Israel acusado de usar fósforo branco produzido pelos EUA no Líbano. Administração Biden "está preocupada" e vai investigar ataque

12 dez 2023, 12:31
Fósforo branco Israel Líbano (AP)

Grupo que monitoriza zonas de guerra diz que Israel já usou munições de fósforo branco mais de 60 vezes nos últimos dois meses, desde o início da ofensiva contra o Hamas na Faixa de Gaza e contra o Hezbollah no Líbano. Investigação do Washington Post indica que as armas incendiárias, cujo uso está limitado por convenções internacionais, foram produzidas em território norte-americano

Israel terá usado munições de fósforo branco fornecidas pelos Estados Unidos da América num ataque no sul do Líbano em outubro, que resultou em pelo menos nove feridos, todos civis, três deles hospitalizados. A informação foi avançada na segunda-feira em exclusivo pelo Washington Post, que diz ter analisado os estilhaços das munições na pequena vila de Dheira, na fronteira com o Estado hebraico.

Um jornalista que trabalha para o diário norte-americano encontrou resquícios de três munições de artilharia de 155 milímetros, que de acordo com residentes locais incendiaram pelo menos quatro casas nesse ataque. A par disso, os códigos do lote desses cartuchos correspondem aos de munições produzidas em depósitos do Luisiana, em 1989, e do Arkansas, em 1992, indicando que pertencem aos pacotes de armamento de milhares de milhões de dólares que os EUA fornecem todos os anos ao aliado e que estão a ser usados na guerra contra o Hamas e grupos que o apoiam no Médio Oriente.

De acordo com especialistas em armamento, a cor verde clara e outras marcas nas munições encontradas em Dheira indicam que se tratam de munições de fósforo branco, componente de bombas incendiárias que não podem ser usadas contra civis sob um protocolo da convenção sobre armas convencionais assinada em 1980, em Genebra.

Sob esse protocolo, "está proibido, sob qualquer circunstância, atacar com armas incendiárias a população civil ou bens de caráter civil". Contudo, o uso de munições de fósforo branco está autorizado em ataques a militares e como forma de sinalização - criando uma espessa cortina de fumo branco no céu, permite esconder os movimentos de tropas, iluminar o campo de batalha ou incendiar infraestruturas. Contudo, quando exposto a oxigénio e se entrar em contacto com a pele, queima lentamente a vítima até aos ossos, com temperaturas que podem atingir os 1.500 graus Celsius, e não pode ser apagado com água. Os químicos que persistem no organismo das vítimas muitas vezes causam danos nos órgãos internos.

Imagens e vídeos verificados pela Amnistia Internacional e pela Human Rights Watch (HRW) e analisados pelo Washington Post mostram as características fitas brancas de fumo do fósforo branco a cair do céu sobre Dheira num ataque israelita em 16 de outubro. A vila com cerca de 2 mil residentes tornou-se num dos principais focos de combates no contexto da guerra de Israel contra elementos do Hezbollah.

Desde o início da ofensiva israelita na Faixa de Gaza, na sequência dos ataques de 7 de outubro que vitimaram cerca de 1.200 pessoas em Israel, pelo menos 94 pessoas já morreram do lado libanês da fronteira, 82 deles militantes do Hezbollah, a par de 11 israelitas do outro lado, na sua maioria soldados. Na Faixa de Gaza, o balanço de vítimas na ofensiva israelita salda-se já em 18.200 pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, segundo as autoridades locais.

Na sequência da notícia do Washington Post, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, disse, na segunda-feira, que a administração Biden está "preocupada" com o uso de fósforo branco pelos israelitas e que vai "colocar questões para tentar saber um pouco mais" sobre o caso. "Sempre que fornecemos coisas como fósforo branco a outro exército, é com a total expectativa de que vá ser usado para objetivos legítimos e em cumprimento das leis sobre conflito armado", acrescentou.

Os EUA têm a obrigação de monitorizar as ações dos seus parceiros e aliados que recebem assistência militar, indicam especialistas em direito humanitário citados pelo jornal, já que o uso indevido de fósforo branco pode corresponder a crimes de guerra. "O facto de que fósforo branco produzido pelos EUA está a ser usado por Israel no sul do Líbano deve gerar grande preocupação entre as autoridades norte-americanas", diz Tirana Hassan, diretora executiva da HRW. "[O Congresso] deve levar a sério estes relatos do uso de fósforo branco por Israel, sério o suficiente para reavaliar a ajuda militar a Israel."

A HRW já tinha documentado o uso de fósforo branco por Israel em munições produzidas pelos EUA em 2009, na ofensiva de 22 dias que lançou em Gaza, em violação da lei internacional. Pelo menos um dos cartuchos encontrados pelo Washington Post em Dheira pertence ao mesmo lote de fósforo branco usado em 2009 pelos hebraicos, como indicam os códigos de produção.

Em 2013, as forças militares israelitas comprometeram-se a parar de usar fósforo branco em batalhas, prometendo fazer a transição desse tipo de armas para munições de fumo à base de gás. Segundo dados do ACLED, grupo que monitoriza zonas de guerra, citados pelo Washington Post, Israel já usou munições de fósforo branco mais de 60 vezes nos últimos dois meses, no contexto da guerra contra o Hamas em Gaza e contra o Hezbollah no Líbano. A 2 de dezembro, o primeiro-ministro libanês, Najib Mikati, disse que tal já resultou "na morte de civis e provocou danos irreversíveis em mais de cinco milhões de metros quadrados de floresta e campos de cultivo, para além de danos em milhares de oliveiras".

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