Sem eletricidade, sem água, sem forma de recolher os mortos: "A situação é muito complicada em Mariupol"

6 mar 2022, 06:00

Vadym Boichenko, autarca de Mariupol, descreve uma situação desesperada na cidade que continua cercada pelas forças russas

"A situação é muito complicada". Assim descreve Vadym Boichenko a crise humanitária na cidade de Mariupol, depois de uma tentativa falhada de corredor humanitário. Em entrevista a um canal de Youtube, este sábado, o autarca acusa as forças russas de criarem graves problemas sociais na cidade.

"[O exército russo] está a preparar-se para cercar a cidade e fazer um bloqueio", afirma Vadym Boichenko. "Eles querem tirar-nos do corredor humanitário, acabando com a entrega de bens essenciais, medicamentos e até comida para bebé. O objetivo deles é sufocar a cidade e colocá-la sob um stress insuportável".

Os corredores humanitários previstos para as cidades de Mariupol e Volnovakha falharam este sábado. A Ucrânia diz que as tropas russas não cumpriram o cessar-fogo temporário ao longo da rota. Em resposta, a Rússia acusou os "nacionalistas" ucranianos de impedirem os civis de sair. Uma posição que o presidente da autarquia refuta:

"Tínhamos cinquenta autocarros atestados de combustível e estávamos apenas à espera do cessar-fogo e para que as estradas abrissem para tirarmos as pessoas daqui. Mas ficámos reduzidos a 30 autocarros. Escondêmo-los noutro lugar, longe dos bombardeamentos, e lá perdemos outros 10. Então restam-nos 20. Por isso, quando este corredor humanitário finalmente abrir para nós amanhã ou noutro dia, podemos nem ter autocarros para retirar as pessoas", relata Vadym Boichenko.

Boichenko afirma que a cidade, que tem cerca de 400 mil habitantes, tem estado sem energia há já cinco dias. "Todas as nossas subestações térmicas contam com esta fonte de alimentação, portanto, estamos sem aquecimento. Não há rede móvel nos telemóveis e, desde o ataque a Mariupol, perdemos as nossas reservas de água, então estamos completamente sem água neste momento".

"Os feridos e os mortos destes últimos cinco dias ultrapassam as dezenas. Ao oitavo dia, eram centenas. Agora, falamos de milhares. Estes balanços só vão ficar piores. Mas este é o sexto dia consecutivo de ataques aéreos e não podemos sair para recolher os cadáveres", descreve o autarca.

"Eles dizem que querem salvar os ucranianos de serem mortos pelo Estado da Ucrânia, mas eles é que são os assassinos", acusa Vadym Boichenko, que enaltece o trabalho dos profissionais de saúde. "Atentem, os nossos médicos corajosos têm estado a salvar vidas aqui há dez dias consecutivos. Eles vivem e dormem nos hospitais com as suas famílias".

Apesar da situação dramática que Mariupol enfrenta, o autarca assume que salvar a cidade das forças russas está fora de questão: "O nosso foco agora é abrir o corredor humanitário a todo o custo".

"Mariupol deixou de existir, pelo menos a cidade que conhecíamos", lamenta Vadym Boichenko.

Situação humanitária em Mariupol é "catastrófica"

O alerta foi dado este sábado pela ONG Médicos Sem Fronteiras (Médecins Sans Frontières). A situação humanitária de Mariupol foi classificada como “catastrófica e piora a cada dia”. À Agence France-Presse (AFP), o coordenador de emergência de MSF na Ucrânia, Laurent Ligozat, diz que é “imperativo” que o corredor humanitário, “após o desrespeito ao cessar-fogo”, seja “implementado muito rapidamente” para que os habitantes consigam fugir em segurança. 

Também a Cruz Vermelha esteve nestes dois corredores humanitários para assegurar que o cessar-fogo temporário era cumprido, o que acabou por não acontecer.

"As cenas a que assistimos hoje em Mariupol e noutras cidades são de partir o coração. Qualquer iniciativa de ambas as partes [Ucrânia e Rússia] para dar tréguas a estes civis e permitir que sigam voluntariamente para áreas seguras é bem-vinda", acrescentam. 

O Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) disse que, apesar dos acordos sobre os corredores humanitários, "a situação da Ucrânia continua terrível, com ataques militares em várias zonas". De acordo com a mesma fonte, existem atualmente cerca de 1,3 milhões de refugiados ucranianos, mas o número pode subir para 1,5 milhões até domingo.

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