"Fui à pressa para a salvar". Mãe de Jéssica diz que foi ameaçada por causa de dívidas do pai da criança

Ana Botto , artigo atualizado às 15:41
5 jul 2023, 12:06
Tinha três anos, foi torturada durante cinco dias e morreu: a linha temporal da morte de Jéssica

Inês Sanches entrou em contradição e deixou algumas perguntas sem resposta

A mãe de Jéssica, Inês Sanches, diz que foi ameaçada pelos outros acusados no julgamento, por causa de dívidas de droga do pai da menina, com quem já não estava desde 2021, e por causa da dívida contraída quando pediu para fazerem um "bruxedo". Esta terá sido a razão para deixar lá a criança com eles. “Diziam-me que tinha de pagar”, revelou em tribunal, acrescentando que lhe disseram que matavam a família e os outros filhos.

“Tive medo”, apontou Inês Sanches, quando confrontada com o facto de não ter denunciado o que se estava a passar às autoridades.

Apesar das ameaças, a mãe de Jéssica diz que não teve receio de entregar a filha, porque lhe disseram que seria “para brincar com a Esmeraldinha”.

Inês Sanches diz que não conhecia a família Montes: “Conhecia de vista. Nunca entrei na sua casa. Só entrei na véspera da menina morrer. Disseram-me que a menina tinha caído e que tinham de ir à farmácia. Vi, ao longe, a menina embrulhada numa manta com a Tita (Ana Pinto). Chegaram dois tipos para comprar droga e meteram-me fora de casa. Não cheguei perto da menina. Disseram-me que estava a dormir."

A mãe de Jéssica diz que foi à residência da família Montes, porque “pediram 40 euros”, que seria para “comprar Betadine”. Segundo Inês Sanches, na mesma chamada, pediram-lhe dinheiro e foi informada que a filha tinha caído e que estava a enrolar a língua.

“Fui à pressa para a salvar”, garante. Ainda assim, Inês Sanches acabou por sair da casa da família Montes sem a menina, depois de ser expulsa por Justo Montes. Em seguida, foi para casa e ficou “no sofá a ver televisão”, sem falar com ninguém sobre o que se passava.

Nessa altura, houve uma série de telefonemas, mas Inês Sanches diz que muitos foram chamadas não atendidas, uma vez que teve de baixar o som do telemóvel, para o namorado Paulo não perceber.

Porque é que não levou Jéssica ao hospital? “Não me passou pela cabeça”

“Deitei a menina na cama, com a roupa, o chapéu e fui fazer o almoço”, conta a mãe de Jéssica, sem conseguir explicar de forma clara porque não viu logo as lesões.

“Não me passou pela cabeça”, responde, quando a questionam sobre não ter levado a criança ao hospital.

A mulher diz que não viu hematomas, mas que depois reparou que a filha tinha “peladas”. No entanto, não explica porque não tirou o chapéu à menina, quando a deitou.

Inês Sanches admite que existiram duas dívidas, “a primeira da droga e a outra do bruxedo”. A mãe de Jéssica revela que não pagou os 250 euros que lhe pediram por “uma amarração” - algo que pediu porque se encontrava “numa situação complicada” com o namorado.

Jéssica ficou com a família Montes "para garantir o pagamento"

Na altura em que recebeu o saquinho com as ervas, Jéssica ficou logo com a família Montes. “Era para garantir o pagamento”, explica Inês Sanches.

“Paguei a dívida com o abono da Jéssica, que eram 200 euros”, conta, mas ficaram a faltar 50.

A mulher não conseguiu explicar porque procurou aquela família, apesar de já ter sido ameaçada. Inês Sanches revelou ter medo, mas acabou por dizer, nesta fase do depoimento, que não levou as ameaças a sério.

No regresso da pausa para o almoço, Inês Sanches recusou continuar a depor, revelando depois de falar com a advogada que não queria fazê-lo à frente dos outros arguidos Tita (Ana Pinto), Justo Montes e Esmeralda Montes. A audição da mãe de Jéssica prosseguiu após retirarem a família Montes da sala.

Depois de saber que a filha tinha caído e enrolado a língua, Inês Sanches garante que não viu a menina, porque Justo Montes não o permitiu. Conta que nessa noite foi "até ao karaoke" e recebeu uma chamada de Tita (Ana Pinto).

Confrontada com o facto de ter tirado fotografias às lesões da menina e não ter feito nada, Inês Sanches diz que "tinha medo que fossem ao hospital ou à segurança social" e que lhe "tirassem a menina".

"Se vem colaborar com o tribunal, mas a cada minuto diz uma coisa, só atrapalha"

Os montantes das dívidas em causa geraram alguma confusão e a forma como conheceu a família Montes também. Inês Sanches diz que conheceu os outros arguidos através do pai de Jéssica, mas a avó paterna grita que "é mentira".

Perante as discrepâncias nos valores em dívida e respetivos pagamentos - de manhã, disse que o total em dívida seria de 250 euros da bruxaria mais 500 da droga (100 mais juros); à tarde, apontou que eram 250 e que a dívida foi feita pelo pai de Jéssica -, foi chamada à atenção pelo juiz: "Se vem colaborar com o tribunal, mas a cada minuto diz uma coisa, só atrapalha, não ajuda."

Inês Sanches não conseguiu explicar porque não contou ao pai de Jéssica que foi obrigada a entregar a filha. Primeiro, apontou que terá sido porque não lhe contou sobre a dívida, depois mudou de versão: "Não sei, estou arrependida."

A arguida foi confrontada com as suas contradições e houve muitas perguntas que não soube responder.

Jéssica morreu em junho do ano passado em Setúbal. A mãe, Inês Sanches, está acusada dos crimes de homicídio qualificado e ofensas à integridade física qualificada, por omissão.

São também arguidos neste processo Tita (Ana Pinto), Justo Montes e Esmeralda Montes.

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