"O gás russo está a abastecer muitos lares chineses e os carros fabricados na China estão a circular nas estradas russas": Pequim só tem olhos para Moscovo (e Taiwan, claro)

CNN , Simone McCarthy
7 mar, 14:38
Wang Yi (Associated Press)

China critica os "absurdos inexplicáveis" dos controlos comerciais dos EUA, ao mesmo tempo que elogia os laços com a Rússia

O principal diplomata da China criticou a política comercial "desconcertante" de Washington durante uma conferência de imprensa nesta quinta-feira, à margem de uma reunião política em Pequim, onde os líderes chineses têm defendido o desenvolvimento de alta tecnologia face às crescentes restrições dos Estados Unidos.

O ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, acusou os EUA de "conceberem várias táticas para reprimir a China" e afirmou que a lista de sanções unilaterais "cada vez mais extensa" de Washington tinha atingido "níveis desconcertantes de absurdo inexplicável".

"Se ficam nervosos sempre que ouvem a palavra China, onde está a sua confiança como país importante?", disse Wang, em resposta a uma pergunta sobre o comércio com os EUA e as restrições tecnológicas.

"Se quer apenas prosperar sozinho e nega o desenvolvimento legítimo a outros países, onde está a justiça internacional? Se monopoliza persistentemente a parte superior da cadeia de valor e mantém a China na parte inferior, onde está a justiça e a concorrência?", questionou ainda.

Wang fez estes comentários durante um briefing anual do Ministério dos Negócios Estrangeiros, realizado durante cada reunião das "duas sessões" [em que se reúnem a legislatura e o órgão consultivo de topo da China]. Embora altamente coreografado, o encontro de mais de uma hora é uma oportunidade fundamental para o principal diplomata chinês expressar a visão da política externa do país diretamente aos meios de comunicação social de todo o mundo.

Em contraste com os seus comentários sobre os EUA, Wang elogiou a relação crescente e o comércio recorde da China com a Rússia - salientando este facto perto do início da conferência, quando um repórter dos meios de comunicação social estatais russos fez a primeira pergunta por parte entre os jornalistas estrangeiros.

Os comentários de Wang sobre os EUA surgem numa altura em que Washington continua a tentar reduzir os tipos de tecnologia de ponta a que a China pode aceder. Em outubro, a Casa Branca reduziu ainda mais os tipos de semicondutores que as empresas americanas podem vender na China, com o objetivo de garantir que a tecnologia americana não será utilizada para reforçar as forças armadas chinesas.

Nos últimos anos, os EUA impuseram sanções contra atores chineses devido a uma série de questões, incluindo alegações de abusos dos direitos humanos em Xinjiang, o comércio ilícito de fentanil e o apoio à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Wang falou também do que tem sido um período de relativa estabilidade entre a China e os EUA. Adoptando por vezes um tom mais suave, Wang referiu que se registaram "algumas melhorias" nas relações entre os EUA e a China desde a cimeira entre o presidente dos EUA, Joe Biden, e o líder chinês, Xi Jinping, em São Francisco, em novembro passado.

Wang apelou a Washington para que trabalhe com Pequim "para colocar a relação de novo na via do desenvolvimento estável, sólido e sustentável".

O que tem estado na agenda das reuniões desta semana é o esforço da China para reforçar a sua "autossuficiência e força na ciência e tecnologia", com Pequim a enviar uma mensagem de que irá aumentar a sua autossuficiência em vez de se sentar e esperar que os atritos tecnológicos com os EUA melhorem.

O governo anunciou planos para aumentar seu orçamento anual para ciência e tecnologia em 10%, para um valor sem precedentes de 370,8 mil milhões de yuans (51,6 mil milhões de dólares) - o maior salto desde 2019, após anos de crescimento mínimo.

Relações com a Rússia

Wang também elogiou os fortes laços comerciais entre a China e a Rússia, que se aprofundaram após a invasão da Ucrânia e o subsequente isolamento económico de Moscovo na cena mundial.

O comércio bilateral entre a China e a Rússia atingiu um valor histórico de 240 mil milhões de dólares no ano passado, ultrapassando o objetivo de 200 mil milhões de dólares estabelecido por Xi e pelo seu homólogo russo, Vladimir Putin, em 2019, antes do previsto.

