Dar mais poder as autarquias, mais atenção às regiões e o fim de impostos são algumas das medidas que se esperam para o setor do Alojamento Local
O Governo prepara-se para anunciar mudanças no alojamento local (AL). Depois do ministro das Infraestruturas e da Habitação ter assumido que vai reverter, nas próximas semanas, parte das medidas do anterior executivo, abrindo a porta ao fim da contribuição extraordinária (CEAL) - um imposto que aplica uma taxa fixa de 15% a apartamentos em AL - e da caducidade das licenças em cinco anos, a expetativa no sector é grande.
“Houve políticas muito violentas contra os senhorios ao longos de oito anos”, diz Diana Ralha, diretora da Associação Lisbonense de Proprietários, admitindo que o setor espera pelo fim “de um imposto profundamente ideológico” , desejando que o governo pare de olhar para os senhorios como “uma caricatura”
As associações de alojamento local garantem que as medidas atualmente em vigor deixaram muitos empresários “com a corda na garganta” e admitem que o novo pacote de medidas a ser lançado pelo novo Governo pode ser uma lufada de ar fresco para o setor. “Da nossa parte existe uma expectativa legítima, o antigo pacote foi um verdadeiro ataque ao setor”, frisa Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), recordando que o AL teve um importante papel: ajudou a “rejuvenescer as cidades” portuguesas.
Debaixo de fogo está o pacote legislativo do Governo de António Costa, conhecido como Mais Habitação. O documento introduziu medidas para o AL como a contribuição extraordinária para o alojamento local (CEAL), limites de caducidade para as licenças e colocou nos condomínios o poder de autorizar novas licenças ou retirar licenças de exploração existentes. Estas são algumas das regras que as associações que representam o setor acreditam que vão ser alteradas.
“A nossa expectativa é que o Governo reverta de imediato ao CEAL com efeitos retroativos. Além disso, mecanismos como a intransmissibilidade e a caducidade das licenças têm de acabar. É algo nunca visto numa sociedade moderna e capitalista como a nossa. Não faz qualquer sentido”, defende David Almeida, presidente da Associação de Alojamento Local do Porto e Norte (ALPN).
Taxa de 15%
A CEAL é um imposto extraordinário que aplica uma taxa fixa de 15% a apartamentos dedicados à exploração de alojamento local ou estabelecimentos de hospedagem que operem em apartamentos. A taxa fixa aplica-se a uma base tributável em coeficientes económicos e de pressão urbanística. Esta contribuição extraordinária não se aplica a apartamentos de habitação própria que sejam explorados como alojamento local num máximo de 120 dias.
“A CEAL é tão penalizadora que pode colocar em causa a própria existência de uma empresa”, garante Eduardo Miranda, da ALEP, que sublinha que já teve a oportunidade de se reunir com representantes da habitação e do turismo para expor os problemas enfrentados pelo setor.
O próprio programa da Aliança Democrática parece sensível à posição dos investidores. No documento, a coligação liderada por Luís Montenegro defendeu o fim do “desrespeito pela proteção da confiança dos investidores” e prometeu “eliminar de imediato” esta contribuição extraordinária. No entanto, não especifica se vai repor o dinheiro cobrado com efeitos retroativos, como exigem os empresários.
Os proprietários queixam-se também quanto ao agravamento fiscal do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) avançado no Mais Habitação, para AL em áreas onde é difícil de encontrar habitação. Para o presidente da ALPN, é preciso reverter a medida que “agravou substancialmente” o peso fiscal destas propriedades. “O alojamento local não é o culpado da falta de habitação, não deve ser tratado como tal”, defende.
Caducidade do registo
Entre as prioridades para os empresários deste setor estão a caducidade e a intransmissibilidade do registo de AL. A medida introduzida pela então ministra da Habitação socialista Marina Gonçalves estabeleceu a duração máxima de cinco anos para as licenças dos alojamentos locais, obrigando a que estes fossem reapreciados no final desse prazo. Já a intransmissibilidade das licenças impossibilita adquirir registo de transmissão. Os empresários dizem que esta medida “é algo nunca visto” numa sociedade “moderna e capitalista”.
