"Publicidade ilegal". Oeiras justifica retirada de cartaz que denunciava abusos sexuais na Igreja

Agência Lusa , AG
2 ago 2023, 16:55
Cartaz em Oeiras (Twitter)

Cartaz lembrava as mais de 4.800 vítimas que foram abusadas, de acordo com o relatório que investigou a situação em Portugal

Um dos três cartazes em que se denunciam os abusos sexuais a crianças na Igreja portuguesa, colocado em Algés, foi retirado por ordem da Câmara Municipal de Oeiras por ser “publicidade ilegal”.

"No Município de Oeiras toda a publicidade ilegal é retirada, neste e em todos os casos", justificou a autarquia, em resposta à agência Lusa.

Os cartazes em causa, em que se lê a frase "Mais de 4.800 crianças abusadas pela Igreja católica em Portugal", em inglês, ilustrada por 4.800 pontos que representam cada uma das vítimas, foram colocados hoje de madrugada em Lisboa, Loures e Algés.

Ao início da tarde, uma das promotoras, Telma Tavares, denunciou que o cartaz colocado em Algés teria sido retirado pela Polícia Municipal. “Censura em Algés, após quase 50 anos do 25 de abril”, escreveu na rede social X (ex-Twitter).

“Luto pela liberdade de expressão das +4800 vítimas, por um memorial que erguemos para que ninguém se esqueça delas. Não esquecemos”, acrescenta.

A organização responsável pela colocação dos cartazes que chamavam a atenção para os abusos sexuais cometidos no seio da Igreja Católica repudia a “decisão ilegal e autoritária” da Câmara Municipal de Oeiras, depois de a autarquia ter mandado retirar um dos cartazes colocados.

A “This Is Our Memorial” lembra que se trata de uma mensagem de cariz político, e não de publicidade, como justificou a câmara.

“A retirada do cartaz viola injustificamente o direito à liberdade de expressão. O cartaz não colocou minimamente em causa a realização da JMJ, nem tem um cariz ofensivo”, acrescenta o comunicado, que defende o “direito de expor o cartaz”.

A organização promete, assim, lutar pelo direito de exibir a mensagem, que também se encontra noutros pontos do distrito de Lisboa, como a Alameda Afonso Henriques.

Iniciativa nascida nas redes sociais

A ideia deste movimento "This Is Our Memorial" (Este é o nosso memorial) nasceu no Twitter e os promotores fizeram uma recolha de fundos que permitiu a colocação dos cartazes.

A iniciativa de um grupo de pessoas surgiu nas redes sociais antes da JMJ.

O último ano e meio na Igreja portuguesa foi marcado pelas suspeitas de casos de abuso que saltaram para o domínio público e que deram origem a uma comissão independente para estudar esses abusos.

Em novembro de 2021, mais de duas centenas de católicos defenderam que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) deveria "tomar a iniciativa de organizar uma investigação independente sobre os crimes de abuso sexual na Igreja".

O documento, assinado por figuras como a escritora Alice Vieira, o deputado José Manuel Pureza, o jornalista Jorge Wemans ou o ex-presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca, era perentório: "Se queremos manter um diálogo com a sociedade a que pertencemos e que servimos, não existe alternativa!".

Poucos dias depois, o pedopsiquiatra Pedro Strecht era nomeado pela CEP como coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja.

Esta comissão iniciou o seu trabalho no dia 11 de janeiro de 2022, apresentou resultados em fevereiro deste ano e anunciou a validação de 512 testemunhos de alegados casos de abuso em Portugal, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.815 vítimas.

Os testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão.

No relatório, a comissão alertou que os dados recolhidos nos arquivos eclesiásticos sobre a incidência dos abusos sexuais "devem ser entendidos como a 'ponta do iceberg'" deste fenómeno.

Na sequência destes resultados, algumas dioceses afastaram cautelarmente sacerdotes do ministério.

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