Do "sou recandidato" à "prioridade" dos professores sem esquecer os pescadores da Afurada. O que precisa de saber da entrevista a Luís Montenegro

10 out 2023, 08:00

Em entrevista no CNN Town Hall, o líder do maior partido da oposição anunciou que se vai recandidatar com ou sem vitória nas europeias e até se comparou a António Guterres

Em modo palestrante, Luís Montenegro passou grande parte da sua intervenção no CNN Town Hall a dividir-se sobre possíveis dilemas que terá caso vença as legislativas de 2026, não tendo, porém, qualquer dúvida de que será recandidato à liderança do PSD qualquer que seja o resultado das Europeias em 2024. 

“Eu vou recandidatar-me nas próximas eleições dentro do PSD após as europeias, porque faço uma avaliação muito positiva do que temos vindo a fazer”, anunciou, antes de comparar as circunstâncias que enfrenta com as circunstâncias que enfrentou António Guterres quando o PS venceu as Europeias de 1994 por 0,4%. “Também se deparava com um Governo de maioria absoluta, com um primeiro-ministro que já tinha oito anos de exercício do seu mandato e com muita dificuldade em afirmar-se nas sondagens.” E, como o PS naquele ano, também “o PSD vai ganhar as eleições europeias”.

No Salão Nobre do ISEG, o líder do PSD disse que se estivesse sentado na cadeira de primeiro-ministro iria rejeitar travões aos aumentos das rendas, admitiu uma possível renacionalização da REN e sublinhou até que, se for o mais votado nessa altura, formará Governo com ou sem apoio maioritário dos deputados da Assembleia da República. 

E até concedeu um compromisso pós-pós eleitoral numa era “pós-Costa”, com alguém que “emane da estrutura socialista que tenha esse espírito cívico se isso se vier a colocar”. Ainda que o PS “nunca tenha tido esse sentimento de responsabilidade”, lamentou. 

Nesse cenário legislativo, Montenegro voltou a fazer a mesma garantia que fez quando a coligação PSD-CDS venceu as legislativas regionais na Madeira, reiterando que uma aliança com o Chega é “impossível”. Já uma com a Iniciativa Liberal é admitida e uma coligação pré-eleitoral “logo se vê, não está decidido”.

O que está decidido, para além da exclusão do Chega, são outros dois compromissos. Só será primeiro-ministro “se ganhar as eleições” e, “ganhando as eleições”, “preferencialmente com o apoio maioritário dos deputados da Assembleia da República, mas, se não conseguir, com uma maioria relativa", apontou.

Compromissos assumidos num momento em que a última sondagem realizada pela Aximage para a TVI e CNN Portugal dá conta de que, num cenário de eleições legislativas hoje, o PS voltaria a ser o partido mais votado, mas longe da maioria absoluta e com o PSD à perna em empate técnico. 

Para Montenegro, estes resultados mostram tanto "que há um desgaste enorme e uma decepção das pessoas que votaram no PS", como, que, passado “um ano e poucos meses, os portugueses ainda tenham dúvidas sobre a capacidade de liderança e o projeto político” que encabeça.

O social-democrata tocou ainda de leve no tema Passos Coelho, referindo que "tem falado de vez em quando" com o ex-primeiro-ministro, embora com menor regularidade nos últimos tempos. Sobre se o considera um rival, Montenegro reitera que tenciona recandidatar-se, com "o objetivo de disputar e vencer as legislativas e reformar o país". "Se mais alguém o quiser fazer, está no seu direito", disse. E, especificamente sobre Passos Coelhos, declarou que "fará aquilo que quer fazer" - "e eu também", reforçou.

Chumbo ao Orçamento do Estado não é “certo certo”

A horas de se conhecer a proposta do Orçamento do Estado para 2024, Montenegro garantiu que o partido não vai, automaticamente, votar contra - “não é certo, certo”, mas deu a entender que esse é o resultado mais esperado, mesmo que haja aproximações, por exemplo, ao valor da descida de IRS que o PSD propõe. Isto porque "já vem com um ano de atraso" e António Costa preferiu o “eleitoralismo” à “justiça social”. “Ficaria satisfeito (...), mas mesmo que António Costa revele já vem com um ano de atraso, entre fazer justiça social em 2023 ou fazer eleitoralismo em 2024, optou pela segunda via.”

Destacando que se espera que o Estado volte a apresentar um excedente orçamental, considerou o líder do PSD que, a concretizar-se, esse facto não indica uma inversão de papéis em que os sociais-democratas são observados como os responsáveis por defenderem medidas que trazem défice.

Luís Montenegro admitiu, por isso, que Portugal "tem hoje contas certas, é verdade", mas à custa de "impostos como nunca tivemos" e de "desinvestimento nos serviços públicos". O líder do PSD garantiu também que, só em juros, aquilo que os governos socialistas pouparam revela "que só nos juros houve uma melhoria das condições financeiras do Estado de três mil milhões entre 2022 e 2015".

"As contas certas não são por crescimento real", criticou.