“Infelizmente, o Mais Habitação foi um ataque cego em várias frentes para o setor. Tal como a a CEAL, que é tão penalizadora que pode colocar em causa a própria existência de uma empresa, a intransmissibilidade da licença faz como que uma empresa que venda 1% das suas quotas ficam com o seu negócio totalmente destruído”, garante Eduardo Miranda.
Prova de atividade
As leis aprovadas no pacote do executivo socialista obrigam os titulares dos registos a provarem que mantêm atividade, caso contrário, ficam sujeitos ao cancelamento dos registos. Embora esta medida não se aplique a propriedades que são habitação própria com exploração inferior a 120 dias, o número de pessoas que não entregaram os dados é bastante elevado.
De acordo com dados obtidos pela ALPN, dos 120.714 alojamentos locais registados em Portugal, apenas 80.528 apresentaram as declarações de atividade. Ou seja, apenas 67% dos titulares dos registos entregaram os documentos necessários atempadamente. Guarda, Portalegre e Vila Real são os distritos com a maior percentagem de incumprimento. Quando o comprovativo não é entregue, a decisão sobre o cancelamento das licenças passa para as mãos das autarquias.
“Há muita gente em risco de fechar atividade, principalmente no interior do país. Houve muita gente que não fez prova de atividade, alguns por falta de informação, outros porque não conseguiram obter os dados atempadamente. Há muita gente na corda bamba, sem saber o que lhes vai acontecer”, insiste David Almeida.
Poder local
Já no que se refere às novas licenças, os sinais de mudança estão dados. Por um lado, no programa de Governo é abordada a revogação de “limitações legais desproporcionais impostas pelo Governo socialista” no âmbito do Alojamento Local. Por outro, o ministro Miguel Pinto Luz, que esteve presente no CNN Portugal Summit que decorreu na última quinta-feira, explicou que quer “reverter” algumas das medidas do pacote Mais Habitação para dar “previsibilidade” aos investidores e mais poder às autarquias para que a lei não trate por igual “aquilo que é diferente”.
“40% do AL em Portugal é no Algarve. Os investidores algarvios estavam exatamente à procura de um determinado produto. Há empreendimentos inteiros que foram desenhados só para AL. Objetivamente não podemos tratar de forma igual aquilo que é diferente. Esse foi o problema da lei anterior”, referiu o ministro.
Os responsáveis das associações do setor concordam. “São os autarcas quem melhor conhece a região e as necessidades do mercado. Parece-nos justo. O alojamento local no Algarve é diferente do de Lisboa ou das regiões interiores. Os factores da sazonalidade fazem com que estas regiões tenham de ser tratadas de forma diferente”, defende o presidente da ALPN.
Condomínios
Entre os empresários do alojamento local, há porém ainda no ar “uma grande incerteza” quanto ao futuro de uma medida do pacote Mais Habitação que diz respeita à intervenção do condomínio. Uma das regras apresentadas pela então ministra da Habitação previa que a aprovação de novas licenças de exploração de AL em prédios de habitação tivesse uma autorização por unanimidade do condomínio, para alterar o uso a que o prédio se destina. Ao mesmo tempo, o Mais Habitação dava aos condóminos a possibilidade de terminar a licença de um AL já existente no prédio, caso se conseguisse uma maioria de dois terços no condomínio.
“O executivo socialista, não tendo coragem de proibir o AL colocou o ónus nos condomínios. Há aqui uma réstia de esperança, que políticas muito gravosas possam ser invertidas", considera Diana Ralha, da Associação Lisbonense de Proprietários, notando que o "alojamento local é uma ínfima parcela da habitação, é insignificante quando olhamos para o mercado da habitação”,
A expectativa dos empresários é que haja um regresso “à lei antiga” de 2018, que criou um mecanismo simplificado no qual o condomínio podia fazer um pedido para o cancelamento da exploração do AL. Para Eduardo Miranda é importante “encontrar um equilíbrio de bom senso” que traga estabilidade para o setor. "É isso que queremos, soluções de estabilidade e de equilíbrio”.