"Censura" ou "boa manutenção do espaço público"? "Se o cartaz em Algés tivesse uma mensagem positiva em relação ao Papa, não teria sido retirado"

4 ago 2023, 07:00
Cartaz JMJ (D.R.)

Câmara de Oeiras retirou cartaz sobre abusos sexuais por estar afixado numa estrutura sem licenciamento. Mas a estrutura está naquele local desde agosto de 2022 e a autarquia está a ser acusada de "censura"

A Câmara Municipal de Oeiras está a ser acusada de violar a liberdade de expressão e de censura depois de ter retirado um cartaz de protesto contra os abusos sexuais na Igreja Católica, instalado esta terça-feira em Algés, um dos concelhos que acolhe eventos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

"Mais de 4.800 crianças abusadas pela Igreja Católica em Portugal". Era esta a mensagem que se podia ler no cartaz, escrita em inglês, para "dar voz às vítimas" dos abusos sexuais da Igreja Católica portuguesa, como justificou o grupo promotor da iniciativa. Ao lado da mensagem, contavam-se 4.815 pontos vermelhos, um por cada vítima, de acordo com a investigação da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.

No dia seguinte, os promotores da iniciativa foram surpreendidos ao ver que, no lugar do cartaz, estava uma mancha negra. O cartaz foi retirado a mando da Câmara Municipal de Oeiras, que classificou o outdoor como "publicidade ilegal".

"A atuação da câmara foi de tal forma célere que tem todas as características de uma censura", argumenta a advogada Iolanda Rodrigues de Brito, contactada pela CNN Portugal.

É que o cartaz "não é sequer publicidade, é uma denúncia que assenta em factos verdadeiros", vinca a advogada, especialista em liberdade de expressão.

E foi precisamente isso que uma das promotoras da iniciativa denunciou, numa publicação na rede social X (ex-Twitter), na qual escreveu que o movimento estava a ser alvo de "censura".

Numa resposta escrita enviada à CNN Portugal, o grupo disse não ter sido informado da decisão por "qualquer canal oficial do município em questão".

Esta quinta-feira, todavia, o vice-presidente da Câmara Municipal de Oeiras esclareceu que "o que está em causa não é a mensagem no cartaz", mas sim o facto de a mesma estar afixada "numa estrutura publicitária que não está legalizada".

"O município de Oeiras zela pela boa manutenção do espaço público. O que se passa é que aquela estrutura não estava legalizada. Há poucos meses não tínhamos espaço no depósito do município para retirar os cartazes ilegais ou as estruturas ilegais que estão no concelho. Para podermos retirar, tivemos de retirar a lona. Esta questão é de legalidade, não é de moral", insistiu Francisco Gonçalves, em declarações à CNN Portugal.

Tanto assim é que a Câmara Municipal de Oeiras se disponibilizou para oferecer uma estrutura publicitária aos promotores da iniciativa para que coloquem "hoje mesmo" a respetiva lona, que garante estar intacta. "Tem é de estar legal", reforçou.

Apesar das justificações da autarquia, o advogado Francisco Teixeira da Mota diz não ter dúvidas de que este é "um problema do conteúdo, não de licenciamento" da estrutura, lembrando que a mesma já lá estava antes da instalação do cartaz. Com efeito, e como é possível verificar numa pesquisa no Google Maps, a estrutura já está naquele local pelo menos desde agosto de 2022.

Câmara de Oeiras retirou cartaz sobre abusos sexuais por estar afixado numa estrutura sem licenciamento. Mas a estrutura está naquele local desde agosto de 2022 (Imagem: Google Maps)

"Não tenho a menor dúvida: se o cartaz tivesse uma mensagem positiva em relação ao Papa, seguramente não teria sido retirado", argumenta o advogado, em declarações à CNN Portugal.

Uma opinião partilhada pelo presidente da Associação Ateísta Portuguesa, que diz discordar da justificação apresentada pela autarquia "porque a estrutura dos outdoors já lá se encontrava há muito tempo e lá continua". "Portanto, o problema nunca foi a estrutura ou a sua legalidade, mas a mensagem contida no cartaz", argumenta João Lourenço Monteiro.

"Consideramos que tal ação fere o princípio constitucional de manifestação e de livre expressão e que, por tal, é não só um ato de censura como também um ato de subserviência do seu executivo à Igreja Católica", acrescenta o responsável, citado em comunicado.

O advogado Rogério Alves considera, por sua vez, que as justificações apresentadas pela autarquia são "sustentáveis". Apesar de compreender as críticas que têm sido apontadas à atuação da Câmara de Oeiras, desde logo pela pertinência da retirada do cartaz, o advogado considera que a mesma teve "uma atitude correta ao impedir a utilização de uma estrutura que não estava legal".

Entretanto, em comunicado enviado às redações, os promotores do grupo dizem ter tido conhecimento da proposta da autarquia através dos órgãos de comunicação social, julgando "oportuno" dialogar com a Câmara Municipal de Oeiras, sem esquecer o objetivo principal da iniciativa: "dar voz às vítimas e quebrar o silêncio das instituições."

"O importante é passar a mensagem, repondo o cartaz com a maior celeridade possível", salienta-se no comunicado.

Na quinta-feira à noite, a Câmara de Oeiras repôs o cartaz em Algés, tal como tinha sido prometido aos promotores da iniciativa.

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