Cheques, transportes mais baratos ou aumento do salário mínimo. Como outros países estão a ajudar as famílias prejudicadas pelo aumento do custo de vida

22 set 2022, 22:00
Inflação, preços, economia, compras, mercearia. Foto: Armando Franca/AP

Países europeus estão a gastar milhares de milhões de euros para ajudarem as famílias a fazerem face ao aumento dos custos. Mas fazem-no de formas diferentes

O primeiro-ministro apresentou no início deste mês um pacote com oito medidas que se destina a combater a inflação e a ajudar as famílias face ao aumento do custo de vida. Entre apoios a pensionistas e medidas de redução das tarifas energéticas, o programa do Governo foi avaliado em 2,4 mil milhões de euros, subindo assim para 4 mil milhões de euros o total de ajuda dada pelo Estado após a crise surgida na sequência da guerra na Ucrânia. Uns antes e outros depois, muitos países já apresentaram pacotes no mesmo sentido. O que se fez lá fora para ajudar as famílias?

A Alemanha tem sido um dos países mais afetados, sendo um dos Estados mais dependentes do gás natural que chegava com frequência da Rússia, de tal forma que acordou mesmo a construção de um segundo gasoduto, o Nord Stream 2, cuja construção foi suspensa por causa do conflito. No início de setembro, a Rússia anunciou que também iria começar a suspender o fornecimento de gás pelo Nord Stream 1, o que acabou por levar o chanceler alemão a anunciar novas medidas de combate à subida de preços, nomeadamente na energia, num país que é altamente dependente dos combustíveis fósseis no período de inverno.

O novo pacote, avaliado em 65 mil milhões de euros, junta-se a outros 30 mil milhões de euros anteriormente aprovados para ajuda às famílias, e inclui medidas que vão desde a taxação de lucros extraordinários à diminuição do custo dos transportes:

  • Cheque único de 300 euros a todas as pessoas que estejam empregadas (estudantes e pensionistas já tinham recebido ajuda anteriormente para custos energéticos);
  • Diminuição da contribuição para a segurança social para todos os que recebam menos de dois mil euros por mês;
  • Cheque único de 100 euros por cada criança;
  • Taxar lucros extraordinários de empresas de energia (dependente de aprovação da União Europeia);
  • Eliminação na sobretaxa no preço da eletricidade destinada a financiar as energias renováveis;
  • 1,5 mil milhões de euros para ajudar com os custos de transportes nacionais e regionais, incluindo a continuação da aplicação de preços máximos para os bilhetes de transportes públicos – até agosto esse preço era de nove euros, mas agora deve subir (cada um dos 16 estados fará o seu acordo);
  • Aumentar de 700 mil para dois milhões os beneficiários de casas pagas pelo Estado;
  • Cheque único de 415 euros para ajudar com despesas de habitação para quem receba subsídio de habitação;
  • Ajuda de 1,7 mil milhões de euros para nove mil empresas que enfrentem grandes custos de energia.

“Este é o maior pacote de ajudas até agora”, disse Olaf Scholz na conferência de imprensa de apresentação das medidas, cujo acordo demorou cerca de 22 horas a ser alcançado, garantindo que os alemães vão “ultrapassar este inverno”. O documento que elenca todas as medidas de apoio pode ser consultado aqui.

Os mais recentes dados apontam para uma inflação de 8,8% na Alemanha em agosto. O pacote anunciado por Olaf Scholz corresponde a 1,5% do PIB.

Onde o salário mínimo dispara

Os Países Baixos também anunciaram um pacote de combate à inflação, tendo como medida mais popular o aumento de 10% do salário mínimo, que deverá agora ficar acima dos 1.900 euros. Contra os conselhos de quem diz que esse tipo de medidas alimentam a espiral inflacionista, o governo neerlandês decidiu mesmo avançar com a medida.

