Kathleen Folbigg, a mãe que esteve 20 anos presa pela morte dos quatro filhos, foi perdoada

CNN , Hilary Whiteman
5 jun 2023, 08:15
Em 2003, Kathleen Folbigg foi condenada por três acusações de homicídio e uma de homicídio involuntário. Anita Jones/Fairfax Media/Getty Images

Considerada por muitos a pior assassina em série da Austrália, foi condenada com base em provas circunstanciais, apenas por ser incompreensível que quatro crianças da mesma família morressem em pouco tempo

A mulher que foi denominada a pior assassina em série da Austrália foi perdoada depois de ter cumprido 20 anos de prisão por ter morto os seus quatro filhos, no que pode ser um dos mais graves erros judiciais do país.

O procurador-geral de Nova Gales do Sul, Michael Daley, ordenou a libertação de Kathleen Folbigg, com base nas conclusões preliminares de um inquérito que tinha encontrado "dúvidas razoáveis" quanto à sua culpa nas quatro mortes.

Daley disse em conferência de imprensa nesta segunda-feira que tinha falado com o governador e recomendado um perdão incondicional, que tinha sido concedido, e que ela seria libertada do Centro Correcional de Clarence no mesmo dia.

"Esta foi uma provação terrível para todos os envolvidos e espero que as nossas ações de hoje possam pôr um ponto final neste assunto com 20 anos", disse Daley, que acrescentou ter informado Craig Folbigg, o pai das crianças, da sua decisão. "Será um dia difícil para ele", acrescentou.

Kathleen Folbigg foi presa em 2003 por três acusações de homicídio e uma de homicídio por negligência na sequência da morte dos seus quatro bebés durante uma década, a partir de 1989. Em todos os casos, foi ela quem encontrou os corpos, embora não houvesse provas físicas de que ela tivesse causado as suas mortes.

Em vez disso, o júri baseou-se no argumento da acusação de que as probabilidades de quatro bebés de uma família morrerem de causas naturais antes dos dois anos de idade eram tão incalculáveis que podiam ser comparadas a porcos a voar.

Também foi tido em conta o conteúdo do seu diário, que continha passagens que, na altura, foram interpretadas isoladamente como confissões de culpa.

Já em 2019, um inquérito à condenação tinha concluído que não havia dúvidas razoáveis de que ela tivesse cometido os crimes. Mas um novo inquérito foi aberto no ano passado, depois de terem surgido provas científicas que forneciam uma explicação genética para a morte das crianças.

Nas suas alegações finais, Sophie Callan, a advogada principal que assiste o inquérito, disse que "em todo o corpo de provas antes deste inquérito existe dúvida razoável quanto à culpa da Sra. Folbigg".

Disse ainda, nas alegações finais, que o Ministério Público de Nova Gales do Sul tinha indicado que também estava "aberto a que o inquérito concluísse que existem dúvidas razoáveis quanto à culpabilidade de Folbigg".

Patrick, o segundo filho do casal Folbigg, morreu aos oito meses. Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul/EPA-EFE/Shutterstock

Quando quatro bebés morreram

Folbigg tinha apenas 20 anos quando se casou com Craig Folbigg, que tinha conhecido na sua cidade natal, Newcastle, na costa norte de Nova Gales do Sul.

No espaço de um ano, engravidou de Caleb, que nasceu em fevereiro de 1989 e viveu apenas 19 dias. No ano seguinte, os Folbigg tiveram outro filho, Patrick, que morreu aos oito meses. Dois anos mais tarde, Sarah morreu aos 10 meses. Em 1999, a quarta filha do casal e a que viveu mais tempo, Laura, morreu aos 18 meses.

A investigação policial sobre a morte das quatro crianças começou no dia em que Laura morreu, mas passaram-se mais de dois anos até que Kathleen fosse presa e acusada. Nessa altura, o casamento tinha-se desmonorado e Craig estava a colaborar com a polícia para construir um caso contra a mulher.

Entregou à polícia os seus diários, que, segundo os procuradores, continham os pensamentos mais profundos de uma mãe torturada pela culpa do seu papel na morte dos filhos.

As autópsias aos bebés não encontraram qualquer prova física de que tivessem sido sufocados, mas, sem outra razão plausível para explicar as suas mortes, as suspeitas recaíram sobre Kathleen, a principal cuidadora.

Em 2003, ao condenar Kathleen a 40 anos de prisão, o juiz Graham Barr recordou o seu passado conturbado. O pai de Kathleen tinha matado a sua mãe quando ela tinha apenas 18 meses e ela tinha passado boa parte da vida num lar de acolhimento.

De acordo com os documentos do tribunal, Barr disse que as perspetivas de reabilitação de Kathleen Folbigg eram "insignificantes".

