Salário médio de €881/mês: o problema não é o dinheiro mas os horários, dizem os empresários da hotelaria - que têm falta de gente

20 mai 2022, 07:00
Hotel (Getty Images)

A falta de mão-de-obra na hotelaria tem raízes longas e há pelo menos 15 mil pessoas em falta. Portanto: porque não há interessados em trabalhar no sector?

Quando os turistas começarem a chegar aos hotéis para as férias de verão vão ser recebidos por equipas empenhadas em garantir-lhes uma experiência memorável. Mas, nos bastidores, os empresários sabem que a mão-de-obra ao serviço está longe daquilo que são as verdadeiras necessidades.

Há vários anos – pelo menos desde 2018 – que a falta de trabalhadores é um problema para a hotelaria. Mas este ano, com o sector a querer recuperar da pandemia após dois anos delicados, essa realidade está mais evidente do que nunca, explicam hoteleiros ouvidos pela CNN Portugal.

“Estamos a ter muitas dificuldades na contratação das pessoas. A operação de verão está a arrancar coxa”, diz Alexandre Marto, presidente executivo do Fátima Hotels Group. Luís Alves de Sousa, diretor-geral dos Hotéis Heritage, reforça o cenário: “Temos sentido muita dificuldade em arranjar colaboradores. Se não houver azar, temos o problema resolvido. Conseguimos equipas mínimas para garantir a operação de verão”.

A Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) tem estimado que faltem mais de 15 mil trabalhadores para que o sector alcance as suas necessidades. Mas, apesar de existirem vagas, não há quem as ocupe. “Não vamos arrancar com os recursos que gostaríamos. Temos cerca de 45 vagas em aberto em todas as geografias em que operamos”, concretiza Bernardo Trindade, administrador do grupo PortoBay e também presidente da AHP.

Os horários e os 881 euros

A questão impõe-se: havendo trabalho porque não existe quem o queira fazer? Os hoteleiros são unânimes na resposta: o problema está na questão dos horários num sector que trabalha todos os dias do ano, sem parar.

“Houve algumas pessoas que mudaram de vida no período da pandemia, em que estivemos fechados. Repensaram a vida deles. Algumas mudaram de vida, outros emigraram”, explica Luís Veiga, presidente executivo do grupo Natura IMB Hotels, com unidades na zona da Serra da Estrela. Depois há também menos alunos a chegar das escolas de turismo.

Daí que nas funções onde o horário repartido é uma realidade – como empregados de mesa ou cozinheiros – sejam aquelas que as empresas do sector sentem maior dificuldade em preencher.

O sector do alojamento e restauração tinha no final de 2021 um salário médio de 881 euros, segundo o Instituto Nacional de Estatística. Daí que os hoteleiros se apressem a garantir que não é o valor pago que está a diminuir o interesse na profissão. Todos asseguram pagar acima do salário mínimo nacional.

Mas, mesmo assim, com tanta vaga por ocupar, têm acenado com propostas salariais mais robustas. “Houve pressão nos salários, claramente. Não é verdade que se pague pior na hotelaria e no turismo. Houve inclusive uma necessidade de reter os talentos [com melhoria de salários]”, conta Luís Veiga.

“Todos os grupos hoteleiros estão a remunerar melhor, esse é um tema para o qual temos sido muito assertivos. Mas temos a noção de que não chega”, admite Bernardo Trindade.

Os planos de incentivos

E, por não chegar, os hotéis estão a apostar em força nos chamados “incentivos”. Prémios de produtividade, seguros de saúde ou descontos em serviços parceiros são apenas alguns dos exemplos.

“Já temos um pacote de condições, entre remunerações e benefícios adicionais, como seguro de saúde ou descontos, que por norma andam acima da média do setor. Vamos assim conseguindo atrair algumas pessoas”, diz Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do grupo Vila Galé, o segundo maior do país.

Mas é preciso segurar os talentos desde o primeiro minuto. No Natura IMB Hotels, conta Luís Veiga, apostou-se na “criação de uma academia de formação que dá bolsas a alunos de escolas de turismo e um plano de formação". "Tentamos fidelizá-los ao nosso grupo e dignificar a profissão enquanto estão nas escolas."

O se tor admite agora começar a encarar de outra maneira a questão dos horários, que, dizem, tanto têm afastado potenciais candidatos. “Estamos disponíveis para sermos mais cuidadosos na elaboração dos horários, dividindo por exemplo os fins de semana por toda a força de trabalho”, assegura Bernardo Trindade.

A solução emigração

A falta de mão-de-obra não é um exclusivo da hotelaria. Mas, num sector que tem a arte de bem receber como um dos principais ativos, já foi considerada a “tempestade perfeita” ao conciliar os baixos salários (na visão de quem trabalha) com a forte concorrência internacional.

E daí que os caminhos para resolver o problema sejam conturbados. Os hoteleiros têm-se apoiado, por exemplo, na mão-de-obra estrangeira que tem chegado a Portugal, sejam eles emigrantes ou refugiados.

“Temos de aumentar a população ativa. Mas, pela via da natalidade, não conseguimos tê-los de imediato no mercado de trabalho. Ou convencemos os portugueses que residem no estrangeiro a voltar ou fazemos parcerias com outros países. Resta ainda a opção de reconversão interna de sectores que não estejam tão bem”, aponta Gonçalo Rebelo de Almeida.

O que querem os trabalhadores

Numa coisa os sindicatos estão de acordo com os patrões: se a hotelaria quer ter as vagas preenchidas tem mesmo de repensar os seus modelos de horários e a conciliação com a vida privada. “O principal problema, da imprevisibilidade dos horários, mantém-se, com os horários feitos semanalmente”, lamenta Francisco Figueiredo, dirigente da Federação dos Sindicatos da Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (FESAHT).

Mas, quando o tema são os salários, a divisão é insanável. O sindicalista insiste que a “esmagadora maioria” dos trabalhadores continua a receber o salário mínimo nacional. E que, mesmo que as novas ofertas tragam valores superiores, quem já trabalha não está a receber o mesmo tratamento.

“À mesa das negociações não é nada disso. As estruturas patronais não oferecem carreiras nenhumas, não oferecem estímulos aos trabalhadores mais antigos.”

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