O rei Guilherme Alexandre, que falou ao parlamento num tradicional discurso antes da apresentação do Orçamento do Estado, reconheceu que é “uma realidade dolorosa que mais e mais pessoas nos Países Baixos estejam a lutar para pagarem as rendas, as contas de supermercado, os seguros de saúde e as faturas de energia”. Para fazer face a isso, estas são as principais medidas apresentadas em Haia:

  • Taxar lucros extraordinários de empresas de energia (dependente de aprovação da União Europeia);
  • Aumento do salário mínimo em 10%;
  • Aumento dos beneficiários de pensões e de subsídios;
  • Definição de um teto máximo aos preços do gás e da luz, tendo como referência as faturas de janeiro de 2022 (governo espera que a medida poupe às famílias 190 euros mensais);
  • Descida dos impostos para contribuintes que recebam até 37 mil euros anuais;
  • Descida dos impostos sobre a energia.

O governo apresentou ainda um conjunto de medidas que diz servirem para "investimento no futuro", e que se vão destinar à educação (2,8 mil milhões de euros), à habitação (7,5 mil milhões de euros) ou às alterações climáticas (35 mil milhões de euros).

Apesar do anúncio dos apoios, nem tudo foi um mar de rosas. O rei Guilherme Alexandre ouviu vários apupos enquanto regressava a Haia do funeral de Isabel II. O documento que elenca todas as medidas de apoio pode ser consultado aqui.

Os mais recentes dados apontam para uma inflação de 13,7% nos Países Baixos em agosto. O pacote anunciado pelo rei Guilherme Alexandre corresponde a 1,8% do PIB.

França, um dos primeiros

França foi dos primeiros países que sentiram necessidade de ajudar a população. Logo no início de agosto foi aprovado no parlamento um pacote de 20 mil milhões de euros. O objetivo, como anunciou o presidente Emmanuel Macron, é aumentar o poder de compra dos agregados familiares, nomeadamente através do aumento de pensões ou de uma redução de impostos.

“O vosso poder de compra é a nossa prioridade”, disse o porta-voz do governo, Olivier Veran. Para isso, França já tem em prática as seguintes medidas:

  • Aumento das pensões e de algumas prestações sociais em 4%;
  • Definição de um teto máximo nas rendas das casas em 3,5%;
  • Aumento de 3,5% para os funcionários públicos;
  • Desconto financiado pelo Estado de 18 cêntimos por litro de combustível passa a 30 cêntimos por litro até ao fim de outubro;
  • Bónus das empresas até seis mil euros ficam isentos de impostos (o limite era mil euros).

Embora tenha sofrido algumas críticas da oposição, nomeadamente à esquerda, a proposta acabou passar com uma larga maioria, à qual se juntou o partido de Marine Le Pen.

Os mais recentes dados apontam para uma inflação de 6,6% em França em agosto. O pacote anunciado por Emmanuel Macron corresponde a 0,6% do PIB.

Nove mil milhões para combater a crise

Espanha anunciou já este mês uma medida que visa promover a utilização do transporte público, através de passes gratuitos, beneficiando assim as pessoas que estavam a gastar muito dinheiro com combustível. Até ao fim do ano, os espanhóis que queiram deslocar-se a curta ou média distância vão poder fazê-lo através do comboio.

Uma medida que surgiu três meses depois do primeiro pacote de ajuda do governo, que foi avaliado em nove mil milhões de euros, e que, em parte, tem parecenças com o português:

  • Cheque único de 200 euros para os trabalhadores que recebam até 14 mil euros por ano;
  • Aumento de 15% para quem receba a pensão mínima de sobrevivência;
  • Aumento de 15% das pensões de invalidez;
  • Diminuição em 5% a 10% do IVA da eletricidade;
  • Diminuição do IVA do gás de 21% para 5% até ao final do ano;
  • Taxar lucros extraordinários de empresas de energia (dependente de aprovação da União Europeia).

E esta última medida deu o mote para o tom do discurso do primeiro-ministro espanhol, com Pedro Sánchez a afirmar que "este governo é incómodo para certos poderes económicos". Ao todo, e juntando os pacotes anteriormente aprovados, Espanha já deu uma ajuda no valor de 15 mil milhões de euros, aos quais se somará agora a ajuda dada para os transportes.

Os mais recentes dados apontam para uma inflação de 10,5% em Espanha em agosto. O pacote anunciado por Pedro Sánchez corresponde a 1% do PIB.

