Família de hacker de Viseu, em risco de passar mais de 50 anos numa prisão nos EUA, apela a Marcelo

8 fev, 07:00

Segundo fonte de Belém o Presidente da República remeteu o caso para o Governo. Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Justiça dizem estar de mãos atadas

Um familiar próximo do jovem hacker português de 23 anos que está em risco de ser extraditado para os EUA, onde corre o risco de ficar perto de 60 anos na prisão escreveu a Marcelo Rebelo de Sousa que encaminhou o caso para o Governo. Diogo Santos Coelho é cidadão português, vivia em Viseu e cometeu alguns dos crimes de que é acusado em território nacional, mas segundo garantiu o próprio à CNN Portugal, sente que o pais lhe virou as costas. Montou, desde os 14 anos, uma das maiores plataformas de venda de dados roubados de empresas de todo o mundo, incluindo gigantes das telecomunicações norte-americanas e, teve um diagnóstico recente de autismo. 

Segundo apurou a CNN Portugal junto de fonte de Belém, “o assunto é do conhecimento da Presidência da República desde setembro de 2023”, tendo Marcelo Rebelo de Sousa reencaminhado o tema para o Governo. O caso, que chegou a Belém através de um email daquele familiar “foi remetido ao Governo, dadas as competências dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Justiça”, explica a Presidência. Mas tanto os Negócios Estrangeiros, como a Justiça garantem à CNN Portugal que nada podem fazer. 

O Ministério de João Gomes Cravinho alega que "acompanhou a situação, aquando da detenção do cidadão nacional em questão no Reino Unido, através do Consulado-geral em Londres e no âmbito da proteção consular devida aos cidadãos nacionais detidos", tendo tido "conhecimento da libertação condicional do cidadão, em agosto de 2022".  E esclarece que "não há, de momento, nenhum elemento relativo ao processo de extradição deste cidadão nacional que seja do conhecimento deste Ministério".

Também a ministra da Justiça Catarina Sarmento e Castro diz estar de mãos atadas. Numa resposta enviada à CNN Portugal, explica no caso do jovem hacker em risco de ser extraditado para os EUA "de acordo com a informação disponível, terá aplicação o anexo 43 do Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro, nos termos do qual o mandado de detenção europeu é sempre emitido por uma autoridade judiciária, não tendo o Ministério da Justiça, nos termos da lei, qualquer intervenção em tais processos".

Por outro lado, fonte do ministério da Justiça nota que "na cooperação judiciária internacional em matéria penal, em regra, a iniciativa de eventuais processos de extradição compete à Procuradoria-Geral da República (PGR), tendo a Ministra da Justiça intervenção no contexto dos procedimentos iniciados pela PGR". É precisamente na PGR que está neste momento uma reclamação feita pelos advogados do jovem português a contestar a decisão de uma procuradora do Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto ter considerado que Portugal não era competente para emitir um mandado de detenção e pedir depois também a extradição.

É que a par do processo-crime que corre nos EUA, corre outro em Portugal onde Diogo Santos Coelho é suspeito do crime de branqueamento de capitais por causa da sua ligação à plataforma onde se vendia dados roubados. E os advogados pediram para que, no âmbito desse processo, as autoridades nacionais emitissem um mandado de detenção. Mas a procuradora do DIAP regional do Porto considerou que não há razões que sustentem o mandado português por  os crimes dos EUA serem diferentes e ainda por alegar que mesmo tendo sido praticados em Portugal, tiveram efeito em terras norte-americanas.

A defesa tem outro entendimento e os advogados João Medeiros e Inês Almeida e Costa fizeram uma reclamação hierárquica à Procuradoria-Geral da República (PGR). “Parte dos crimes foram cometidos em Portugal e, por conseguinte, ao abrigo do princípio da territorialidade, cabe ao Ministério Público português proceder à investigação desses crimes”, defende João Medeiros. A reclamação aguarda resposta e é neste momento, admite a defesa, uma das poucas esperanças. Isto porque o juiz que no Reino Unido aceitou o pedido de extradição feito pelos EUA, seria confrontado com igual pedido do pais de origem do arguido, o que tenderia a escolher por encaminhá-lo para este último.