“António Costa foi com as calças na mão” falar com o PSD sobre novo aeroporto

Montenegro afastou também, no CNN Town Hall, a garantia de que haverá um acordo sobre o novo aeroporto de Lisboa, sublinhando que um entendimento está fora de questão se não forem respeitados dois pressupostos: saber o custo de cada solução e que não seja a Comissão Técnica Independente a decidir essa localização.

O social-democrata confessou, igualmente, que alertou António Costa para uma preocupação sobre uma eventual falta de independência daquela comissão técnica. “Não foi isso que acordei com António Costa e com o PS, e António Costa sabe disso”, defendeu, destacando que “isto ou é 100% técnico ou rigoroso, ou não contam com o PSD para coisa nenhuma”, ameaçou, dizendo que o Governo “não manda” na posição do seu partido.

Montenegro confiante de que vai vencer as europeias, anunciou já a sua recandidatura à liderança do PSD

Palavras que surgem após o primeiro-ministro ter garantido, também no CNN Town Hall, que não via motivos para o PSD 'romper' o acordo obtido há um ano com o Governo para a criação da Comissão Técnica Independente para definir a localização do novo aeroporto. Segundo Montenegro, Costa “não disse a verdade toda sobre este processo”.

“António Costa responsabilizou o PSD por não ter concretizado a solução Portela+Montijo. É uma falta à verdade. Quem inviabilizou essa solução foram os parceiros que na altura suportavam o PS e o Governo na Assembleia da República”, disse, acusando câmaras comunistas de terem suspendido o processo. Foi assim que “António Costa foi com as calças na mão” falar com o PSD, ao que os sociais-democratas pediram que se fizesse uma avaliação ambiental.

Habitação, Saúde e Ensino. E a "prioridade" das prioridades

Foi precisamente perante o caos vivido no SNS, causado pela recusa dos médicos em realizar horas extraordinárias para além das 150 obrigatórias por lei, que surgiu um dos ataques mais violentos de Montenegro a Costa, acusando o primeiro-ministro de “hipocrisia”. 

Propondo um sistema de saúde que "integre a capacidade instalada no SNS, mas também a possibilidade de os servidores do setor privado e social colaborarem na oferta pública subsidiada pelo Estado", Montenegro criticou a postura do PS que “quis concentrar a resposta nos serviços do Estado”. Mas “só tem resposta no recurso aos privados, isto é hipocrisia”, sublinhou, visivelmente irritado, dizendo que “um pescador da Afurada deve poder ir ao mesmo hospital privado que um advogado".

Já sobre se faz sentido que o número obrigatório suba para as 250 horas extraordinárias, Luís Montenegro não respondeu, afirmando que "o SNS hoje está em risco de colapsar não por razões financeiras, mas por recursos".

Quanto à crise vivida na habitação, Montenegro assumiu a quota-parte de culpa do PSD, embora diga que as responsabilidades do partido aconteceram quando o seu atual líder era apenas um “jovem universitário”. “Nos últimos 28 anos, o PS governou 21 e nós governámos 7 por isso é fácil ver quem é que tem mais responsabilidade."

Sobre este tema, garantiu também que o primeiro-ministro "perdeu uma excelente oportunidade de pedir desculpa" por "não se responsabilizar pelas promessas feitas em 2018" - quando Costa "fez uma promessa formal de que nos 50 anos do 25 de Abril nenhum português não teria acesso a habitação digna".

Certo é que, como Costa - que rejeitou repetir o travão às rendas nos moldes do que está em vigor -, Montenegro garantiu que se fosse primeiro-ministro também não o aplicava. "Entendo que o mercado devia funcionar e o Estado devia ajudar as famílias que têm mais necessidade de poder ter um apoio suplementar para acudir aos preços praticados"

O travão, afirmou, "tem um efeito perverso". "É aparentemente uma boa notícia para as pessoas, só que os contratos têm prazo e os senhorios ou fazem contratos novos ou simplesmente tiram as casas dos mercados. É mais interessante atuar no lado da procura do que do lado da oferta."

Para outra das áreas mais fustigadas nos últimos anos, a educação, Montenegro reiterou a sua estratégia de resolução alternativa: a recuperação do tempo perdido em cinco anos, à razão de 20% do tempo perdido em cada um desses cinco anos. “A escolha é, do ponto de vista orçamental, equilibrada, e do ponto de vista político, uma prioridade”, defendeu.

Então porque é que o PSD não aprovou a recuperação total desse tempo em 2019, quando se podia ter juntado aos partidos da esquerda para o decidir? Luís Montenegro acusou o Governo de nunca ter apresentado a verdadeira dimensão das contas.

Mas Montenegro não ficou pelos professores, apenas escolheu "começar" por estes. Para o líder social-democrata, a recuperação desse tempo perdido deve ser alastrada a todos os trabalhadores da Administração Pública e, nesse sentido, o seu partido vai solicitar à UTAO e ao Conselho de Finanças Públicas "que demonstrem qual é o parâmetro que faz equivaler esta recuperação com todos os outros profissionais da administração pública".
 

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