"Não há ninguém que seja monárquico porque a mãe é viscondessa". Estão na universidade, pertencem a partidos políticos, são "pessoas normais": retrato do jovem monárquico de hoje

7 out 2023, 08:00

Fazer parte da nobreza ou ter herdado um título ainda são condições essenciais para um jovem aderir à causa monárquica? O presidente da Juventude Monárquica Portuguesa garante que não, fala numa "mobilização brutal" nos últimos anos e acredita que a infanta Maria Francisca e o noivo podem ser fonte de inspiração para os mais novos à procura de um ideal de sociedade diferente da republicana

"O título é uma herança como as outras", diz Sebastião de Sá-Marques, presidente da Juventude Monárquica Portuguesa (JMP) que, no último mês, conseguiu um palco inusitado nas redes sociais - quem não se lembra do pedido de voluntários para ajudar na "logística da cerimónia" do casamento da infanta Maria Francisca de Bragança com Duarte de Sousa Araújo Martins, que se realiza este sábado?

"Assumiu-se que aquilo era um problema, eu não vi ali problema nenhum", garante Sá-Marques à CNN Portugal, desvalorizando o tema que colocou os jovens monárquicos na agenda nas últimas semanas. "Quem esteve a controlar quem se inscrevia através dali fui eu, não foi uma iniciativa da Juventude, não querendo sacudir a água do capote. E esta celeuma surge por causa de 30 comentários, no máximo, numa publicação no Facebook. E enquanto aquilo acontecia eu via o número de inscrições a crescer de forma galopante", assegura. "Tivemos quase 60 inscritos", revela, para ajudarem nos festejos da boda, que contempla uma festa popular em Mafra na tarde deste sábado.

Mas voltando aos títulos nobiliárquicos: as ligações à nobreza antiga são ainda condição para os mais jovens se associaram à causa monárquica? A aristocracia é mais valorizada nos círculos em que se idealiza a monarquia como uma substituta acertada da República? A resposta, para Sebastião Sá-Marques, é negativa. "Não há ninguém que seja monárquico porque a mãe é viscondessa", garante, com ironia, desvalorizando essas ligações como um preconceito. "Ninguém se apresenta como o primo do Marquês da Fronteira. O movimento monárquico não tem nada disto", acrescenta.

Sá-Marques é presidente da JMP desde 2021 e diz que os últimos anos têm sido de uma "mobilização brutal", que explica pela atividade do organismo que dirige, que adaptou ao século XXI a forma de apresentar "os mesmos valores de sempre". 

"Os jovens procuram acima de tudo a verdade, o sentimento de ser português, de termos uma história em comum e não termos vergonha nessa história, termos orgulho nessa história", continua. O presidente dos jovens monárquicos diz que não é só a "falta de opções" a nível partidário que está a mobilizar os mais novos para a monarquia. "Essa falta de opções é o pórtico, mas as pessoas sempre viram que algo não funcionava. É mais profundo do que o partido A, B ou C, o que os jovens procuram são valores que possam defender para um futuro mais auspicioso de Portugal", sublinha. 

Refere que a maioria dos associados da JMP também passam por partidos políticos "e todos dizem que faltava ali qualquer coisa, um espírito de serviço a Portugal". Até porque, garante, "cada vez mais pessoas vão percebendo que o problema não está na esquerda, não está na direita, não está no centro, está no sistema em si", acrescenta. "Não se pode dizer que desde a implantação da República foi só gente incapaz a governar. Era preciso muito azar", volta a ironizar. 

"Mesmo que haja alguém que tenha ligação mais próxima a famílias reais, é monárquico por uma questão de convicção política. Ao longo deste mandato fui conhecendo muita gente e sou monárquico desde que me lembro. E toda a gente tem um fundamento político para isto", diz Sebastião Sá-Marques. Quando assumiu a presidência da JMP, o organismo ia no associado 178. Hoje, estão quase a chegar aos 600. 

Os "arqui-inimigos" que vão ao porco no espeto

Luís Amaral, fundador do portal de genealogia Geneall, faz uma declaração de interesses logo no início de conversa: "Fazer genealogia não é tratar da nobreza", declara. "Sou contra essa relação, tem sido quase, didaticamente, uma das lutas da minha vida", acrescenta, em declarações à CNN Portugal.

