Helton e os craques que Aquiles não derrotou

18 mar 2014, 11:40
Helton lesionado

Lesão do guarda-redes portista é das mais graves no desporto profissional, mas não faltam exemplos de trintões que a superaram

A saída em maca de Helton, aos 61 minutos do Sporting-FC Porto, vai permanecer como um dos momentos marcantes da temporada 2013/14. Porque a visão de um atleta de alta competição a sofrer uma lesão grave é sempre chocante para qualquer adepto de desporto, e porque, além disso, o guarda-redes e capitão do FC Porto beneficia de uma imagem de simpatia e profissionalismo que está para lá de simpatias clubistas. Os aplausos do público em Alvalade foram um sintoma disso mesmo, tal como as mensagens nas redes sociais, de adeptos e companheiros de profissão, como o sportinguista Diego Capel:



A rotura do tendão de Aquiles, mais comum em praticantes de desporto de impacto (corrida, ténis, basquetebol, voleibol ou futebol, entre outros), pode ser total - caso de Helton - ou parcial. Normalmente sucede na zona com menor irrigação de sangue, a cerca de 4 centímetros da ligação ao calcanhar. O guarda-redes do FC Porto pode ter sido traído por uma torção, provocada por irregularidade no terreno, mas não é obrigatório que assim seja: por vezes, a lesão é provocada pela degeneração dos tecidos tendinosos, ou por enfraquecimento muscular.



Excluindo as lesões na coluna vertebral, ou na cabeça, que podem pôr em risco muito mais do que uma carreira, o problema que atingiu Helton está entre os mais temidos pelos desportistas profissionais. Com quase 25 anos de trabalho na recuperação de atletas de alto rendimento, o fisioterapeuta António Gaspar, uma das grandes referências na área, não tem dúvidas em incluí-la no rol das mais delicadas, tanto pela complexidade como pelo tempo de recuperação a que obriga: «Eu diria que as roturas dos ligamentos cruzados anteriores, do tendão rotuliano e do tendão de Aquiles são, em termos gerais, as mais complicadas. As pessoas podem ficar mais impressionadas com fraturas ósseas, por exemplo, mas se estas forem simples, e não implicarem lesões ligamentares, a sua recuperação é menos complexa, respeitando-se o cumprimento das etapas de reabilitação», sublinha.

Mesmo no rescaldo de uma intervenção cirúrgica que
«decorreu bem» o jogador sabe que tem longo período de recuperação pela frente. «É sensivelmente idêntico ao da rotura dos ligamentos cruzados, cerca de seis meses, a que se junta depois o tempo de recuperação desportiva, para lá da situação clínica», diz António Gaspar, que lembra um fator de preocupação acrescido para o guarda-redes do FC Porto: «É uma lesão que interfere muito com os saltos, a capacidade de impulsão. Um posto como o de guarda-redes exige ainda mais cuidado na recuperação, porque implica movimentos em que o tendão é muito solicitado», lembra.



Embora este tipo de lesão seja mais frequente a partir dos 30 anos, António Gaspar lembra que a idade é apenas um dos fatores que podem determinar o seu aparecimento: «Tem muito a ver com a evolução das fibras musculares, mas lembro-me de ter trabalhado com jogadores que tiveram problema idêntico com 20 e poucos anos, como foi o caso do Mawete Júnior, no Benfica», lembra Gaspar, que recorda com agrado a recuperação plena do jogador angolano, depois de ser vítima de uma dupla lesão deste tipo.

Talvez por isso, Gaspar não inclui recuperações de lesões semelhantes como as mais marcantes na sua longa carreira a tratar jogadores de topo: «Se tiver de escolher, a recuperação do
problema de coluna do Delfim é a mais marcante porque, além do atleta, também o homem tinha ameaçada a possibilidade de uma vida normal. Ou então a lesão do Rui Águas em Kiev, em 1991, que foi uma fratura com lesão ligamentar complicada, e teve um impacto visual muito grande.» Pela sua experiência, Gaspar sublinha uma convicção positiva para Helton: «Com os meios atuais de tratamento cirúrgico e recuperação, mesmo sendo guarda-redes, não há razões para pensar que sensivelmente dentro de seis meses ele não possa estar clinicamente apto», diz.


António Gaspar com Nani, em pleno Euro 2012

É verdade que lesões como a de Helton já condicionaram seriamente algumas carreiras, como a de outro capitão do FC Porto, Pedro Emanuel. O atual treinador do Arouca foi obrigado a falhar toda a temporada 2006/07 depois da rotura total sofrida em agosto de 2006, num jogo de pré-temporada em Inglaterra. O central portista tinha então 31 anos, foi operado duas vezes, e ainda jogou mais duas épocas, mas já sem a mesma intensidade. Aliás, em 2010 acabou por ganhar, em tribunal, direito a uma pensão vitalícia da seguradora, devido a uma incapacidade física de 9 por cento.

Mas o historial recente funciona como estímulo positivo para o capitão portista, que no dia 18 de maio completa 36 anos. Outro companheiro das balizas, o bracarense Quim, teve exatamente o mesmo problema no verão de 2010. Aos 35 anos, falhou toda a temporada 2010/11, antes de regressar à baliza do emblema minhoto na época seguinte. Por lá ficou até 2013, período em que se mudou para o Desp. Aves, onde continua a jogar regularmente, com 38 anos.

Do estrangeiro chegam também exemplos recentes, como o de David Beckham, que em 2010, com 35 anos, tal como Helton, precisou de apenas seis meses para voltar a jogar pelo LA Galaxy, depois de sofrer a lesão mais grave da carreira quando estava emprestado ao Milan. Ainda mais encorajadora é a história que vem de Itália: a 28 de abril de 2013, perto de completar 40 anos, o argentino Javier Zanetti, símbolo do Inter, sofreu exatamente a mesma lesão no decorrer de um jogo com o Palermo. Seis meses e meio depois, a 9 de novembro, já respeitável quarentão, estava de volta ao Giuseppe Meazza, para ouvir uma das maiores ovações da carreira.

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