O mosquito é um dos animais mais mortíferos do mundo. Mas não devemos extingui-los todos

CNN , Ritu Prasad
23 set 2023, 12:00
Mosquitos. Olivier Morin/AFP/Getty Image/FILE

E talvez não precisemos de mosquitos transmissores de doenças nos nossos ecossistemas

Os insetos picam-nos desde os nossos primórdios. E com estas picadas surgiram uma imensidão de doenças provocadas por vírus e parasitas à boleia, desde a malária ao vírus do Nilo Ocidental, zika, dengue e muitos outros.

Os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA apelidaram os mosquitos como os animais mais mortíferos do mundo, responsáveis por centenas de milhares de mortes por ano em todo o mundo. Se juntarmos a isto o aquecimento do planeta, graças às alterações climáticas, o problema pode agravar-se.

Temos alguns problemas com estes pequenos coabitantes sedentos de sangue e pode parecer que livrarmo-nos deles por completo eliminaria uma fonte de irritação, para não falar em salvar vidas.

Mas será que podíamos simplesmente livrar-nos de todos eles? Perguntámos aos especialistas.

Alguns mosquitos são, na verdade, úteis

O primeiro problema a ser aqui abordado é a palavra "todos". Existem mais de 3.000 espécies de mosquitos identificadas em todo o mundo.

"E cada um desses mosquitos é muito diferente no que diz respeito à sua ecologia, aos locais onde existem, se picam pessoas, rãs ou pássaros", observa Kristen Healy, professora assistente no Departamento de Entomologia da Universidade do Estado do Luisiana, nos EUA. "Por isso, todo o seu ciclo ecológico é muito diferente, dependendo dos mosquitos de que estamos a falar."

Dada esta diversidade, há muitos ciclos ecológicos - por outras palavras, as relações entre as espécies e o seu ambiente - a considerar.

Healy, que também é presidente da Associação Americana de Controlo de Mosquitos, deu como exemplo o Luisiana, que tem muitos pântanos onde os mosquitos se desenvolvem. "Esses mosquitos podem servir um excelente propósito na ecologia dos ciclos de vida dos pântanos, alimentando peixes e outros pequenos invertebrados no sistema aquático. E talvez haja outros pequenos animais que se possam alimentar dos adultos (mosquitos)."

Outros podem desempenhar papéis semelhantes nos seus habitats naturais, pelo que a erradicação total poderia ter alguns efeitos adversos. Além disso, os especialistas afirmam que é improvável que consigamos eliminar totalmente todos os mosquitos, dada a sua população maciça (centenas de milhares de milhões) e generalizada.

Mas não temos necessariamente de nos livrar de todos eles.

Acontece que as espécies com as quais estamos mais familiarizados - as que causam todas aquelas comichões e borbulhas vermelhas, bem como as doenças mais notórias - são em número reduzido.

E como diz Laura Harrington, professora de entomologia na Cornell University: "A eliminação de todos os mosquitos teria provavelmente um impacto na cadeia alimentar, enquanto a eliminação de apenas uma ou duas espécies não teria, provavelmente, qualquer impacto."

OK, então qual é o problema?

Os géneros Aedes, Anopheles e Culex, para ser exato. Cada um deles pode transmitir vários vírus ou parasitas. O Anopheles transmite a malária, o Culex transmite o vírus do Nilo Ocidental e o género Aedes inclui mosquitos que podem transmitir a febre amarela, a chikungunya, a dengue e o zika, entre outros.

E talvez não precisemos deles nos nossos ecossistemas.

"As espécies de mosquitos transmissores de doenças, como o Aedes aegypti e o Aedes albopictus, são espécies invasoras em muitas partes do mundo. Vivíamos bem sem eles", disse à CNN John Marshall, professor de bioestatística e epidemiologia na Universidade da Califórnia, em Berkeley.

"Existem milhares de espécies de mosquitos, das quais apenas algumas transmitem agentes patogénicos humanos, pelo que, se as espécies transmissoras de doenças fossem eliminadas, as espécies não transmissoras de doenças estariam disponíveis para ocupar os seus nichos ecológicos."

Marshall acrescentou: "Os mosquitos transmissores de doenças foram eliminados de muitas partes do mundo ao longo da história, pelo que a eliminação local é certamente possível."

Healy observou que estas espécies também têm "uma relação muito próxima" com os vírus ou parasitas que transportam. Isto significa que, embora as espécies irmãs possam teoricamente sofrer mutações e tornarem-se capazes de transmitir as mesmas doenças, é improvável que espécies completamente não relacionadas se tornem subitamente portadoras se eliminarmos as espécies que representam um problema.