Monárquico assumido, também diz que partilhar os ideais da causa monárquica nada tem a ver com nobreza. Até porque, em Portugal, "a nobreza é 1% da população", afirma. O que é, então, ser monárquico nos dias de hoje? "É acreditar que a monarquia é o sistema ideal para a organização da sociedade", resume. "Se fizerem uma análise, vejam os 25 países mais ricos. É curioso, porque 13 são monarquias. É engano ou eles são todos parvos?", ironiza. "Não quero argumentar que haja uma relação de causa-efeito. Mas imagine, entre a China e o Japão, que é uma monarquia, qual será mais democrático?" 

Admite que a monarquia, em termos etimológicos, remete para o poder de uma só pessoa, "mas isso é coisa que já não existe desde o século XIX". "O rei não governa, o rei reina", sublinha. "A monarquia nada tem a ver com a genealogia, tem a ver com opções políticas. Inglaterra, Japão, Suécia, Noruega, Austrália, Canadá, são todos parvos?", volta a questionar. "Nós existimos como país graças a D. Afonso Henriques, D. Duarte é representante do fundador desta história. Foi um erro de casting tirá-lo de lá, implantar a República para implantar a democracia, se nós estivemos em democracia desde 1826 até 1910", atira. "Salazar é que era um rei absoluto." 

Sebastião Sá-Marques, instado a fazer um retrato da juventude monárquica que lidera, diz que "há de tudo", entre universitários e jovens trabalhadores, normalmente filiados em juventudes partidárias. "A grande maioria dos associados está na faixa do fim da faculdade, entre os 20 até aos 25 anos. Por norma, os mais ativos são os universitários, nos primeiros anos de faculdade. Porque os nossos empregos, no início de carreira, e isto é um problema geral, não dão margem nenhuma para compromissos", lamenta. 

Defende que o casamento da infanta Maria Francisca pode ter "um efeito muito positivo" na mobilização para a causa monárquica: "A prova disso é a quantidade absurda de pessoas, que muitos nem são monárquicos, a inscreverem-se para virem ajudar. A partir do momento em que o próprio Presidente da República vai ao casamento da infanta, é um caso muito sui generis, os arqui-inimigos institucionais a irem para um copo d'água juntos, é fascinante", comenta. "Um PR que vai ao casamento da infanta, e com imenso gosto, é de uma naturalidade, uma deixa para esquecer os problemas e o que nos divide. Para dar algum valor metafórico ao casamento, é irmos todos ao porco no espeto, e para mim é ótimo. Não há mais nenhum sítio em que isto aconteça, nem no futebol", afiança.

Para o presidente da JMP, os noivos também podem ser fonte de inspiração para jovens que não se revejam nos ideais republicanos, sobretudo pela proximidade que foi criada pelo matrimónio - a infanta e o futuro marido chegaram mesmo a convidar para jantar os voluntários que vão trabalhar na referida "logística" da celebração em Mafra. "São pessoas muito simples, muito desempoeiradas", garante. "Se tivesse de descrever a infanta em poucas palavras, diria que ela é uma princesa do século XXI. Tem graça. Fala com as pessoas, tem uma grande capacidade de pôr as pessoas à vontade e também de mobilização. Uma sala não lhe fica indiferente e não é só pelo que ela representa", elogia ainda.

Sobre o noivo, licenciado em Direito pela Universidade Católica - a mesma onde a infanta estudou Comunicação, apesar de não se terem cruzado pelos corredores da academia - diz que é "muito trabalhador, que leva muito a sério o serviço" à causa monárquica, sem deixar de ser descontraído. "Nisto os noivos são muito parecidos, um casal fantástico que consegue perfeitamente parar uma sala para os ouvir a contar histórias. Mas também sabem parar para ouvir. São pessoas normais", repete. 

Após o matrimónio, a infanta e o futuro marido vão mudar-se para Londres durante um ano, devido a compromissos profissionais do jovem advogado. Ela, por seu lado, quer focar-se em projetos de voluntariado, dando continuidade ao que tem sido uma das suas grandes linha de ação, tendo já trabalhado para uma agência de comunicação.

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