Hélder Esteves: um dedo amputado para poder continuar a jogar

30 ago 2002, 19:30

Português do Auxerre em grande entrevista ao Maisfutebol Prendeu a aliança na rede do estádio quando comemorava um golo e preferiu amputar o dedo.

O historial de lesões na curta carreira de Hélder Esteves é impressionante. Ainda para mais têm um certo toque de infelicidade inacreditável, pois não surgem em lances de disputa de bola, mas quando vai sozinho.

A primeira surgiu logo aos 17 anos, quando tentava vingar no Le Havre depois de assinado o primeiro contrato de profissional. Um pubalgia ridícula que o lançou para a cama. «Foi um ano para o lixo, pois nunca mais conseguiu jogar. Precisei de toda a época para recuperar, por isso digo que só comecei a jogar futebol com 18 anos», diz, deixando sempre a ideia de que o azar já faz parte da sua vida.

Passaram mais cinco anos para que o azar voltasse a bater à sua porta. Quando já tinha recuperado totalmente a confiança e as coisas corriam bem no Lusitanos Saint- Maur, surge o caso mais insólito da sua vida (e um dos mais estranhos dos campos de futebol). A história é contada na primeira pessoa.

«Nunca mais me vou esquecer daquele jogo. Defrontámos o Tours e eu marquei três golos, ganhámos por 3-1. O último foi realmente espectacular, pois rematei ainda antes da linha do meio-campo. Na comemoração fui festejar junto dos adeptos e pendurei-me na rede. Com toda aquela euforia a minha aliança de casamento ficou lá presa e nunca mais consegui tirar. O dedo ficou muito mal tratado e fui transportado imediatamente para o hospital. Lá, deram-me duas hipóteses: recuperar o dedo, mas estar afastado da competição durante cinco/seis meses; ou amputá-lo, estando teoricamente preparado para voltar a jogar num espaço de um mês. Escolhi a segunda, porque só queria jogar. As coisas estavam a correr-me bem».

Uma decisão dolorosa, que Hélder conseguiu tomar num ápice, mas que não está arrependido. O dedo não lhe fazia falta para jogar, apenas para colocar a aliança (que usa agora no dedo grande), pelo que em pouco tempo estava de regresso aos relvados. «Fui operado naquele sábado e na segunda-feira já estava a correr, embora um pouco atordoado pela anestesia. No final dessa semana já fazia bicicleta e no domingo seguinte voltei à equipa para jogar e marcar. De Janeiro (mês em que amputou o dedo) até ao final do campeonato fiz uma média de dois golos por jogo», conta, numa prova de confiança.

Pouca capacidade de recuperação

A força de vontade de Hélder Esteves impressionou todos os que o rodeavam, mas é o próprio a reconhecer que naquela altura as coisas saíam bem também por ajuda dessas mesmas pessoas que o acompanhavam, que o moralizavam e o «empurravam» para novos desafios.

«É algo que sinto falta agora, porque não tenho ninguém no clube que me incentive. No Lusitanos era tudo diferente, toda a gente ajudava, mesmo que os recursos fossem poucos», considera, estabelecendo uma comparação ao que sucede neste momento em Auxerre.

Ainda a recuperar da lesão contraída este ano, diz não sentir o apoio das pessoas competentes, começando no treinador e acabando no corpo clínico. «Lesionei-me sozinho, num treino, quando estávamos a treinar o remate. Dei mal na bola e torci o joelho. Não me conseguiu mexer. Nem era bem a dor, apenas não me conseguia mexer. Mais tarde vim a saber que tinha afectado o menisco e tive de ser operado ao joelho direito», relata.

A recuperação não foi feita da maneira mais aconselhável, pois quando chegou às instalações do clube, no Estádio Abbé-Deschamps, não encontrou ninguém que lhe delineasse um plano. «Senti-me abandonado, pois treinava sem ninguém me dizer se estava a ir bem ou não. Cheguei a um ponto em que percebi que talvez estivesse a forçar, porque o joelho começou a inflamar. Aí, comecei a abrandar o ritmo e agora ainda continuo a recuperar, embora já treine sem tantas limitações», lamenta, dando a ideia de que se fosse outro jogador as coisas seria diferentes.

Agora, teme que as coisas demorem a correr bem, pois reconhece não ter grande capacidade de luta quando não existe um suporte forte: «Sei que é um dos meus grandes defeitos, desanimar quando as coisas não correm bem e não tenho ninguém que me diga para lutar».

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