"Vamos ver Moscovo utilizar cada vez mais bombas estúpidas”. Como a explosão de Belgorod pode mostrar mais do que a Rússia desejaria

21 abr 2023, 22:05

As explicações dadas por Moscovo sobre a explosão de uma bomba na cidade de Belgorod levantam mais questões do que dão respostas. Para os especialistas, as causas deste acidente podem revelar que, afinal, as sanções ocidentais estão a funcionar e estão a danificar a capacidade bélica russa

Quando surgiram as primeiras informações, todos as atenções viraram-se para Kiev, mas a enorme explosão no centro da cidade russa de Belgorod, que feriu várias pessoas e danificou edifícios, tinha mesmo sido da autoria de Moscovo. Segundo o ministério da Defesa russo, tudo não passou de um acidente, mas a situação pode esconder uma realidade bem mais profunda.

“Falhar o alvo num avião com dois pilotos é muito difícil, porque um deles está exclusivamente focado na navegação e outro no armamento. Algo de estranho terá acontecido certamente. Ou houve interferência eletrónica ucraniana ou uma aselhice muito grande”, explicou à CNN Portugal o comandante João Fonseca Ribeiro, do Observatório de Segurança e Defesa da SEDES.

O "acidente" anunciado por Moscovo é ainda mais suspeito quando se olha para o avião envolvido: aconteceu com um dos caças mais modernos da frota russa, o Sukhoi-34. Esta aeronave entrou em serviço em 2014, transporta dois tripulantes, que se focam exclusivamente na navegação e no armamento. Desde que começou a invasão na Ucrânia, têm sido utilizados com muita cautela pela defesa russa, que tem preferido utilizar os antigos, mas mais robustos e versáteis Su-25, do tempo da União Soviética.

Já o explosivo em causa, segundo o Ministério da Defesa russo, é uma bomba de uso geral FAB-1500 M54. Estes explosivos não têm um sistema de navegação autónomo e utilizam apenas um mecanismo de estabilização de voo para atingir o alvo pretendido. Esta bomba, utilizada para atacar concentrações de militares, equipamento e fortificações, começou a ser produzida ainda na década de 50 e carrega mais de meia tonelada de explosivos.

As forças armadas russas encontraram uma forma de modernizar esta bomba que era largada por cima do alvo, numa bomba guiada, com um kit de modernização. Para os especialistas, isto significa que a Rússia pode estar a ficar com um arsenal de mísseis inteligentes limitado e, por isso, está a tentar manter uma reserva para a potencial contraofensiva ucraniana, utilizando bombas antigas.

“Isto demonstra que Rússia está a ficar com um arsenal de mísseis de precisão curto. Eles precisam de reservas, porque aproxima-se a contraofensiva ucraniana. Por isso, estão a usar bombas de gravidade, como nós víamos na Segunda Guerra Mundial”, observa o major-general Isidro de Morais Pereira.

E este esforço em modernizar reservas antigas pode ser um sinal de que a Rússia está, de facto, a ter dificuldade em produzir armamento nas quantidades necessárias, devido às sanções impostas pelo Ocidente. Segundo um estudo do Center for Strategic and Internacional Studies (CSIS), que tenta medir o impacto das sanções na indústria da Defesa russa, Moscovo está a ter dificuldade em repor algumas das importações tecnologicamente mais avançadas. Isto obriga a Rússia a procurar “substitutos de pior qualidade” e tem impacto na capacidade em “produzir, manter e entregar armas avançadas e tecnologia” ao campo de batalha na Ucrânia.  

“Moscovo está sob pressão para se adaptar, muitas vezes recorrendo a fornecedores e rotas de abastecimento menos confiáveis ​​e mais caros, importações de qualidade inferior ou a tentar reproduzir componentes ocidentais internamente. Isto provavelmente está a prejudicar a produção e a qualidade da defesa russa”, pode ler-se no relatório.

O estudo admite, no entanto, que os danos causados pelas sanções não serão uma “solução mágica” que irá travar as aspirações do Kremlin. A Rússia mantém uma grande reserva de equipamento e uma indústria com uma dimensão considerável, mas as sanções “estão a surtir efeito” e isso poderá resultar numa mudança de estratégia da Rússia. De acordo com o CSIS, é possível que as chefias militares russas optem por uma campanha de atrito mais lenta, colocando pressão em Kiev e nos parceiros ocidentais, obrigando os ucranianos a gastar as reservas que estão a acumular para a contraofensiva.  

“Tal como se esperava e tinha sido dito por muitos analistas, as sanções não têm efeito imediato. A Rússia tinha reservas, mas tudo é finito. Tanto o rublo como a economia russa estão a cair. As sanções tecnológicas estão a apertar cada vez mais. Por isso, vamos ver Moscovo utilizar cada vez mais bombas estúpidas”, referiu Isidro de Morais Pereira.

Quando começou a guerra, a Rússia tinha aproximadamente dois mil drones de todos os tipos, desde o reconhecimento a aeronaves ofensivas. No final do ano, grande parte desta frota foi destruída, quer pelas defesas antiaéreas ucranianas, quer por erros de pilotos russos. Desde então, as autoridades russas têm sublinhado a importância de produzir todo o tipo de aeronaves. Porém, os próprios representantes da indústria têm “tido dificuldade em encontrar soluções necessárias”.

O calcanhar de Aquiles russo é mesmo a falta de chips e microprocessadores evoluídos. As sanções ocidentais barraram a indústria russa de aceder ao mercado de Taiwan e a algumas das principais empresas mundiais. “A produção doméstica de chips da Rússia está muitos anos atrás do padrão da indústria no Ocidente, tornando as suas armas, comunicações e sistemas de guerra eletrónica altamente dependentes de microchips fabricados no Ocidente”, escreve o CSIS.

A estratégia da Rússia para contrariar estas imposições tem sido através da compra de países terceiros, como a Turquia, o Cazaquistão e outros. Além disso, tem procurado soluções civis que permitam ter um uso militar ao serem desmontadas. Ao mesmo tempo a Ucrânia recebe equipamento militar cada vez mais evoluído tecnologicamente, o que, o centro de estudos acredita ser capaz de desequilibrar o campo de batalha a favor de Kiev.

“Enquanto o Kremlin mantiver sua visão atual sobre a Ucrânia, espera-se que a guerra continue, com Moscovo a preferir uma campanha de desgaste de ritmo mais lento, sem avanços significativos que possam pressionar ainda mais sua base militar e industrial já esgotada por sanções e os últimos 12 meses da invasão”, conclui o relatório.

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