“Temos uma família real com muito prestígio, que é acarinhada por todas as cortes europeias”

7 out 2023, 09:00
Infanta Maria Francisca de Bragança

Trinta anos depois, Portugal assiste a um casamento real. A filha dos duques de Bragança Maria Francisca de Bragança e o noivo Duarte de Sousa Araújo Martins casam-se este sábado em Mafra. Em entrevista à CNN Portugal, o embaixador José de Bouza Serrano, especialista em casas reais europeias, fala das ligações com as outras monarquias e do peso que Portugal ainda tem. "D. Miguel, depois das lutas liberais, mesmo em exílio, teve várias filhas que se tornaram grandes duquesas do Luxemburgo, Bélgica, Itália, Liechtenstein, França e Brasil."

Hoje a família dos duques de Bragança vai estar no centro das atenções. O que mais aprecia nesta família? 

O seu amor por Portugal. Concentram neles próprios toda a tradição cultural da monarquia, os princípios e os valores permanentes, são muito patriotas e sobretudo estão sempre disponíveis. 

A Casa de Bragança tem algum peso político, social e económico no país ou apenas um papel decorativo?

Tem com certeza um grande peso social. A família é muito discreta, mas todos trabalham muito até porque não têm partidos políticos. O seu partido político é Portugal e estão sempre disponíveis a favor do país, bem como para promover Portugal. Estão sempre na primeira linha, mas muito discretos, apoiam imenso. Além disso, historicamente são a primeira família de Portugal.

Pode dar-me alguns exemplos de projetos a que a família real está ligada?

A Casa de Bragança está ligada a vários projetos. É possível ver nas biografias e até no próprio percurso deles, que estão associados a várias coisas mesmo através das ordens, particularmente da Ordem de Malta, do Santo Sepulcro de Jerusalém, a proteção dos locais santos de Jerusalém e até mesmo o acompanhamento dos peregrinos de Fátima, que é muito levado a sério todos os anos. Há sempre um acompanhamento religioso e a igreja tem um papel social muito intenso. Não é caridade, é solidariedade social. 

A forma como o casamento vai ser acolhido pela população pode ser um indicador da ligação da família ao país? 

Eu espero que sim, mas o ideal monárquico não está tão vivo como as pessoas gostariam. De qualquer maneira ele existe. Temos uma família real com muito prestígio, que é acarinhada por todas as cortes europeias e convidada para casamentos e batizados reais.

Que casas reais têm mais ligação com a Casa de Bragança?

Temos ligação com muitas casas reais da Europa. D. Miguel, depois das lutas liberais, mesmo em exílio, teve várias filhas que se tornaram grandes duquesas do Luxemburgo, Bélgica, Itália, Liechtenstein, França e Brasil. Todas são descendentes do rei D. Miguel e têm sangue de Bragança. Há uma grande descendência do rei D. Miguel.

Portugal ainda é relevante a nível da monarquia? 

Claro que sim. Nós temos oito séculos de história e nesse período fomos uma monarquia. Só somos uma República há 100 anos, o que é muito pouco para uma perspetiva de oito séculos, os nossos antepassados são maioritariamente reis. Passando pela nossa história, os monumentos, as igrejas, os conventos e os castelos, é aí que se vê o selo da monarquia. A república construiu coisas modernas, como por exemplo a Ponte 25 de Abril, mas estes monumentos históricos foram feitos pelos monarcas. 

Qual é o peso da Casa de Bragança na Europa?

A Casa de Bragança é a antepassada de uma série de monarquias reinantes na Europa. Há dez casas reinantes na Europa neste momento, todas constitucionais, e a maioria delas tem avós de Bragança, por isso é um antepassado comum de muitas das casas reais. Passámos para a república, mas os nossos antepassados deixaram marca através da casa de Bragança. 

A importância da casa real portuguesa reflete-se nos convidados que vêm ao casamento?

Claro que sim. Vêm parentes e representantes das várias casas. Não vêm a nível de chefes de Estado, mas mandam outras pessoas mais próximas da família.

O facto de não virem as figuras principais é sinal de que não temos verdadeiramente uma casa real?

Não, isso não significa que as casas não são reais e sobretudo prova que vêm as que estão mais próximas da infanta e de D. Duarte. São de famílias reais, mas não são os chefes. Vêm pessoas com idades similares. 

