natal. Não foi porquê? Provavelmente para não afetar ainda mais empresas que têm sido muito prejudicadas pela pandemia. Possivelmente porque isso faria o Estado a gastar mais ao compensá-las.

É só um exemplo, outros há. Mas é nisto que continuamos, no “rigor” em plena pandemia e em contas que, ao contrário do que diz João Leão, não são “contas certas”, são contas erradas, mesmo se o desvio é positivo. Positivamente, o ministro quer ser o bom aluno. Haja saúde.

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