Irão arrastou Portugal para o conflito no Médio Oriente e agora arriscamo-nos a "cair no ridículo"

16 abr, 21:00
Navio MSC Aries no porto de Los Angeles, Estados Unidos, a 18 de outubro de 2021 (AP)

Um ex-ministro, um embaixador e um major-general explicaram o que está em cima da mesa e garantiram que a resposta a Teerão passará "sempre por medidas de natureza estritamente diplomática"

Passaram-se mais de 72 horas desde que a Guarda Revolucionária do Irão apreendeu o cargueiro MSC Aries com bandeira portuguesa. O Ministério dos Negócios Estrangeiros chamou o embaixador iraniano, durante a manhã desta terça-feira, ouviu as explicações e prometeu "passos adicionais" caso Teerão não cumpra três condições: libertar o navio, libertar a tripulação e tratá-la com dignidade. Mas o que pode Portugal realmente fazer como represália contra o Irão?

Resposta passará "sempre por medidas estritamente de natureza diplomática"

O embaixador e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros António Monteiro entende que esta é uma questão de resposta "difícil". O experiente diplomata lembra, no entanto, que tudo "depende da reação do Irão, que agora terá de responder às exigências do Governo português". Até porque "o que está em causa é o respeito da Lei Internacional" e, por isso, os "passos adicionais" poderão não passar por ação somente nacional: "A União Europeia e as Nações Unidas terão de tomar medidas".

O antigo ministro da Defesa Nacional Azeredo Lopes concorda que a reposta lusa passará "sempre por medidas estritamente de natureza diplomática", lembrando que "esta não é uma questão que envolva um navio português e não envolve Portugal num conflito". "A bola foi passada para o Estado iraniano e agora é o Irão que tem de justificar a ação de apresamento do navio", lembra Azeredo Lopes, explicando ainda que "numa situação limite as respostas nacionais poderiam passar pela rutura de ligações diplomáticas com o Irão, pelo envio de uma carta de protesto ao Irão ou, por exemplo, por exercer influência entre os parceiros estratégicos de Portugal".

"O Estado português está a agir bem: está a pedir a libertação e a cessação da ilicitude levada a cabo pelo Irão", refere Azeredo Lopes.

Momento em que navio com bandeira portuguesa foi abordado por helicóptero da Guarda Revolucionário Iraniana e apreendido (D.R.)

Por outro lado, o major-general Agostinho Costa também antevê que os "passos adicionais" passem pelo envio de uma carta de protesto a Teerão, mas, no seu entendimento, Portugal "devia estar em silêncio porque não pode fazer nada e arrisca-se a cair no ridículo". O Governo português "preocupar-se em perceber porque é que um navio que não é de uma empresa portuguesa, não pertence a um português, não tem um capitão português e não tem tripulação portuguesa tem pavilhão português".

Agostinho Costa considera que "a embarcação não tem rigorosamente nada que ver com Portugal" e que o sucedido "seria o mesmo se um cidadão estrangeiro fosse a conduzir um veículo de matrícula portuguesa e a viatura fosse apreendida por um Estado estrangeiro" O major-general questiona mesmo "o que é que Portugal iria fazer? Nada, quanto mais ruído fizer pior vai sair desta situação".

MSC Aries: um "irritante diplomático" para Portugal?

"Embora que o MSC Aries tenha pavilhão português, este é um pavilhão por conveniência", salienta Azeredo Lopes. O antigo responsável pela Defesa aproveita para desmistificar algumas das "coisas inacreditáveis" que têm vindo a ser ditas sobre este incidente: "Não se tratou de uma agressão contra Portugal nem de um crime de guerra". Não sendo este um navio português e apenas uma embarcação com uma bandeira portuguesa por conveniência - obtida através de um pagamento monetário -, Azeredo entende que "Portugal tem o dever funcional de direito à proteção daqueles indivíduos, tal como também têm os países de onde são naturais os membros da tripulação", acrescentando que não se pode analisar esta ocorrência apenas como sendo "preto ou branco".

"O Irão alega que o navio desligou os sistemas de identificação enquanto passava pelo Estreito de Ormuz, que faz parte da sua jurisdição. Mas não é coincidência que o Irão tenha decidido apresar um navio pertencente a um cidadão israelita. Caso justifique que esta foi uma medida contra o Estado de Israel, não é aceitável, perante o Direito Internacional. Caso tenha sido uma resposta a uma ação da tripulação da embarcação, parece-me que o apresamento é uma medida excessiva contra uma infração do navio", explica Azeredo Lopes, alegando que houve uma evidente "desproporção na medida adotada pelo Irão em resposta".

O número de pavilhões portugueses por conveniência são particularmente expressivos na região da Madeira, onde o MSC Aries foi registado. De acordo com números oficiais, entre 2023 e o primeiro trimestre de 2024, foram registadas 1.773 embarcações - porta-contentores na sua maioria. E é aqui, para Agostinho Costa, que reside a "verdadeira questão", porque "não convém venderem-se símbolos nacionais a troco de tostões, como é que se transaciona um símbolo nacional?".

"As bandeiras de conveniência não são um risco em termos de Portugal entrar num conflito, mas são irritantes diplomáticos", considera o major-general, explicando ainda que "quando um navio com bandeira portuguesa é apreendido, Portugal é arrastado com ele para o lamaçal". A pergunta que naturalmente surge é, como questiona Agostinho Costa, "qual é o retorno?": "Quanto é que a Madeira recebe para que este navio navegue com bandeira portuguesa? Se forem escassos milhares de euros, não vale a pena. É o bom nome do nosso país, uma potencial afronta em que Portugal se coloca a troco de milhares de euros", diz.

Navio MSC Aries no porto de Los Angeles, Estados Unidos, a 18 de outubro de 2021 (AP)

Contornar África são mais três mil milhas e vai-se lembrar disso no supermercado

Na visão do embaixador António Monteiro, esta é um situação que exige "uma ação a nível multilateral": "Têm atacado navios de outras nacionalidades". O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros entende que os ataques contra cargueiros internacionais no Golfo de Adén, de Omã e Pérsico já se tornaram num "padrão" que terá de "continuar a ser seguido e controlado".

"O Irão tem apenas a vontade de demonstrar que tem controlo sobre aquela zona do globo, mas, com isso, pode colocar em causa a circulação marítima internacional e consequentemente a Economia mundial", explica António Monteiro.

Azeredo Lopes considera que o caso com o MSC Aries "parece não ter gravidade maior para além de envolver Portugal". No entanto, o ex-ministro lembra que, perante a falta de garantias de segurança, três transportadoras "já evitam aquela região e preferem navegar mais três mil milhas em torno de todo o continente africano", garantindo que o caminho mais longo se vai "refletir no preço final dos bens": "Há aqui um detalhe que é essencial para a vida de todos nós que é o facto de a maior parte do comércio global se fazer por via marítima e o Mar Vermelho ser um ponto crucial".

Por fim, Agostinho Costa lembra a máxima bélica que diz que "não nos devemos colocar em conflitos que não podemos vencer, nem fazer ameaças que não temos capacidade de impor", deixando ainda um exercício de reflexão quanto às bandeiras por conveniência: "Se a Coreia do Norte, a Somália ou até mesmo o próprio Irão pagarem à Madeira mandamos a bandeira portuguesa para estes territórios?". Para o major-general, certo é que "esta é uma situação absolutamente desagradável".

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