"Eu próprio digo que não quero ser eleito". António, bloquista de coração, prefere a apanha da azeitona ao Parlamento

29 fev, 08:00
António Fazenda, Bloco de Esquerda

LISTA DOS ÚLTIMOS | Carteiro, sim. Agricultor, sim. Deputado, nem por isso. António Fazendo está habituado à luta dos trabalhadores. E encontra no Bloco de Esquerda uma forma de estendê-la. Faz parte das listas de candidatos a deputados. Mas com a garantia de que não chega à Assembleia da República: "Não sei falar como eles falam"

Os tempos dos giros como carteiro já lá vão. “Tenho muitas saudades. Toda a gente tratava bem os carteiros nessa altura, mesmo quando levávamos contas.” António Fazenda, 62 anos, continua a trabalhar nos correios. Devido à incapacidade numa perna, deixou de distribuir correspondência. Está agora nos serviços internos dos CTT.

E contamos este percurso de António para revelar que faz parte da subcomissão de trabalhadores. Espírito sindicalista que se multiplica também no apoio ao Bloco de Esquerda. Nas últimas legislativas, esteve na lista de nomes para deputados por Lisboa. Agora também volta a estar.

“Estou lá mais para apoiar o partido. Gosto das causas deles. Nunca pensei sequer em ser deputado. Até me sinto bem quando eles me convidam. Eu próprio digo que entro para as listas, mas não quero ser eleito”, confessa.

Ser deputado implica outras competências que António Fazenda diz não ter. “Não me sei explicar, não sei falar como eles falam.” Depois de 43 anos como carteiro, para o futuro já tem o plano bem definido: trocar Loures pelo campo.

É natural de Monforte da Beira, em Castelo Branco, onde os pais lhe deixaram uma pequena propriedade. “Vivo isto. Gosto da apanha da azeitona. Gosto muito disto. Assim que me reformar, é o que quero”. A cada campanha, António Fazenda recolhe cerca de 1400 quilos de azeitonas. Faz o seu próprio azeite. “Recolho para mim. O que sobra, dou” – o que é sempre um excelente presente, tendo em conta o preço a que anda o azeite.

Mesmo mudando de terra, a política não ficará esquecida na reforma. “Em Castelo Branco também há política.” E também há Bloco de Esquerda, partido a que se juntou há mais de duas décadas. “Defendem as minorias e as causas justas. Eu ainda acredito na política. Sobretudo porque os partidos mais pequenos ainda não passaram por lá, pelo poder.”

Em campanha, António Fazenda tem as tarefas bem definidas. Falar com o público, entregar panfletos, incentivar ao voto. “E quando criticam, explicar que não é bem assim. Explicar que o Bloco não é um partido radical. Pelo contrário, são mais honestos, falam mais abertamente.” Como companhia tem a mulher, Eureni, que também apoia o projeto de Mariana Mortágua.

Se chegasse ao Parlamento como deputado, um cenário muito improvável dado o seu lugar na lista, António Fazenda gostaria de falar de habitação. A pensar na filha, de 35 anos. “Ajudo-a quando posso.” Este bloquista sabe que, ao contrário da descendente, há muitos jovens que não conseguiram dar esse passo. “Eu próprio, se fosse jovem, era impossível comprar uma casa.”

“O essencial para mim é um trabalho justo, com ordenados justos, e uma casa onde as pessoas possam viver”, resume.

Nos últimos anos, na empresa onde trabalha, diz, a coisa “está a andar para trás”. Há menos cartas para distribuir, sim. Mas o comércio digital, apoiado na facilidade de gastar dinheiro sem sair de casa, trouxe mais encomendas. O problema é “a concorrência a fazer preços mais baratos”, o que dificulta as reivindicações.

“Há mais motivos para andar na luta.” Com os outros partidos, segue a mesma lógica da subcomissão de trabalhadores: “Desconfio sempre, dizem sempre que cedem, mas não fazem nada.”

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