"Não são a favor da paz, são a favor da Rússia". Um país da NATO poderá em breve ter um líder pró-russo

CNN , Ivana Kottasová
28 set 2023, 22:00
Antigo primeiro-ministro eslovaco Robert Fico (Martin Divisek/EPA-EFE/Shutterstock)

Numa altura em que os eleitores se debatem com uma crise de custo de vida, a narrativa pró-russa está a ganhar terreno neste país

A Eslováquia está a preparar-se para eleger o seu quinto primeiro-ministro em apenas quatro anos e, com o partido da oposição de Robert Fico, simpatizante do Kremlin, a liderar as sondagens, esta é uma situação que está a ser observada com alarme no Ocidente.

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro passado, a Eslováquia tem sido um dos mais firmes aliados de Kiev. Os dois países partilham uma fronteira, a Eslováquia foi o primeiro país a enviar defesas aéreas para a Ucrânia e acolheu dezenas de milhares de refugiados.

Mas tudo isso pode mudar se Fico chegar ao poder. O antigo primeiro-ministro não esconde as suas simpatias pelo Kremlin e culpou os "nazis e fascistas ucranianos" por terem provocado o Presidente russo Vladimir Putin a lançar a invasão, repetindo a falsa narrativa que Putin utilizou para justificar a sua invasão.

Robert Fico apelou ao Governo eslovaco para que deixe de fornecer armas a Kiev e afirmou que, se se tornasse primeiro-ministro, a Eslováquia "não enviaria mais munições". Também se opõe à adesão da Ucrânia à NATO.

Grigorij Mesežnikov, analista político e presidente do Instituto de Assuntos Públicos, um grupo de reflexão eslovaco, disse que, à semelhança de muitos simpatizantes da Rússia, Fico está a enquadrar o seu apoio a Moscovo como uma iniciativa de "paz".

"Ele e os seus aliados argumentam que não devemos enviar armas para a Ucrânia porque isso fará com que a guerra se prolongue por mais tempo. Estão a dizer que 'haverá paz se deixarmos de enviar armas para a Ucrânia' porque, se não o fizermos, o conflito terminará mais cedo. Portanto, na sua essência, não são a favor da paz, são a favor da Rússia", afirmou à CNN.

Fico foi primeiro-ministro da Eslováquia durante mais de uma década, primeiro entre 2006 e 2010 e depois novamente entre 2012 e 2018.

Foi forçado a demitir-se em março de 2018, após semanas de protestos em massa devido ao assassinato do jornalista de investigação Jan Kuciak e da sua noiva, Martina Kušnírová. Kuciak denunciou a corrupção entre a elite do país, incluindo pessoas diretamente ligadas a Fico e ao seu partido SMER.

Caos e lutas internas

Os eleitores afastaram-se da SMER nas eleições subsequentes, em 2020, e elegeram o partido de centro-direita Pessoas Comuns e Personalidades Independentes (OLaNO).

Originalmente visto como uma lufada de ar fresco, o OLaNO e o seu líder Igor Matovič acabaram por desiludir muitos dos seus eleitores. Matovič, um milionário que se fez a si próprio, ganhou as eleições com base numa forte plataforma anti-corrupção, prometendo "limpar" a Eslováquia.

Mas as suas credenciais anti-corrupção sofreram vários golpes logo no início. Foi forçado a admitir que tinha plagiado a sua tese de mestrado e presidiu a um governo cheio de lutas internas.

Foi forçado a demitir-se ao fim de pouco mais de um ano, depois de a sua decisão unilateral de comprar vacinas contra a Covid-19 à Rússia ter provocado uma rebelião no seu governo de coligação.

Matovič trocou de lugar com o seu ministro das Finanças, Eduard Heger, mas o caos continuou. Enquanto o país se debatia com as consequências da pandemia e da invasão da Ucrânia pela Rússia, mais lutas internas e conflitos pessoais levaram ao colapso da coligação governamental em dezembro. Heger continuou como primeiro-ministro interino, mas também ele acabou por se demitir em maio e foi substituído por um tecnocrata, Ludovit Odor.

O caos dos últimos anos deu a Fico uma nova oportunidade.

"Um ano depois das últimas eleições, quase parecia que o partido ia desaparecer completamente. Mas (Fico) conseguiu reabilitar-se e é agora o principal candidato", disse Mesežnikov. "Os SMER ainda têm um forte apoio entre os seus principais eleitores e este apoio está emocionalmente ligado a Fico, mas também foram ajudados pelos muitos conflitos dentro do governo e por alguns factores externos, incluindo a Covid, a inflação elevada, a crise energética e a guerra na Ucrânia".

A Eslováquia tem um sistema eleitoral complicado e uma cena política fragmentada, com 10 grupos políticos potencialmente capazes de atingir o limiar de 5% necessário para entrar no parlamento.

