Putin pode chamar os soldados que quiser, mas a Rússia não consegue treiná-los nem apoiá-los (análise)

CNN , Análise de Brad Lendon
23 set 2022, 08:00
Soldados russos num campo de cereais em Zaporizhzhia  (AP Photo)

Vladimir Putin pode chamar os soldados todos que quiser, mas a Rússia não tem como dar a essas tropas, a curto prazo, o treino e as armas de que precisam para lutar na Ucrânia.

Com a invasão da Ucrânia a fraquejar bastante, o presidente russo anunciou nesta quarta-feira a imediata “mobilização parcial” de cidadãos russos. O Ministro da Defesa, Sergei Shoigu, disse na televisão russa que o país irá convocar 300.000 reservistas.

Se o seu destino for enfrentar as armas ucranianas nas linhas de frente, o mais certo é que se venham a tornar as mais recentes baixas na invasão que Putin iniciou há mais de sete meses e que viu os militares russos falharem em quase todos os aspetos da guerra moderna.

“As forças armadas russas não estão atualmente equipadas para destacar de forma rápida e eficaz 300.000 reservistas”, disse Alex Lord, especialista na Europa e Eurásia da empresa londrina de análise estratégica Sibylline.

“A Rússia já se debate para equipar eficazmente os soldados profissionais que tem na Ucrânia, após perdas significativas de equipamento durante a guerra”, disse Lord.

A recente ofensiva ucraniana, na qual Kiev recapturou milhares de metros quadrados de território, teve um preço significativo.

No início da semana, o Instituto para o Estudo da Guerra afirmou que a análise de especialistas ocidentais e dos serviços de informação ucranianos revelou que a Rússia tinha perdido entre 50% a 90% da sua força em algumas unidades devido a essa ofensiva, além de grandes quantidades de blindagem. A isso soma-se a perda impressionante de equipamento ao longo da guerra.

O site de informações de código aberto Oryx, recorrendo apenas às perdas confirmadas por provas fotográficas ou de vídeo, descobriu que as forças russas perderam mais de 6300 veículos, incluindo 1168 carros de combate, desde o início do conflito.

“Na prática, não têm equipamentos modernos suficientes… para tantos soldados novos”, disse Jakub Janovsky, analista militar que contribui para o blogue da Oryx.

JT Crump, CEO da Sibylline e veterano de 20 anos nas forças armadas britânicas, disse que a Rússia começa a sentir os problemas da escassez de munições de alguns calibres e procura fornecedores de alguns componentes-chave para que possa reparar ou construir substitutos para o armamento perdido no campo de batalha.

Não perderam apenas carros de combate e veículos blindados de transporte de pessoal. Em muitos casos, as tropas russas não tiveram o mais básico na Ucrânia, incluindo uma definição clara do motivo pelo qual arriscam as suas vidas.

Apesar da ordem de mobilização desta quarta-feira, Putin ainda fala em “operação militar especial” na Ucrânia, e não em guerra.

Os soldados ucranianos sabem que estão a lutar pela sua pátria. Muitos soldados russos não sabem por que razão estão na Ucrânia.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, referiu isso mesmo na quarta-feira, apelidando o anúncio da mobilização parcial de Putin de “um sinal de desespero”.

Um cartaz a promover o serviço militar em São Petersburgo, a 20 de setembro, contém o slogan: “Servir a Rússia é um trabalho verdadeiro” (Olga Maltseva/AFP/Getty Images)

“Acho que não há dúvida de que as pessoas não querem ir para uma guerra que não entendem. As pessoas podiam ser presas se chamassem “guerra” à guerra da Rússia na Ucrânia, mas agora, de repente, têm de participar e lutar, sem estarem preparadas, sem terem armas, sem terem proteções corporais nem capacetes”, disse ele.

Mas mesmo que tivessem todo o equipamento, as armas e a motivação de que precisam, seria impossível treinar rapidamente 300.000 soldados para a batalha, disseram os especialistas.

“Nem sequer existem atualmente na Rússia os oficiais extra ou as instalações necessárias para uma mobilização em massa”, disse Trent Telenko, antigo auditor de controlo de qualidade da Agência de Gestão de Contratos da Defesa dos EUA, que estudou a logística russa.

As reformas em 2008, destinadas a modernizar e a profissionalizar as forças armadas russas, fizeram desaparecer muitas das estruturas logísticas, de comando e controlo que antes permitiam às forças da antiga União Soviética treinar e equipar rapidamente um grande número de recrutas mobilizados.

Alex Lord, da Sibylline, disse que seriam necessários pelo menos três meses para reunir, treinar e destacar os reservistas russos.
“E, por essa altura, estaremos a meio do inverno ucraniano”, disse Lord. “Como tal, é improvável que a chegada dos reservistas tenha um impacto sério no campo de batalha, pelo menos até à primavera de 2023 - e, mesmo assim, o mais certo é estarem mal treinados e mal equipados.”

Mark Hertling, antigo general do Exército dos EUA e analista da CNN, disse ter visto em primeira mão, durante as suas visitas à Rússia, quão mau consegue ser o treino russo.

“Era horrível... Os primeiros socorros eram rudimentares, eram feitas pouquíssimas simulações pois tinham de poupar os recursos e... o mais importante... a liderança era horrível”, escreveu Hertling no Twitter.

“Colocar 'novatos' numa linha de frente maltratada, com baixo moral e que não quer estar (ali) é um presságio de mais um desastre (russo).” “Inacreditável”, publicou Hertling no Twitter.

Telenko disse que as tropas recém-mobilizadas provavelmente tornar-se-iam apenas as mais recentes baixas na guerra de Putin.

“A Rússia consegue arranjar pessoas. Mas não as consegue treinar, equipar e, mais importante, liderá-las com rapidez.”

“Vagas de 20 a 50 homens sem treino, com metralhadoras AK e nenhum rádio para comunicarem, vão cair no primeiro ataque de artilharia ou blindados dos ucranianos”, disse ele.
 

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