20 anos em Fafe e nem uma chamada para ser dispensado (e não é o único)

29 jun 2017, 23:59
AD Fafe

João Nogueira é um dos capitães do Fafe que vai dizer adeus ao clube após a descida ao Campeonato de Portugal, mas ninguém na direção lhe disse nada. O médio não esconde a «desilusão», porque esta era a sua segunda «família». O presidente atendeu ao Maisfutebol e tentou esclarecer.

«É o culminar de muitos anos aqui no Fafe e de muito trabalho. Estou aqui há bastante tempo e esta subida foi um sonho, o culminar de muita coisa, o extravazar de muita coisa acumulada, e por ser daqui, tal como outros colegas, sentimos mais um bocadinho. Já posso morrer que o sonho de uma vida está concretizado!»

Há um ano, em entrevista do Maisfutebol, João Nogueira disse a frase anterior e contou que viveu um dos dias mais felizes da sua vida, quando o Fafe conseguiu a subida à II Liga. 19 anos depois de ter entrado para as camadas jovens dos fafenses, o médio conseguiu colocar o clube nos campeonatos profissionais. Era um dos capitães e nada pagava o que vivia.

Um ano depois do sonho, a desilusão…

O Fafe desceu de divisão, na última jornada frente ao Desp. Aves, mas isso nem foi o pior. O campeonato acabou há mais de um mês e ninguém na direção falou consigo, e com os outros dois capitães, para saber se continuam ou se a ligação termina.

«Eles não são obrigados a ficar comigo, naturalmente, mas no mínimo dos mínimos, por sinal de respeito por tudo o que vivi aqui, tinham de dizer que não contavam comigo, agradecer e desejar boa sorte. Estou muito triste, não sei o que posso fazer mais», começou por dizer João Nogueira.

São 20 anos a vestir a camisola do Fafe, apenas com seis meses de empréstimo no primeiro ano de sénior ao Arões, e nem esse historial lhe valeu uma chamada.

«Uma desilusão», assume o capitão.

João Nogueira não sabe ao certo o que se passou para tal acontecer, mas conta o que se foi passando ao longo da temporada: «Deixei de jogar sem saber porquê, vinha a fazer os jogos praticamente todos em todas as épocas, era capitão, não sei o que se passou. Nem eu nem o outro pessoal que estava há mais tempo. Tivemos de acatar a decisão, engolir sapos para tentar manter o clube, mas não foi possível. Aquilo começou a levar muitas voltas, mudanças de treinador, jogadores novos, mais do que descer e deixar de jogar, fiquei estupefacto por nem ter recebido uma palavra.»

A ilusão de ter subido à II Liga mexeu com as ideias da direção, refere.

«A situação é diferente porque o Campeonato de Portugal é diferente da II Liga. É mais dinheiro, são mais interesses, mais receita, as pessoas mudaram um bocadinho e esqueceram aqueles que deram muito ao clube, que se sacrificaram pelo clube. Posso estar errado, mas acho que as pessoas colocaram os interesses pessoais à frente do clube. O resultado está à vista, o clube desceu, jogou quem tinha de jogar mesmo que não merecesse, e o clube é que foi prejudicado.»

E dá o exemplo de uma situação passada:

«Lembro-me de há uns anos o clube estar mal, de os jogadores terem três e quatro meses de atraso e os jogadores quererem fazer greve e nós, os mais velhos, não deixámos, tentamos segurar o barco. Se o grupo não fosse forte fazíamos greve e depois nem sei o que acontecia. Agora isto mudou, há mais interesses e as pessoas iludiram-se um bocadinho.»

Na mesma situação está Ricardo André, também médio, e com nove anos de Fafe. Se a João Nogueira o presidente ainda nem ligou nem atendeu o telemóvel, a este atendeu, ainda que tenha sido preciso insistir durante dois dias.

«Há mais casos ainda de jogadores que tinham muitos anos de casa e simplesmente não lhes disseram nada. E senão fosse eu a entrar em contacto com o presidente nem isso ele me ia dizer, e mesmo no telefonema andou às voltas», explicou, acrescentando em seguida o teor da conversa:

«Disse-me que teve uma conversa connosco após uma derrota, que reuniu com os capitães e que disse que se descêssemos ia tudo embora, que ia haver uma limpeza de balneário. Agora confirmou-me que não conta com ninguém. Mas mesmo antes do campeonato acabar ele até me tinha abordado para continuar e para um dia mais tarde fazer parte da estrutura do clube, que via capacidades para isso e foi tudo por água abaixo.»

