Como tijolos anteriores a Cristo revelam uma enorme anomalia no campo magnético da Terra

CNN , Mindy Weisberger
6 jan, 18:00
Este antigo tijolo de barro tinha uma inscrição que mencionava o rei mesopotâmico Iakun-Diri. Os investigadores recolheram amostras para o estudo e estão entusiasmados com a forma como artefactos como este nos podem ajudar a estudar os campos magnéticos da Terra (Matthew D. Howland)

Há milhares de anos, o campo magnético da Terra sofreu um aumento significativo de energia numa parte do planeta que incluía o antigo reino da Mesopotâmia. Provavelmente, as pessoas da altura nem se aperceberam da flutuação, mas os sinais da anomalia, incluindo pormenores anteriormente desconhecidos, foram preservados nos tijolos de barro que cozeram, segundo uma nova investigação.

Quando os cientistas examinaram recentemente tijolos datados do terceiro ao primeiro milénio a.C. na Mesopotâmia - que englobava o atual Iraque e partes do que é hoje a Síria, o Irão e a Turquia - detetaram assinaturas magnéticas nos tijolos do primeiro milénio, indicando que foram cozidos numa altura em que o campo magnético da Terra era invulgarmente forte. Os carimbos nos tijolos com nomes de reis da Mesopotâmia permitiram aos investigadores confirmar o intervalo de tempo do pico magnético.

As descobertas corresponderam a um pico magnético conhecido como "Anomalia geomagnética da Idade do Ferro Levantina", que ocorreu entre 1050 e 550 a.C. Esta anomalia já tinha sido documentada em artefactos dos Açores, da Bulgária e da China, utilizando a análise arqueomagnética - examinando grãos em cerâmica e objetos arqueológicos de cerâmica para obter pistas sobre a atividade magnética da Terra, conforme os cientistas constataram a 18 de dezembro na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

"É realmente empolgante que artefactos antigos da Mesopotâmia ajudem a explicar e a registar eventos-chave na história da Terra, como as flutuações no campo magnético", diz o coautor do estudo Mark Altaweel, professor de arqueologia do Médio Oriente e de ciência de dados arqueológicos no Instituto de Arqueologia da University College London.

"Isto mostra porque é que a preservação do património antigo da Mesopotâmia é importante para a ciência e para a humanidade em geral", acrescenta Altaweel, numa resposta dada à CNN por email.

Rochas feitas pelo homem

Quando um artefacto antigo contém matéria orgânica, como osso ou madeira, os cientistas podem saber a sua idade através da datação por radiocarbono, que compara os rácios de decaimento preservados nos isótopos de carbono. Mas para artefactos inorgânicos - cerâmica ou objetos de cerâmica - é necessária uma análise arqueomagnética para revelar a sua idade, sublinha o autor principal do estudo, Matthew Howland, professor assistente no departamento de antropologia da Universidade Estatal de Wichita, no Kansas.

Como a cerâmica é o tipo de artefacto mais comum nos sítios arqueológicos de todo o mundo, esta técnica é um complemento vital para a datação por radiocarbono, refere Howland à CNN.

"A datação arqueomagnética pode ser aplicada a qualquer tipo de material magneticamente sensível que tenha sido aquecido", reforça o especialista. E a sua utilidade estende-se para além da arqueologia.

"Os geólogos usam frequentemente a análise de rochas para estudar os campos magnéticos da Terra, mas em tempos mais recentes, quando não há a possibilidade de estudar rochas muito recentes porque ainda não tiveram tempo de se formar, precisamos de usar artefactos arqueológicos", continua. "Podemos pensar que os tijolos de barro ou a cerâmica são rochas feitas pelo homem para estudar os campos magnéticos da Terra".

Antes deste novo estudo, havia poucas provas arqueomagnéticas precisas de artefactos mesopotâmicos datados desta época.

"A falta de dados restringia realmente a nossa capacidade de compreender as condições do campo magnético da Terra naquela região", explica Howland. Isso também significava que os arqueólogos não podiam calcular com precisão as idades de muitos sítios na Mesopotâmia, "uma região incrivelmente importante na arqueologia mundial".

Atração magnética

A Terra está rodeada por uma magnetosfera - uma bolha invisível de magnetismo gerada pela poderosa agitação de metais fundidos no núcleo da Terra. Esta bolha evita que a nossa atmosfera seja desfeita pelos ventos solares que chegam a partir do Sol. Embora a magnetosfera tenha sido uma presença constante durante milhares de milhões de anos, a sua força aumenta e diminui ao longo do tempo. (A saúde humana não é diretamente afetada pelas flutuações do campo magnético, de acordo com o Serviço Geológico dos EUA).

Os artefactos de argila cozidos a altas temperaturas retêm uma "impressão digital" do magnetismo da Terra na altura, em minerais como o óxido de ferro afetado pelo magnetismo. A recuperação dessa impressão digital envolve uma série de experiências magnéticas que aquecem e arrefecem repetidamente o objeto, expondo-o a campos magnéticos e depois removendo-os. Este processo cria uma série de novas impressões digitais, que são comparadas com a intensidade magnética original do objeto.

Os cientistas podem então associar o objeto a um período específico de atividade do campo magnético da Terra.

"De um modo geral, este é um trabalho empolgante porque nos ajuda a compreender o que o campo magnético da Terra está a fazer ao longo do tempo e também ajudará a determinar a idade de artefactos que, de outro modo, seria impossível", afirma Cauê S. Borlina, pós-doutorado no departamento de Ciências da Terra e do Planeta da Universidade Johns Hopkins. Borlina, que não participou no estudo, efetua investigação sobre campos magnéticos antigos e modernos e o seu impacto na formação e habitabilidade dos planetas.

"Mais importante ainda, estes registos de alta resolução são cruciais para compreender como os picos magnéticos à superfície se podem relacionar com o que se passa no interior da Terra", diz Borlina à CNN, numa resposta dada por email. E isso acontece "especialmente no núcleo exterior, onde é gerado o campo magnético da Terra".

A nova análise não só preencheu uma importante lacuna de dados, como também revelou novas pistas sobre a anomalia magnética desse período.

Das 32 pedras que os investigadores recolheram, cinco tinham selos que as ligavam ao reinado de Nabucodonosor II, entre 604 e 562 a.C.As medições do magnetismo nas pedras mostraram que o campo magnético se fortaleceu rápida e intensamente quando os tijolos foram feitos. Os carimbos nos tijolos criaram, assim, um retrato de uma onda de energia magnética que durou apenas algumas décadas.

"Os próximos passos são continuar este trabalho, aplicá-lo a mais tijolos de barro da Mesopotâmia e melhorar ainda mais a curva que podemos produzir da intensidade do campo magnético da Terra ao longo do tempo", diz Howland.

"Mas talvez ainda mais excitante seja o facto de os arqueólogos que trabalham em sítios no Iraque e na Síria poderem olhar para os nossos dados e aplicar as mesmas técnicas a artefactos não datados", conclui. "Isto pode ajudar a resolver muitos dos debates cronológicos que ocorrem na região, sobre a cronologia dos reis".

Mindy Weisberger é uma escritora de ciência e produtora de media cujo trabalho foi publicado na Live Science, Scientific American e na revista How It Works

Ciência

Mais Ciência

Mais Lidas

Patrocinados