A guerra eletrónica envolve armas ou táticas que utilizam o espectro eletromagnético. Está a ser utilizada por ambos os exércitos neste conflito, predominantemente através de bloqueadores eletrónicos que desativam os sistemas de mira guiados por GPS, fazendo com que os rockets não atinjam os alvos
No início de novembro, surgiu online um vídeo de um drone que parece mostrar um ataque direcionado que faz explodir três antenas no telhado de um bloco de apartamentos. O comandante ucraniano do drone que publicou o vídeo afirmou ter destruído um sistema de guerra eletrónica russo Pole-21 na frente oriental, perto de Donetsk.
A Ucrânia está a acelerar para alcançar a Rússia no que diz respeito à guerra eletrónica.
Este ataque também mostra como Kiev se apressa a destruir a tecnologia de Moscovo no campo de batalha - um sinal da sua importância para o futuro da guerra.
A guerra eletrónica envolve armas ou táticas que utilizam o espectro eletromagnético. Está a ser utilizada por ambos os exércitos neste conflito, predominantemente através de bloqueadores eletrónicos que desativam os sistemas de mira guiados por GPS, fazendo com que os rockets não atinjam os alvos.
Ao fim de quase seis meses de contraofensiva lenta e penosa da Ucrânia, é evidente que a Rússia não construiu apenas defesas físicas, mas também defesas eletrónicas formidáveis, e os soldados ucranianos na linha da frente estão a ter de se adaptar rapidamente.
Pavlo Petrychenko, o comandante dos drones da 59.ª Brigada Motorizada da Ucrânia, que levou a cabo o ataque no início de novembro, afirma que destruir com sucesso estes sistemas é fundamental para que a Ucrânia possa libertar mais território. O vídeo que publicou nas redes sociais faz parte de um número crescente de relatos militares e mediáticos ucranianos de ataques bem sucedidos contra os sistemas Pole-21, desde o verão.
"No início do conflito, utilizaram a guerra eletrónica para interferir com as nossas comunicações, os nossos walkie-talkies, radiocomunicações, telefones, drones", disse à CNN, numa videochamada, a partir de Avdiivka, na frente oriental, onde se registam atualmente alguns dos combates mais ferozes da guerra.
"Mas quando começámos a receber equipamento estrangeiro, eles começaram a utilizar estes sistemas para anular as nossas armas. Uma vez que o HIMARS (lançador múltiplo de rockets) e o Excalibur 155 (projétil de artilharia de longo alcance), ambos fornecidos pelos EUA, são guiados por satélites, a guerra eletrónica é ativamente utilizada pela Rússia como um elemento de defesa contra nós", afirmou Petrychenko.
Uma fenda na armadura da Ucrânia fornecida pela NATO
E esse é o problema para a Ucrânia. Os bloqueadores russos transformaram a vantagem tecnológica do arsenal de armas "inteligentes" - guiadas - fornecidas pelo Ocidente à Ucrânia numa vulnerabilidade.
Os mísseis guiados de precisão e os sistemas de rockets guiados de lançamento múltiplo - como o HIMARS - são, por natureza, mais vulneráveis à guerra eletrónica do que as armas não guiadas, porque dependem do GPS para atingir os seus alvos. As armas não guiadas, comuns nos stocks da era soviética, tanto da Rússia como da Ucrânia, antes de 2022, não o fazem.
O sistema Pole-21, concebido para bloquear os sinais de GPS para proteger os bens russos da aproximação de drones ou mísseis, é apenas uma das características do crescente arsenal eletrónico de Moscovo.
Perturbar, ou ludibriar o sinal de GPS - este último uma técnica que engana eficazmente um drone ou míssil inimigo, levando-o a pensar que está noutro lugar - o radar, o rádio e até as comunicações celulares fazem parte do manual do Kremlin.
Em setembro, a agência noticiosa estatal TASS informou que o primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, disse numa reunião governamental que a produção de tipos-chave de equipamento militar, incluindo de guerra eletrónica, tinha duplicado nos primeiros oito meses do ano.
Especialistas e funcionários ucranianos também afirmam que a Rússia já integrou totalmente a guerra eletrónica nas suas tropas.
O comandante-chefe da Ucrânia, Valery Zaluzhny, escreveu num ensaio recente que a Rússia está agora a produzir em massa o que ele chama de "guerra eletrónica de trincheira".
"O nível tático das tropas russas está saturado com (este equipamento)" e, apesar das perdas de equipamento, Moscovo ainda mantém "uma significativa superioridade em termos de guerra eletrónica", acrescentou Zaluzhny.