"O gás natural russo está a abastecer muitos lares chineses e os automóveis fabricados na China estão a circular nas estradas russas", indicou Wang. "Tudo isto mostra a forte resiliência e as amplas perspetivas da cooperação mutuamente benéfica entre a China e a Rússia."

Os laços de Pequim com Moscovo suscitaram profundas suspeitas no Ocidente, incluindo preocupações sobre a posição da China como a principal linha de vida económica do Kremlin. Embora a China afirme a sua neutralidade no conflito ucraniano, tem-se mostrado pouco disposta a utilizar a sua significativa influência económica para travar a agressão da Rússia e não condenou a invasão.

Durante a conferência de imprensa, Wang repetiu o apelo da China a conversações de paz para evitar uma escalada "impensável" e a deterioração do conflito. Reiterou igualmente a retórica do passado, que considerava a relação da China com a Rússia uma relação responsável.

Manter e desenvolver as relações entre a China e a Rússia é uma "escolha estratégica" das duas partes com base nos seus interesses fundamentais e é também "o que temos de fazer para acompanhar a tendência do mundo", justificou Wang.

"A China e a Rússia forjaram um novo paradigma de relações entre os principais países, que difere totalmente da abordagem obsoleta da Guerra Fria, com base na não-aliança, na não-confrontação e no facto de não visarem terceiros", acrescentou.

Tensões na Ásia

O diplomata também abordou as tensões latentes no disputado Mar do Sul da China, onde confrontos não mortais, mas cada vez mais tensos, entre embarcações chinesas e filipinas nos últimos meses, suscitaram preocupações sobre o risco de conflito, que poderia envolver os Estados Unidos, um aliado filipino de defesa mútua.

Na terça-feira, a Guarda Costeira das Filipinas acusou os navios chineses de efetuarem "manobras perigosas" para impedir e obstruir uma missão de reabastecimento em águas disputadas no Mar do Sul da China.

Os repórteres da CNN estiveram a bordo de uma das embarcações da Guarda Costeira das Filipinas e testemunharam como uma força muito maior de navios da guarda costeira chinesa e barcos da sua sombria "milícia marítima" encurralaram um pequeno grupo de embarcações filipinas que reabasteciam um posto militar remoto.

Apesar de um tribunal internacional ter rejeitado a reivindicação da China de direitos históricos sobre a maior parte do mar, Pequim continuou a militarizar as ilhas e mantém uma grande presença de navios da guarda costeira e de pesca para fazer valer as suas reivindicações.

"Face a uma infração deliberada, tomaremos medidas justificadas para defender os nossos direitos em conformidade com a lei. Perante uma provocação injustificada, responderemos com contramedidas rápidas e legítimas", garantiu Wang na quinta-feira.

"Também pedimos a certos países fora da região que não façam provocações, não incitem nem criem problemas", avisou, numa aparente alfinetada à presença dos EUA na região.

Os comentários do ministro dos Negócios Estrangeiros sobre Taiwan também chamaram a atenção dos que estavam atentos a qualquer evolução da política chinesa sobre Taiwan durante a reunião das "duas sessões".

O Partido Comunista da China, no poder, reivindica a democracia autónoma como seu território, apesar de nunca a ter controlado. Não excluiu o uso da força para retomar a ilha, que mantém laços não oficiais estreitos com os EUA.

Alguns observadores notaram que uma linha de um relatório entregue pelo primeiro-ministro Li Qiang na terça-feira proclamava que a China iria promover a causa da "reunificação" em vez de dizer "reunificação pacífica", como foi escrito algumas vezes no passado.

Nesta quinta-feira, ao responder a uma pergunta sobre a recente eleição de Lai Ching-te em Taiwan, cujo partido considera Taiwan uma nação soberana de facto sob ameaça da China, Wang apelou especificamente ao apoio à "reunificação pacífica".

Wang reiterou também a linguagem sóbria de que "quem quer que no mundo" apoie a independência de Taiwan ficará "queimado por brincar com o fogo".

*Sophie Jeong e Wayne Chang contribuíram para este artigo

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