Quais são as casas reais mais importantes?

A Casa de Liechtenstein, da família Saxe-Coburg Gotha, os Thurn und Taxis, a Casa Real da Bélgica, também os soberanos da Prússia e da Rússia. Todos estarão presentes, uns ao mais alto nível, outros nem tanto. 

Ainda assim, muitas delas não são reinantes, vêm de antigas famílias reinantes onde hoje em dia o país vive em república. Estas são as casas mais importantes porque historicamente estiveram mais ligados à história da Europa e algumas uma maior ligação com Portugal.

Qual é o património da Casa de Bragança?

Não sei dizer, mas suponho que tudo o que a casa real tem vem dos casamentos e também do que a rainha D. Amélia deixou. O património ficou concentrado na fundação da Casa de Bragança. 

A noiva vai, aliás, levar a coroa da rainha D. Amélia. Qual é o simbolismo?

São parentes. Foi a última rainha de Portugal, viúva do rei D. Carlos, assassinado pelos monarquistas e republicanos. A rainha deixou vários prédios no Chiado e joias a estes primos que no fundo eram quem seguiria o legado, pois não houve outra descendência. Seguiram-se então os descendentes do rei D. Miguel.

Quem vai pagar o casamento? 

Em princípio são os pais e os padrinhos. Ainda assim, normalmente, há sempre ajuda, pessoas que querem participar, oferecem alguma coisa ou fazem preços especiais, tendo em conta que há 28 anos que não havia um casamento real em Portugal. 

Já escreveu sobre a monarquia. Não pensa escrever um livro sobre esta família? 

Já tinha pensado em fazer, mas mudei de editor, então deixei esse projeto de lado. Espero que alguém siga esta ideia.

Uma vez que não há monarquia em Portugal, acha que os filhos de D. Duarte vão continuar a prolongar a Casa de Bragança?

Claro que sim, já estão a fazê-lo através do casamento. O facto de já não haver mais monarquia, dá mais trabalho, mas há sempre pessoas que sabendo o valor da monarquia seguem. 

Acha que a cerimónia vai fazer renascer algum glamour associado à monarquia em Portugal?

Eu acredito que sim, porque no fundo isto acaba por ser uma lembrança que nós temos. Nestes oito séculos, só temos cento e poucos anos de república, todos os outros devemos aos nossos reis, bons ou maus, a monarquia é que nos dirigiu todo esse tempo. 

Qual é a diferença entre o casamento de D. Duarte e agora o da infanta Maria Francisca?

A diferença é que quando D. Duarte casou já era chefe de casa e Maria Francisca é infanta e não é a herdeira. Quanto à organização da cerimónia, o casamento de D. Duarte teve mais festa, particularmente um evento em Queluz com cavalos que os estrangeiros adoraram.

José de Bouza Serrano

Quais as regras mais importantes de protocolo num casamento destes? 

São as precedências entre as famílias reais em si. Mas o casamento é sobretudo um ato litúrgico. O casamento é um sacramento e o concretizar desse sacramento segue determinadas regras. 

Porque é que escolheram D. Manuel Clemente para presidir o casamento? 

D. Manuel Clemente é próximo da família de Bragança e ele próprio demonstrou o seu interesse em presidir a cerimónia mesmo sabendo que já não seria patriarca na altura. Para além dele, também estarão muitos sacerdotes que têm acompanhado a família ao longo destes anos. A família escolheu Mafra por ser um monumento de Bragança, que foi feito por um sétimo avô da infanta Maria Francisca, o rei D. João V.

Nessa altura as famílias reais viviam de forma muito diferente. Como são atualmente as famílias reais? 

Eu vejo-as como um repositório da essência da história dos respetivos países. São a essência porque descendem dos soberanos, dos chefes de Estado e das pessoas cujo nome, identidade e vida estiveram ligados ao seu país, são essenciais no desenvolver da história. Há uma permanência da família real na vida dos povos. 

A família dos Duques de Bragança ainda mantém costumes dos seus antepassados monárquicos ou está totalmente modernizada? 

Mantém com certeza. Cada família tem a sua história própria e as suas tradições, a essência é preservada de geração para geração. É o património familiar que é preciso manter.

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