Zaluzhny também destacou os projécteis Excalibur de fabrico americano, observando que "a sua capacidade diminuiu significativamente, uma vez que o sistema de mira (que utiliza GPS) é muito sensível à influência da guerra eletrónica inimiga".
O porta-voz do Pentágono, o major Charlie Dietz, afirmou que, "embora o impacto da interferência russa tenha sido observado" em certos sistemas fornecidos pelos Estados Unidos, incluindo os lançadores de foguetes HIMARS, "não tornou esses sistemas ineficazes".
Dietz adiantou ainda que a Defesa tomou medidas para reduzir essas vulnerabilidades, empreendendo "esforços substanciais para reestruturar e atualizar estes sistemas". Acrescentou ainda que as atualizações estão "a ser implementadas o mais rapidamente possível para contrariar os efeitos da interferência da guerra eletrónica".
Do exército de drones ao exército eletrónico
A Ucrânia disse que conseguiu centuplicar a produção nacional de drones este ano - algo que transformou o campo de batalha.
O homem por trás disso, o ministro ucraniano da transformação digital, Mykhailo Fedorov, espera agora repetir esse sucesso com a guerra eletrónica - até porque os drones são muitas vezes vítimas da guerra eletrónica.
"Não estamos apenas a aumentar a produção de drones, estamos também a aumentar a produção de sistemas de guerra eletrónica e, de um modo geral, a mudar a abordagem à utilização da própria guerra eletrónica", disse Fedorov numa entrevista à CNN a partir de Kiev. "Toda a doutrina de utilização desta tecnologia está a mudar do nosso lado."
Isto implica não só integrar a guerra eletrónica como uma camada de proteção no campo de batalha, mas também fazê-lo de forma inteligente.
Fedorov advertiu contra a "saturação excessiva" do campo de batalha, mas, em vez disso, apoia a conceção de sistemas de guerra eletrónica que possam ser controlados remotamente, de modo a visarem apenas o equipamento inimigo.
Caso contrário, existe o risco de que os sistemas de guerra eletrónica se virarem contra eles, derrubando os próprios drones, acrescentou Fedorov.
Um relatório de novembro de 2022 do think tank britânico Royal United Services Institute sugeriu que aquilo a que chama "fratricídio eletrónico" - atingir acidentalmente as próprias forças - foi um problema tão grande do lado russo nos primeiros dias da guerra que tiveram de reduzir os esforços da guerra eletrónica para evitar sabotar as suas próprias comunicações no campo de batalha.
No entanto, a tarefa mais importante por agora, diz Fedorov, é a Ucrânia adquirir a tecnologia necessária para programar os seus drones para atingirem o equipamento de guerra eletrónica inimigo em grande escala.
Isso seria uma mudança de jogo para os operadores de drones como Petrychenko, que admite estar num jogo de gato e rato, à caça de equipamento russo.
Neste momento, a melhor esperança que têm é que os vídeos, como o do ataque do drone no início de novembro, se tornem virais, disse Petrychenko. Com tantas tropas ucranianas nas redes sociais, qualquer imagem viral como esta funcionaria como um manual, ajudando-as a identificar as antenas russas no campo de batalha.
É evidente que isto está a mudar o jogo para além da Ucrânia.
"Penso que o que estamos a ver a acontecer na Ucrânia é um vislumbre do que é a guerra moderna hoje em dia", considerou Kari Bingen, diretora do Projeto de Segurança Aeroespacial do think tank norte-americano Center for Strategic and International Studies e antiga vice-secretária da Defesa do Pentágono. É um futuro em que "as capacidades de guerra eletrónica e as táticas estão integradas nas operações das forças convencionais", acrescentou.
Dietz, o porta-voz do Pentágono, disse que os EUA estão "a avaliar e a adaptar ativamente as suas estratégias" em matéria de guerra eletrónica e que a consideram um "aspeto fundamental dos compromissos militares contemporâneos e futuros".
Fedorov disse que a Ucrânia está a investir diretamente na guerra eletrónica, mas também a seguir os passos do seu programa de drones, incentivando a produção nacional, mas não esconde que precisam da ajuda dos aliados ocidentais, tanto em termos de equipamento como de conhecimentos especializados.
"O Ocidente tem toda a tecnologia de que precisamos. A questão que se coloca é como a utilizar, e é uma questão importante. Temos de pensar na próxima fase tecnológica da guerra."
*Katharina Krebs e Haley Britzky contribuíram para este artigo