Itália com novo pacote

Em Itália, o total da ajuda disponibilizada pelo governo já vai nos 52 mil milhões de euros. Há uma semana, naquele que deverá ser o último grande ato de Mario Draghi como primeiro-ministro (as eleições são já no domingo), foi aprovado um novo pacote de ajuda no valor de 14 mil milhões de euros, que se junta a outros apoios anteriormente concedidos, incluindo um de 17 mil milhões de euros no início de agosto.

O objetivo, revelou o primeiro-ministro, é “ajudar as famílias e empresas sem colocar as finanças públicas em risco ou causar tensões nos mercados”, lembrando que Itália é um dos países com a dívida pública mais elevada.

Grande parte do dinheiro deve vir a ser financiado por montantes obtidos através da taxação de lucros extraordinários. Eis as medidas:

  • Extensão do apoio às empresas afetadas pelo aumento dos custos de energia, através da redução de impostos;
  • Cheque único de 150 euros para 22 milhões de trabalhadores e pensionistas que ganham abaixo de 20 mil euros (depois de um cheque semelhante de 200 euros em julho);
  • Corte nos preços dos combustíveis que se mantém até novembro, em vez da data inicial de 17 de outubro;
  • Impedir empresas de energia de alterarem contratos de eletricidade e gás até abril de 2023.

Apesar do esforço financeiro, que o governo até já admitiu que pode derrapar para os 100 mil milhões de euros, para já foi garantido que o défice e a dívida pública não foram colocados em causa.

Os mais recentes dados apontam para uma inflação de 9,1% em Itália em agosto. O pacote anunciado por Mario Draghi corresponde a 2,4% do PIB.

Liz Truss a todo o gás

Entrou no governo de rompante e com uma agenda que prometia liberal, mas teve de dar uma volta ao discurso. Liz Truss já anunciou um pacote de 100 mil milhões de libras (cerca de 114 mil milhões de euros) para ajudar as famílias a enfrentarem a crise de preços.

Mesmo a meio de toda a comoção pelo funeral da rainha Isabel II, a sucessora de Boris Johnson teve de pôr mãos à obra, alinhavando um plano ambicioso (e caro):

  • congelamento do preço de energia a uma média de 2.800 euros por ano nos próximos dois anos;
  • desconto de 450 euros nas faturas de energia (previamente anunciado);
  • empresas vão ter apoio semelhante às famílias ao longo de seis meses para fazer face aos custos de energia;

Um plano muito mais direcionado aos descontos do que a subsídios, como fizeram os outros exemplos que vimos.

Os mais recentes dados apontam para uma inflação de 10,1% no Reino Unido em agosto. O pacote anunciado por Liz Truss corresponde a 4,2%% do PIB.

As recomendações da OCDE

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomendou que as medidas se focassem menos nos preços e nos impostos, e mais nos apoios aos rendimentos mais baixos.

“Os governos devem passar das políticas que procuram limitar diretamente o aumento dos preços para aquelas que amortizem o impacto através do apoio específico aos rendimentos”, pode ler-se no documento divulgado, e que quantifica em 249 mil milhões de euros as ajudas já dadas desde outubro de 2021.

Entende a OCDE que este tipo de medidas beneficiam mais quem consome, destacando que grande parte dos apoios têm sido para baixas os preços dos combustíveis fósseis, como o gasóleo ou a gasolina, quando o mundo tenta ter menos dependência deste tipo de matérias.

Já a Comissão Europeia, que parece querer aprovar o quanto antes a taxa a lucros extraordinários, disse que essa medida seria mais eficaz do que outras que estimulem o consumo, como é o caso dos cheques.

“A Comissão está pronta a fornecer orientações aos Estados-membros sobre a melhor forma de utilizar o quadro jurídico e avaliará quaisquer pedidos de derrogações específicas a cada país ao abrigo da diretiva relativa à tributação da energia. No entanto, a reutilização de receitas mais elevadas provenientes de impostos sobre a energia e preços do carbono ou de lucros anormais de algumas empresas de energia pode ajudar a financiar medidas específicas e temporárias de apoio a famílias e empresas vulneráveis, tal como sob a forma de cheques ou reembolsos”, afirma fonte oficial do executivo comunitário em resposta escrita enviada à agência Lusa.

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