Desde que o Fafe desceu, na última jornada, nem Ricardo André, nem João Nogueira mereceram qualquer justificação e o único contacto que tiveram com a direção foi no último dia de pagamento, mas nem uma palavra sobre renovações ou saídas.

Ricardo André envereda pelo mesmo discurso de João Nogueira: «Já que tinha a ideia não custava nada confirmar isso. Se queria fazer um plantel à escolha dele, com os jogadores que ele quiser, não custava nada falar. Nós não íamos obrigar ninguém a ficar, temos um grande passado no clube, mas sabíamos que um dia a ligação ia terminar. Ele acusou-me de eu já ter clube e eu disse que não, que se algum dia fosse abordado que primeiro falava com o Fafe para ver o que eles tinham para mim e depois é que ponderava. Mas sei que pessoas como ele não pensam assim.»

Quanto a motivos, o médio refere um: «Nós sabemos o motivo, mas ele não o diz. Sabemos que é por nós termos ligação ao treinador que esteve lá muitos anos e que ele «arrumou» este ano. Agora «arruma» com toda gente que tinha ligação a esse treinador.»

Agostinho Bento foi o treinador principal do Fafe nos últimos sete anos, até deixar a meio desta temporada. Antes já estava no clube, como adjunto e treinador na formação, e acompanhou o percurso da maior parte destes jogadores.

Desde que saiu, João Nogueira praticamente deixou de jogar:

«Na primeira volta joguei sempre, desde que mudou nunca mais jogou e ninguém me disse porquê. Tive de engolir muito sapo, era jogador, o capitão, mas tinha coração. As coisas magoavam, mas pus sempre os interesses do clube à minha frente, tentei não explodir quando devia ter explodido. Depois de uma 2ª volta sem jogar, fui ver o último jogo nas Aves e nunca pensei que me ia custar tanto. Lembrei-me que o clube se podia ter mantido se as coisas tivessem sido feitas com mais rigor, mais respeito, com mais normalidade. Lembrei-me do sacrifício destes anos a tentar subir, tinha ao meu lado o Xavi, o Silvestre, o Vasco e estávamos todos ali e chorámos. Veio-me à cabeça tudo o que passámos esta época, descer assim... O balneário, só Deus sabe como estava. Não se ouvia uma mosca, os que estão há mais tempo sentem mais.»

O presidente Jorge Fernandes atendeu o telemóvel ao Maisfutebol e tentou esclarecer a situação: «Terminou o campeonato e disse a todos que eram livres, se não arranjaram clube, não venham dizer que não foi o Fafe que contratou outros. Disse no último treino e jantar que tivemos. Não disse que estavam dispensados, disse que eram livres de escolher porque ninguém tinha contrato. Estavam lá todos, não faltava lá ninguém.»

Mas será que um jogador com 20 anos de casa não merece um esclarecimento diferente do que uma mensagem num jantar de final de época?

«Quando terminou o campeonato o presidente disse-lhes que ninguém tinha contrato, que se o clube tivesse interesse em ficar com algum deles que ia chamá-los Há dois meses que tivemos uma reunião e eles [grupo de capitães] sabiam o futuro deles», disse, prometendo reagir em breve em comunicado.

Será então o adeus definitivo ao Fafe para João Nogueira, após 20 anos?

«Não cuspo no prato onde comi, mas não posso ser hipócrita. Já esperei demasiado, se tivessem interesse já tinham ligado, mesmo para dizer que não contavam. Não cheguei no ano passado, cheguei aos 11 anos, não é brincadeira. Era o mínimo. Estou desiludido.»

Será o ano de sair do clube de sempre, algo que nem os adeptos acham que é possível acontecer: «Como não há noticia de renovação nem saída, todos pensam que vou ficar. Este ano não vai ser possível. As pessoas que estão à frente desiludiram-me, foram ingratos, mas o clube e os adeptos estão acima de tudo. Não guardo rancores dos adeptos, do roupeiro, da senhora da limpeza, eram como uma família. As pessoas passam, o carinho mantém-se. Mesmo as pessoas da direção, se tiver de desejar o bem deles para desejar o bem do Fafe, faço-o.»

Já Ricardo André diz mesmo adeus: «Tive dois dias a tentar falar com o presidente e não conseguia. Agora consegui e vou tratar do meu futuro. São nove anos, mas depois de conhecer minimamente as pessoas… Só nós é que esperávamos outra coisa, o respeito que têm por quem lá está. Enfim.»

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