O objetivo "megalómano" da Rússia que inclui Lisboa: afinal, o que está em causa? "O neoestalinismo"

5 abr 2022, 19:53
Vladimir Putin. Arquivo AP

O ex-presidente russo Dmitry Medvedev acaba de incluir o nome da capital portuguesa entre os objetivos russos. Eis o que significa e que perigo representa

“Uma Eurásia unida, de Lisboa a Vladivostok.” Este é o objetivo final da Rússia, anunciado esta terça-feira por Dmitry Medvedev - que é atualmente vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia. Fê-lo numa mensagem divulgada no seu canal do Telegram. Mas o que significa este conceito de Eurásia unida? E porquê invocar agora este objetivo de Moscovo? 

A investigadora Maria Raquel Freire, especialista em assuntos relacionados com o espaço pós-Soviético e Rússia, salienta que a criação de uma Eurásia unida “não é um objetivo novo”. “Esta ideia da grande Eurásia, onde a Rússia é um grande ator, vem de trás, quando [Sergey] Karaganov [antigo conselheiro do Kremlin] anunciou em 2015, no painel de especialistas da OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa], a criação da Grande Comunidade Euroasiática. É, no fundo, uma reinvenção da OSCE, mas na qual a Rússia desempenha um papel mais importante”, explica em declarações à CNN Portugal. 

De acordo com Helena Ferro Gouveia, especialista em assuntos internacionais, este objetivo é sustentado por pensadores que recuperaram “a ideia de uma Rússia gloriosa”, como Alexander Dugin, que em 1997 defendeu que os agentes russos deviam fomentar divisões raciais e religiosas nos EUA. Aliás, acrescenta, as ideias de Dugin “influenciam bastante a extrema-direita europeia”, daí que “o apoio dado pela Rússia a Donald Trump e aos movimentos extremistas no país não seja inocente”.  “Num momento em que a Rússia se tornou num Estado pária e tem apenas o apoio de países como a Coreia do Norte e a Eritreia, tenta manter a pressão e expressar aqui um neoestalinismo ou até um neoimperialismo”, diz. 

Questionada sobre o porquê de trazer de novo este objetivo para cima da mesa numa altura em que o Ocidente está de costas voltadas para Moscovo, tendo em conta a invasão da Ucrânia, Maria Raquel Freire afirma que esta narrativa pode “ajudar a desviar as atenções” do conflito. “O objetivo mais maximalista no início desta guerra - o eventual controlo da Ucrânia por parte da Rússia - não deverá acontecer. A Rússia tem alterado um pouco a forma como enquadra a sua intervenção, até para uma justificação interna daquilo que poderá ser uma vitória. Para isso, a narrativa da Eurásia pode ajudar a desviar as atenções.”

Trata-se assim de “uma tentativa de reposicionar a Rússia, que está isolada, e de tentar fazer com que se repense na segurança entre Lisboa e Vladivostok”, salienta a investigadora, lembrando que esta era a fórmula da antiga CSCE (Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa), atual OSCE. “A OSCE inclui os EUA e o Canadá, pelo que se define muitas vezes como indo de Vancouver a Vladivostok. Estas propostas russas já constavam do Tratado de Segurança Europeu, que o próprio Medvedev apresentou em 2008 e que ia um pouco nesta linha da exclusão desses dois países para formar uma nova organização”, acrescenta Maria Raquel Freire. 

Para Helena Ferro Gouveia, este anúncio surge como uma “ameaça velada” ao Ocidente: “Se olharmos para a União Europeia - e Lisboa é o extremo ocidental -, nunca tinha estado tão unida numa questão de política externa - tem agido em bloco. Em diplomacia todas as palavras pesam.” Mas, para a investigadora, esta ameaça não passará disso mesmo, considerando “impossível” que a Rússia consiga atingir esse objetivo, que classifica como “megalómano”. “É impossível um país como a Rússia atravessar a Europa inteira. Nem mesmo com o seu poderio militar consegue. Aqui estamos perante uma retórica aguerrida. Estão a jogar com as perceções e com o medo da população do reerguer de uma ‘Grande Rússia’, que já o foi mas não é.”

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