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Economista e Professor Universitário

O surpreendente plano secreto para contrariar o definhamento socioeconómico do país

13 set 2023, 17:00

Em 2022, António Costa pediu um “esforço” às empresas para que estas melhorassem os salários em Portugal. A meta do Primeiro-ministro: um aumento salarial médio de 20% durante a atual legislatura.

Terão as empresas nacionais capacidade para satisfazer o desejo do Governo? A maioria, não. Para cumprir a ambição do Primeiro-ministro, os empresários teriam de admitir um corte nas margens de lucro! Em condições normais, isso seria uma irracionalidade económica. O domínio é estritamente técnico. Envolve, sobretudo, custos de oportunidade e níveis de produção maximizadores de lucro. Na prática, e considerando que tudo o resto se mantem inalterado, a decisão de reduzir as margens de lucro de uma empresa, mesmo que muito pouco, pode tornar a atividade inviável na perspetiva empresarial.

Em relação à valorização salarial em Portugal, é ainda preciso não esquecer que o país tem uma pesadíssima carga fiscal sobre o trabalho. É uma das maiores no conjunto dos 38 países da OCDE. Este peso fiscal penaliza muito o salário médio líquido nacional. Por esta razão, para os empresários, o Governo terá pouca autoridade “moral” para lhes pedir um “esforço”. Muito recentemente, neste sentido, o atual presidente da Confederação Empresarial de Portugal, Armindo Monteiro, afirmou ser possível ir mais longe em matéria salarial desde que não se verifique “uma incidência tão forte da carga fiscal”.

É verdade que a filosofia de redistribuição excessiva a que o país tem estado submetido nos últimos anos tem gerado mais prejuízo do que benefício para a maioria dos portugueses. Por exemplo, os salários abaixo de mil euros perderam mais de 40% do poder de compra nos últimos vinte anos. Os indicadores negativos são muitos. São demais. Portugal tem um quadro fiscal excessivo e totalmente desequilibrado. É preciso inverter o rumo. Não se questiona sequer esta necessidade.

Ainda assim, independentemente da urgência que o país tem em aliviar os contribuintes, a verdade é que em alguns setores da economia portuguesa é muito provável que haja margem para aumentos salariais. Os dados que vão sendo disponibilizadas são claros. Nos últimos dois anos, Portugal viu vários setores e empresas a registar resultados líquidos impressionantes.

Por exemplo, segundo um estudo da Escola Francesa IÉSEG School of Management, divulgado pelo Jornal de Negócios, o preço de um quarto de hotel em Portugal subiu 70% em dois anos. Em vez de 100 euros/noite, são agora 170. Foi o maior aumento da Zona Euro.

Os setores da banca, da energia e da grande distribuição viram os lucros expandir nos últimos tempos. É preciso não esquecer que estes admiráveis resultados económicos ocorrem numa conjuntura socioeconómica muito sofrida para a maioria das famílias portuguesas. Para muitos agregados familiares, o quadro é de privação e de redução do consumo alimentar. Segundo o INE, o ano de 2022 registou a maior quebra no consumo alimentar desde que a série é registada. São muitas as famílias portuguesas que enfrentam o penoso dilema de manter a casa ou manter a alimentação.

No sentido inverso, de acordo com a agência Lusa, os lucros somados dos cinco maiores bancos em Portugal aumentaram, no primeiro semestre, em termos homólogos, cerca de 58,4%. Em 2022, já o aumento dos resultados líquidos, para o conjunto da banca, tinha sido de 58% em relação a 2021. A diferença entre os juros praticados no financiamento e os praticados nas poupanças acelerou, e muito, a rendibilidade da banca. São muitos milhões de euros a fugir mensalmente dos parcos orçamentos familiares, sob a forma de juros, para os bancos.

No setor da energia, a REN - Redes Energéticas Nacionais anunciou um reforço do lucro em 37,5% nos primeiros seis meses do ano, comparando com o mesmo período em 2022.

Também a EDP aumentou em 43% os seus resultados líquidos no primeiro semestre de 2023, em termos homólogos.

A Galp apresentou lucros históricos em 2022. Quase que duplicaram em relação a 2021.

Na área da grande distribuição, o grupo Jerónimo Martins somou mais 30% de lucros em 2022.

António Saraiva era o presidente da Confederação Empresarial de Portugal quando o Primeiro-ministro referiu o desejo de ver o salário médio nacional reforçado em 20% no espaço da legislatura. Na altura, o presidente da CIP advertiu que o país não pode distribuir a riqueza que não produz. É verdade que sim. No entanto, nos casos enunciados neste artigo, a riqueza foi produzida. Considerando o período de crise e de sofrimento social, não se crê que os lucros avultados destes setores tenham resultado de aumentos deliberados nas margens. Aliás, algumas alegações neste sentido têm sido veementemente contestadas pelos setores. Por esta razão, a ampliação dos lucros só pode resultar de um acréscimo do produto e da riqueza do país.

O país merece ser salvo. É fundamental que estes setores façam refletir nos salários dos trabalhadores uma parcela dos lucros aumentados. A situação socioeconómica dramática e generalizada que o país atravessa impõe esta responsabilidade aos empresários destas áreas. É um “pequeno” preço a pagar, considerando que o sucesso empresarial está a ser alcançado num tempo em que a miséria social alastra. O país agradece ainda antecipadamente a estes setores o contributo para a subida do salário médio líquido nacional e para a retenção de jovens em Portugal.

Ao Estado caberá reduzir significativamente a carga fiscal sobre o trabalho. Também a este propósito não há tempo a perder.

Em conjunto, banca, energéticas, grande distribuição, alguns subsetores do turismo e Governo têm condições para travar o cada vez mais notório definhamento socioeconómico do país.

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