Isso significa que, mesmo que o partido de Fico ganhe as eleições, é provável que precise de pelo menos um parceiro de coligação. Fico não exclui a possibilidade de trabalhar com o Republika, um partido extremista de extrema-direita que afirma que a guerra na Ucrânia é uma consequência da "política de expansão da NATO" e da "agressão de Kiev à minoria russa no leste da Ucrânia".

A desinformação e a propaganda estão a ganhar

As lutas internas no governo e vários escândalos de corrupção de alto nível enfraqueceram a confiança das pessoas nas instituições públicas e criaram um terreno fértil para campanhas de propaganda e desinformação.

No mês passado, a polícia eslovaca acusou o chefe de espionagem do país e vários outros altos funcionários da segurança de conspiração para abuso de poder. Fico, que é próximo de alguns dos envolvidos no escândalo, descreveu a situação como um "golpe de Estado policial".

De acordo com um inquérito do GlobSec, um grupo de reflexão sobre segurança com sede em Bratislava, apenas 40% dos eslovacos acreditam que a Rússia é responsável pela guerra na Ucrânia, a percentagem mais baixa entre os oito Estados da Europa Central e Oriental e do Báltico que o GlobSec analisou. Na República Checa, que formava um único país com a Eslováquia, 71% das pessoas culpam a Rússia pela guerra.

A mesma investigação revelou que 50% dos eslovacos consideram os Estados Unidos - o aliado de longa data do país - uma ameaça à segurança.

Dominika Hajdu, directora política do Centro para a Democracia e a Resiliência da GlobSec, afirma que a Eslováquia é particularmente vulnerável à propaganda russa.

"Alguns dos partidos que atualmente lideram as sondagens estão a difundir as mesmas narrativas - por exemplo, que é o Ocidente que está a tentar 'arrastar-nos' para a guerra e que qualquer pessoa que seja pró-ucraniana é automaticamente anti-eslovaca", afirmou.

A propaganda pró-russa está a ter eco também porque uma grande parte da população sempre foi muito pró-russa e, mesmo agora, cerca de um quarto das pessoas vê o Presidente russo Vladimir Putin de forma positiva.

"Historicamente, sempre houve uma forte narrativa pan-eslava de que a Rússia era o irmão mais forte que protegia os eslovacos dos húngaros e que depois libertou a Eslováquia dos nazis", acrescentou.

A Eslováquia tem uma relação complicada com a Hungria, tendo feito parte do império austro-húngaro durante séculos. Os húngaros são a maior minoria na Eslováquia e muitos húngaros ainda vêem o Tratado de Trianon de 1920, que redefiniu as fronteiras nacionais após a Primeira Guerra Mundial, como uma injustiça contra o seu país. Este facto deu origem a uma retórica nacionalista em ambos os lados da fronteira.

Věra Jourová, a principal responsável da Comissão Europeia pelos assuntos digitais, disse que a votação de sábado será um "teste" da eficácia das empresas de redes sociais no combate à propaganda russa na Eslováquia, porque a questão é uma linha divisória nas eleições.

"A Eslováquia foi escolhida (pela Rússia) como o país onde existe um solo fértil para o sucesso das narrativas russas pró-Kremlin e pró-guerra", disse Věra Jourová, principal responsável pelos assuntos digitais da Comissão Europeia.

Mesežnikov disse que Fico e os seus aliados estavam a aproveitar um cansaço e uma raiva crescentes entre os eleitores eslovacos sobre o apoio inequívoco do governo à Ucrânia.

"O governo tomou uma decisão muito rápida e firme - e eu diria que, ao fazê-lo, se encontrou no lado certo da história - para apoiar a Ucrânia", disse Fico. "A Eslováquia tornou-se um membro proactivo da UE ao propor sanções contra a Rússia e enviou todo o equipamento possível para a Ucrânia."

A decisão da Eslováquia de enviar defesas aéreas apenas algumas semanas após o início da invasão foi seguida pela entrega de veículos blindados, helicópteros, obuses e outros equipamentos. Também acolheu mais de 100.000 refugiados ucranianos - um número assinalável para um país com apenas 5,4 milhões de habitantes.

No entanto, Mesežnikov disse que um grande grupo de eslovacos não concorda com essa abordagem - e que a SMER e a Republika foram rápidas a começar a cortejá-los.

"O outro argumento deles, para além do da paz, é que não devíamos estar a ajudar a Ucrânia porque isso é feito à custa dos eslovacos. Dizem que é demasiado caro e que nos devemos preocupar apenas connosco", afirma Mesežnikov.

Este é um argumento poderoso para os eleitores que se debatem com uma crise de custo de vida, mas Mesežnikov disse que não se baseia inteiramente em factos, uma vez que a maior parte do apoio é subsidiada com fundos da União Europeia.

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