"Ela será sempre um perigo se lhe for dada a responsabilidade de cuidar de uma criança", argumentou. "Isso não deve acontecer."

A morte de Laura Folbigg aos 18 meses desencadeou a investigação policial. Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul/EPA-EFE/Shutterstock

"Uma mãe carinhosa"

A decisão inicial de condenação contrasta agora com o mais recente inquérito, que parece destinado a pintar um quadro muito diferente de Folbigg como uma mãe carinhosa que ficou devastada e confusa com as sucessivas mortes dos seus bebés.

Ao ordenar a sua libertação, Daley distribuiu um memorando com as conclusões do juiz reformado Tom Bathurst, que, depois de analisar as provas, disse ser "incapaz de aceitar (...) a proposição de que a Sra. Folbigg era tudo menos uma mãe carinhosa para os seus filhos".

No caso das duas meninas - Sarah e Laura - Bathurst considerou que havia uma "possibilidade razoável" de uma mutação genética conhecida como CALM2-G114R "e que Sarah pode ter morrido de miocardite, uma inflamação do coração, identificada durante a autópsia.

No caso de Patrick, que teve um ALTE [apparent life-threatening event] inexplicável, um evento com aparente risco de vida, quando tinha qu.atro meses de idade e morreu aos oito meses, Bathurst concluiu que é possível que a sua morte tenha sido causada por uma doença neurogénica subjacente.

Durante o julgamento de Folbigg em 2003, a acusação utilizou provas de "coincidência e tendência" para alegar que Folbigg também tinha matado Caleb. Por outras palavras, tendo sido alegadamente responsável pela morte de três crianças, era provável que ela também o tivesse matado.

No entanto, Bathurst considerou que a dúvida razoável sobre o papel de Folbigg na morte dos irmãos significava que a acusação contra ela pelo assassínio de Caleb "desaparecia".

Kathleen Folbigg à chegada ao Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul, em Sydney, a 19 de maio de 2003. David Gray/Reuters/FILE

Relativamente aos seus diários, Bathurst afirmou que "as provas sugerem que se tratava de escritos de uma mãe enlutada e possivelmente deprimida, que se culpava pela morte de cada um dos filhos, e não de admissões de que os tivesse assassinado ou prejudicado de qualquer outra forma".

Bathurst também manifestou dúvidas sobre as provas apresentadas por Craig Folbigg, que afirmou que a sua mulher era "mal-humorada" com os filhos e que "ralhava com eles de vez em quando".

"O balanço das provas ... (foi) que ela era uma mãe carinhosa e atenciosa", escreveu Bathurst, cujo relatório completo será divulgado mais tarde.

Longo caminho legal pela frente

O caso de Folbigg foi comparado ao de Lindy Chamberlain, que jurou que um dingo [cão selvagem] levou o seu bebé Azaria de um parque de campismo em Uluru, em 1980.

O caso dividiu a opinião pública e Chamberlain foi presa antes de surgirem provas de que estava a dizer a verdade.

Em 1986, o casaco de Azaria foi encontrado meio enterrado na terra, o que levou as autoridades a libertar Chamberlain, mais tarde conhecida como Chamberlain-Creighton. Dois anos mais tarde, um tribunal anulou a sua condenação e, em 2012, um médico legista determinou que um dingo era de facto o culpado pela morte de Azaria.

Tal como Chamberlain-Creighton, a libertação de Folbigg da prisão pode ser o início de um longo processo para limpar o seu nome.

Daley disse aos jornalistas na segunda-feira que o perdão de Folbigg significava apenas que ela não tinha de cumprir o resto da sua pena e que caberia ao Tribunal de Recurso Criminal anular as suas condenações.

Disse ainda que era demasiado cedo para falar de indemnizações, uma vez que isso exigiria que Folbigg iniciasse um processo civil contra o governo de Nova Gales de Sul, ou que se dirigisse a este último para obter uma compensação.

Daley reconheceu que, após 20 anos a acreditar na culpa de Folbigg, algumas pessoas poderão não aceitar a sua inocência.

"Haverá pessoas com opiniões fortes. Não há nada que eu possa fazer para as destituir dessas opiniões, (e) não é meu papel fazê-lo", afirmou.

Mas sugeriu que os acontecimentos das últimas duas décadas deveriam suscitar alguma compaixão por uma mulher que perdeu tanto.

"Temos quatro pequenos bebés que morreram. Temos um marido e uma mulher que se perderam um ao outro. Uma mulher que passou 20 anos na prisão e uma família que nunca teve uma oportunidade. Não seríamos humanos se não sentíssemos alguma coisa."

Relacionados

Mundo

Mais Mundo

Patrocinados