Novo Banco. Nem impacto no défice, nem dinheiro dos contribuintes. Prometeram-nos o céu, mas cinco anos depois da venda à Lone Star a história foi outra

18 out 2022, 07:00
Assinatura da venda do Novo Banco à Lone Star. Alberto Frias/Lusa

A venda de 75% do Novo Banco à norte-americana Lone Star foi descrita como uma operação que protegeria os contribuintes. Cinco anos depois, o Tribunal de Contas afirma que a gestão do herdeiro do BES "não salvaguardou o interesse público"

“Preservou-se a capacidade de financiamento às empresas e às famílias e minimizou-se o encargo para o erário público”, dizia há precisamente cinco anos o então governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, no dia em que fechou a venda do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star.

Meses antes, em março, quando se anunciou a venda, o primeiro-ministro António Costa era ainda mais taxativo e garantia que não existiria “impacto, direto ou indireto, nas contas públicas nem novos encargos para os contribuintes".

Em abril foi a vez do então ministro das Finanças, Mário Centeno, assegurar na Assembleia da República que a solução encontrada era “equilibrada” e tinha “a necessária proteção dos contribuintes”.

Simbolicamente, a venda do Novo Banco foi selada por Carlos Costa na mesma sala onde anos antes tinha anunciado a resolução do Banco Espírito Santo (BES). O então governador do Banco de Portugal via-se finalmente livre do suposto ‘banco bom’ que saiu da resolução aplicada ao BES, depois de um primeiro processo de venda em que as negociações com os chineses Anbang e Fosun colapsaram.

Carlos Costa aperta a mão de Donald Quintin, no dia em que se concretizou a venda do Novo Banco à Lone Star. Foto Lusa

Na sala, para além de Carlos Costa estava ainda Sérgio Monteiro, antigo membro do Governo de Pedro Passos Coelho e responsável pela operação de venda do Novo Banco, e António Ramalho, que viria a liderar a instituição. Eram fotografados ao lado de Donald Quintin, diretor-geral da private equity, que passava a deter 75% da instituição bancária e contava ainda com um capital contingente de 3,89 mil milhões que o Fundo de Resolução, uma entidade pública, se comprometia a transferir caso surgissem perdas contingentes nos ativos.

Há cinco anos os jornalistas foram chamados para a fotografia, mas não houve direito a perguntas.

Passado cinco anos, as garantias dadas na altura foram irremediavelmente ultrapassadas.

E não foi preciso esperar muito para o perceber. Menos de um ano depois, em janeiro de 2018, Centeno foi novamente chamado ao Parlamento para justificar a venda e, desta vez, assumiu o risco de os contribuintes virem a ter de suportar prejuízos relacionados com o Novo Banco e anteviu a necessidade de o Fundo de Resolução fazer novas injeções de capital no herdeiro do BES.

Dois meses depois, confrontado com os prejuízos de 1.412 milhões de euros registados pelo Novo Banco em 2018, que levaram a instituição financeira pedir ao Fundo de Resolução uma injeção de capital de 1.149 milhões, Mário Centeno explicou que não era o Estado que estava a injetar dinheiro no Novo Banco.

“O Fundo de Resolução injeta e, para se financiar, recorre ao Estado. No futuro, o Fundo de Resolução vai pagar este empréstimo ao Estado. Não há nenhum euro dos contribuintes a ser usado na injeção no Novo Banco", reiterou.

Passados cinco anos, já muito pouco resta do mecanismo de capital contingente. O Novo Banco já consumiu 3.405 milhões de euros de dinheiro público, com injeções de capital que começaram em 2018 e continuaram até 2021, ano em que teve um lucro de 184,5 milhões de euros e, mesmo assim, pediu 209 milhões de euros ao Estado.

Passados estes cinco anos e, apesar das garantias dadas, os empréstimos do Fundo de Resolução, ano após ano, agravaram o défice orçamental.

Na última auditoria que o Tribunal de Contas fez à gestão do banco com financiamento público, é referido que à data da venda do Novo Banco “a avaliação e valorização dos ativos registados no balanço não eram adequadas e exigiam a constituição de provisões para potenciais perdas”.

O Tribunal de Contas sublinha mesmo que, “nem o Estado, nem o Banco de Portugal, salvaguardaram a minimização do recurso ao apoio financeiro público, assegurando controlo público eficaz”. Em suma, “a gestão do Novo Banco com financiamento público não salvaguardou o interesse público", conclui o relatório.

O próprio interesse público da gestão do Novo Banco tem também sido colocado em causa em vários momentos pelo Tribunal de Contas que, nos dois exames que fez à instituição bancária, sublinhou que a utilização do mecanismo de capital contingente revela “a incapacidade do Novo Banco (ou não ter o propósito) de gerar, com a sua atividade, níveis de capital adequados à cobertura dos seus riscos”. 

Para os contribuintes, desde a resolução do BES, a despesa com o banco já está nos 8,3 mil milhões de euros, quase 40% do total que o Estado gastou com ajudas à banca nos últimos anos, de acordo com o último parecer sobre a Conta Geral do Estado, feito também pelo Tribunal de Contas.

Mário Centeno viu o acordo de venda do Novo Banco concretizar-se e três anos depois saiu do Ministério das Finanças e assumiu a liderança do Banco de Portugal.

Já na Rua do Comércio, Centeno foi convocado novamente ao Parlamento para responder às questões dos deputados da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

Em cinco horas, que começaram com um “era uma vez”, o governador do Banco de Portugal asseverou que a história do sistema bancário não tem o encanto de uma história de encantar, mas que, se tivesse, o Novo Banco, apesar de novo, não deixava de ser “herdeiro de velhos problemas e com muitos e complexos desafios pela sua frente". "Foi preciso fazer dele um bom banco." O processo da venda, admitiu também, foi “penoso socialmente, politicamente, financeiramente” e era “uma lição que todos temos de aprender”.

Cinco anos depois da fotografia que assinalou a venda do Novo Banco os protagonistas já não são os mesmos. Carlos Costa terminou o seu mandato à frente do Banco de Portugal em 2020, António Ramalho deixou a liderança do Novo Banco em agosto deste ano e vai estudar para a Suíça e Donald Quintin, gestor dos americanos da Lone Star que selou a transação, também já não está no banco desde setembro.

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