Observando especificamente os EUA, os mosquitos Culex – um mosquito doméstico comum - são um grande alvo dos esforços de controlo. Estes mosquitos preferem alimentar-se de aves, através das quais apanham o vírus do Nilo Ocidental, e os seres humanos são "hospedeiros acidentais", disse Healy. Mas, tal como as larvas e as pupas, estes mosquitos adoram viver em ambientes muito poluídos, como águas sépticas, lagoas de retenção e detenção, ou em qualquer local com escoamento de esgotos.

O outro tipo de mosquito alvo nos EUA é o que vive no seu quintal, como o mosquito tigre asiático (do género Aedes). No início do seu ciclo de vida, "vivem em recipientes no quintal, como pneus, regadores e banheiras para pássaros".

Uma fêmea adulta do mosquito Anopheles pica um ser humano. Soumyabrata Roy/NurPhoto/Getty Images/FILE

É importante destacar que esses ecossistemas não têm muitas outras espécies que possam ser afetadas, pelo que a eliminação dessas espécies específicas de mosquitos não perturbaria o equilíbrio natural, garantiu Healy.

Quanto aos mosquitos Anopheles, que transmitem a malária, as coisas são um pouco diferentes. Eles preferem os pântanos, um ecossistema muito mais diversificado.

"Se se pretendesse atingir a larva dessa espécie, seria necessário pensar nos tipos de produtos que se utilizariam nesses ambientes", apontou.

Mas embora alguns casos recentes de malária tenham sido notícia, ainda é uma doença rara nos EUA.

O que estamos a tentar fazer?

Longe vão os tempos dos produtos químicos com efeitos indesejados no ecossistema - as estratégias de controlo estão a tornar-se cada vez mais especializadas, dizem os especialistas.

Por exemplo, foi alcançado algum sucesso com a Wolbachia (uma infeção bacteriana dos mosquitos) como ferramenta para "esterilizar" o mosquito Aedes aegypti (um dos principais vetores dos vírus da dengue, zika e febre amarela)", indicou Harrington.

A Wolbachia, por exemplo, tem sido utilizada para esterilizar mosquitos machos. A bactéria também não permite que os vírus que causam zika, dengue, febre amarela e chikungunya se repliquem no interior do mosquito Aedes aegypti.

A alteração genética tem vindo a possibilitar estratégias promissoras, incluindo formas adicionais de tornar estéreis as populações de mosquitos. Outras abordagens incluem o uso de opções não químicas para eliminar os mosquitos imaturos - como a introdução de peixes para comer as larvas -, colocar armadilhas de açúcar e utilizar drones para encontrar água estagnada para remoção.

Mas não podemos dizer que a guerra está ganha.

"Tem sido desafiante", afirmou Harrington. "Os mosquitos têm ciclos geracionais curtos, podem sofrer mutações, adaptar-se rapidamente em resposta a algumas estratégias. Além disso, ainda há muito que não sabemos sobre a sua biologia e comportamento básicos, o que é fundamental para desenvolver meios eficazes de os eliminar."

Um mosquito Aedes pousa num braço. Stefan Sauer/picture alliance/Getty Images/FILE

Acrescentou ainda que "é necessário fazer muita pesquisa para desenvolver e avaliar ferramentas que sejam acessíveis e aceitáveis, especialmente para as pessoas que vivem em locais com poucos recursos e que sofrem com uma maior carga de doenças".

A educação sobre o controlo dos mosquitos também é fundamental – o uso incorreto de sprays, por exemplo, pode prejudicar outros insetos, como as abelhas. "Mas, felizmente, estas aplicações incorretas não são a norma", sublinhou Healy, que conduziu pesquisas sobre estas práticas em colaboração com a indústria apícola.

"Há mais de um século que temos um controlo organizado dos mosquitos. E a nossa investigação com o laboratório de abelhas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) continua a sublinhar que há fatores de stress mais importantes para a saúde das abelhas. Estamos constantemente a formar os trabalhadores do controlo de mosquitos para que sigam estas práticas. E quando seguidas, não antecipamos danos para estes insetos."

O que é que podemos fazer agora?

É possível eliminar os mosquitos mais problemáticos que nos afetam? É. Mas vai levar tempo.

Para já, eis o que os especialistas recomendam para se manter seguro:

  • Consulte o site do seu departamento de saúde local ou da DGS sobre a saúde dos viajantes, para se manter a par dos riscos transmitidos pelos mosquitos
  • Utilize repelentes registados pelo regulador;
  • Quando estiver ao ar livre, use roupas leves e largas; mangas e calças compridas, se possível;
  • Certifique-se de que as suas portas e janelas estão bem vedadas para evitar que os mosquitos entrem através de fendas ou rachas;
  • Quando visitar áreas com mosquitos transmissores de doenças, invista numa rede mosquiteira;
  • Verifique uma vez por semana se há água parada no seu quintal; esvazie os baldes ou caixotes do lixo depois de chover ou regar.
     

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