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Diretor de contas da consultora de comunicação AMP

A inteligência artificial iguala a proximidade das campanhas eleitorais?

16 jun 2023, 17:25

Muitas estruturas de campanha eleitoral por este mundo fora, e em breve também em Portugal, estão a socorrer-se do Chat GPT para pensar os seus conteúdos eleitorais, definir mensagens-chave e até a sua estratégia para vencer as próximas eleições.

Para aqueles que se contorcem, serei claro, a inteligência artificial (IA) veio para ficar e será uma ferramenta útil para pensar, criar e ajudar a desenhar estratégias políticas. Quem não se socorrer dela, perderá tempo precioso que simplesmente não tem. Acredito também que o seu impacto será enorme na aceleração de processos criativos e motivará uma abordagem objetiva a médio longo prazo.

O seu impacto e as questões que suscitará à comunicação política são complexas e de grande importância. A primeira é a mais imediata. E o que acontece aos eleitores e candidatos?

Há cerca de 10 anos conheci um candidato a uma Câmara em Cabo Verde que me pediu ajuda para a sua campanha. À partida não era uma tarefa fácil. O candidato sucedia a um mandato de mais de uma década de um Presidente popular e ele tinha tido como experiência política cerca de três anos no pelouro do saneamento básico.

Já o seu adversário era um ex-ministro das Finanças, ex-embaixador em Lisboa, um candidato com currículo invejável e pertencente ao partido do poder. Um peso pesado.

O grande momento da campanha seria um debate na rádio local. Seria ouvido por grande parte da população da zona e, como era também um dos primeiros debates de toda a campanha eleitoral, era também foco de interesse nacional.

A pressão era enorme. No dia do debate a diferença era clara: o nosso adversário era um homem confiante, com uma postura assertiva, falou de temas de relevância nacional e internacional, falou de si e do seu percurso, da sua extensa experiência política e dos seus objetivos para a região, anunciou grandes planos e projetos, apresentou um futuro de sonho.

O “meu” candidato sentiu-se tentado a “igualar a aposta” com promessas iguais. Acontece que sabíamos que a população estava preocupada com outras coisas e eu tinha-o visto na rua, no “porta-à-porta” de campanha, a dirigir-se às pessoas pelo seu nome. Pessoas que visitava regularmente e de quem conhecia os filhos e/ou os netos. O seu currículo era uma migalha ao lado do do adversário, mas algures em tudo isto residia a sua força.

Quando se aproximou do microfone disse que se chamava José, que raramente tinha saído dali, mas que se quisessem saber quem ele era bastava perguntar ao Tio Tuka, à Nha Flor, à Nha Maria e a tantos outros que o conheciam bem. O que o preocupava era que tivessem eletricidade, água corrente, e uma escola mais próxima para filhos e netos. Não tinha sonhos para oferecer, não tinha grandes investimentos pensados, nem futuros grandiosos, mas queria garantir que a eletricidade não ia abaixo todos os dias e, por fim, confessou que iria precisar de ajuda porque sozinho não conseguia resolver estes problemas.

O José ganhou as eleições nesse dia, na primeira semana de campanha. Fez três mandatos e ainda hoje sinto um enorme orgulho de ter tido a possibilidade de ajudar um candidato que escolheu falar sem medo de perder, de forma direta, honesta e franca. Humano e falho, mas com a determinação em ser verdadeiro.

Pergunto-me se não estarei sozinho, se a IA ditará a morte política do “José”, a quem o desapego ao poder e ao resultado confere uma honestidade de intenções e uma coragem férrea tão raras e valiosas? Não sei. Espero que não. Espero que a IA seja como a rádio foi naquele dia, um instrumento fundamental que ajudou um desconhecido a vencer um gigante político.

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