À CNN Portugal, fonte da Procuradoria-Geral da República admite que a reclamação hierárquica “encontra-se em apreciação”, alegando que o “inquérito corre os seus termos” e está sujeito a “segredo de justiça”. Aliás, também de Belém alega que "tratando-se, por outro lado, de matéria do poder judicial, não cabe ao Presidente da República pronunciar-se.”

A defesa, porém, não para de advertir que o tempo é cada vez mais curto, "Quando sair a decisão do juiz inglês a extradição para os EUA é imediata", tem dito João Medeiros.

Diogo Santos Coelho está neste momento no Reino Unido a aguardar a decisão final do juiz sobre a sua extradição para os EUA . "Estou com muito medo de ir para lá" disse recentemente numa entrevista exclusiva que deu à CNN Portugal. Até porque a notícia que aguarda é a de um recurso da decisão do juiz que aceitou extraditá-lo para os EUA, onde pode ficar preso quase 60 anos. 

Foi pouco depois de o jovem ter sido detido, em 2022, quando entrou no Reino Unido para ir visistar a mãe que está doente num lar, que o juiz norte-americano Liam O'Grady pediu formalmente a sua extradição à justiça britânica. No documento  para que seja julgado num tribunal, no estado da Virginia. É acusado dos crimes de conspiração, fraude no acesso a dispositivos e roubo de identidade agravado, por ser o principal suspeito de criar e administrar, entre 1 de janeiro de 2015 até 31 de janeiro de 2022, o RaidForums - a plataforma onde os piratas informáticos colocavam à venda dados de várias empresas, muitas delas norte-americanas

Depois de ter sido apanhado pelas autoridades britânicas, no aeroporto de Gatwick, em Londres, Diogo esteve detido na prisão de Wandsworth, no Reino Unido, durante sete meses. Acabou por sair, após pagar uma fiança de 35 mil libras e está com pulseira eletrónica a cumprir a prisão domiciliária no seu apartamento em Vauxhall, no sul de Londres.

Diogo estava a ser investigado há muito tempo. A 6 de maio de 2021, quase um ano antes da detenção, as autoridades americanas já tinham o caso montado contra o hacker português, mas aguardaram que ele se ausentasse de Portugal para emitir o mandado detenção internacional à Europol, uma vez que o Estado português não extradita cidadãos portugueses para os Estados Unidos da América, particularmente quando o crime é cometido em território português.

Desde que o jovem foi detido, a antiga equipa de defesa do pirata informático - ele trocou de advogados em dezembro de 2023 -  escreveu várias cartas à ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, mas nunca obteve qualquer resposta, adiantou fonte ligada ao processo.

Diogo Santos Coelho, por seu lado, afirma que não "está a tentar fugir à Justiça”,e garante que está “disponível a tudo o que for necessário, seja para ajudar a apanhar outras pessoas ou até ajudar a justiça portuguesa em casos semelhantes”.

A defesa do jovem acusa Portugal de estar a ter um comportamento diferente com este hacker, daquele que teve Rui Pinto. “Existem diferenças de tratamento absolutamente aberrantes” entre os dois, garante João Medeiros, um dos advogados do jovem. “Num caso as autoridades portuguesas acolheram, ofereceram-lhe e aceitaram a colaboração. (...). Este Diogo é, de alguma forma rejeitado, numa situação muitíssimo mais gravosa, porque o senhor Rui Pinto estava num país onde a pena máxima é de 25 anos de prisão e o Diogo pode sujeitar-se a algo como 50 anos de prisão, o que, tendo nesta altura 24 anos, se cumprir a pena entrará um jovem e sai um velho”.

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