Armada da Ucrânia lembra que sem caças modernos, mísseis de longo alcance e com equipamento de desminagem obsoleto não é possível replicar o modelo de combate dos aliados
Largos meses passaram e poucos foram os resultados práticos da contraofensiva ucraniana, estas são circunstâncias que têm gerado algum mal-estar entre os aliados e Kiev. Agora, são os próprios militares da Ucrânia a apresentar uma justificação: dizem que foram treinados pela NATO para a batalha errada.
Alguns veteranos de guerra da Ucrânia estão a acusar a NATO de ter falhado na preparação dos soldados ucranianos, dizem que estes operacionais acabaram por ser formados para um tipo diferente de guerra do que aquele que se vive no terreno de batalha desde o início da guerra. Os militares dizem ter recebido como treino um conjunto de teorias retiradas dos manuais e que foram ligeiramente adaptadas para a realidade ucraniana. De acordo com estes homens, foi notório que teoria e prática estavam desfasadas entre si e que essa desconexão acabou por custar vidas durante a fase inicial da contraofensiva, como noticia o jornal POLITICO.
Ryan O'Leary esteve na Guarda Nacional do Exército dos Estados Unidos durante 10 anos, esteve destacado no Afeganistão e Iraque e, no início daquilo que Putin batizou como “operação militar especial”, juntou-se à legião estrangeira na Ucrânia. Nos primeiros dias de guerra, O’Leary foi enviado para o norte da Ucrânia, juntamente com outros voluntários norte-americanos e ingleses, com o objetivo primário de travar as intenções das unidades russas de entrar Kiev. Agora, o veterano dos EUA defende que as novas brigadas ucranianas estariam mais bem preparadas se tivessem “sido treinadas por ucranianos que experienciaram o combate e que poderiam partilhar as difíceis lições aprendidas, para que os outros não as repetissem”.
Aparentemente, a maior parte do treino que os soldados ucranianos receberam foi baseado nas metodologias mais usadas pelas forças nos últimos anos: combate contra insurgentes e demonstrações de poderio militar. Ora, isto é exatamente o oposto daquilo que os soldados ucranianos têm feito desde 24 de fevereiro de 2022. Estes elementos da armada de Kiev dizem-se gratos pela parte do treino referente a táticas de infantaria básicas como operações de reconhecimento e a arte de chegar perto do inimigo sem ser detado, mas falam numa certa carência de treino com drones, desminagem, eliminação de munições explosiva e combate defensivo.
Hoje, O’Leary é o comandante de companhia da 59.ª Brigada Motorizada da Ucrânia, que está encarregue do reconhecimento e limpeza de trincheiras na contraofensiva no sudeste do país: “A NATO deveria ter-se focado no treino básico como exercícios com armas, movimentos, construção de postos de escuta e observação, camuflagem, táticas de pequenas unidades e exercícios de coesão, por exemplo”; disse o norte-americano na rede social X (antigo Twitter).
The actual tactics side of things should be trained in Ukraine by experienced Ukrainian military.
— Ryan O'Leary (@IhateTrenches) September 6, 2023
NATO should focus on basic soldiering-weapon drills, movements, building LP/OPs, camo, small unit tactics & cohesion drills as a example.
The tactics should be taught by Ukrainians…
Sem caças modernos, mísseis de longo alcance e com equipamento de desminagem obsoleto não se pode imitar a NATO
Mais a norte, surgem outras críticas provenientes da linha da frente, como noticiou o Kyiv Independent. A 32.ª Brigada Mecanizada Separada diz que apenas teve três semanas de treino na Alemanha com tropas da NATO e, apesar de demonstrar agradecimento por alguns exercícios e equipamentos ocidentais, queixam-se que os oficiais dos aliados não compreendiam a realidade em solo ucraniano.
“Um soldado de infantaria da NATO sabe que é apoiado e pode avançar com a confiança de que não há uma grande probabilidade de ser morto ou mutilado”, referiu um militar chamado Ihor.
A estratégia de guerra da NATO consiste em bombardeamentos preparatórios massivos, bloqueios de artilharia e desminagem antes que qualquer unidade de infantaria avance no terreno. É claro que o exército ucraniano - sem caças modernos, mísseis de longo alcance e com equipamento de desminagem obsoleto - foi obrigado a combater de maneira muito diferente do que é o hábito na NATO.
Aqui, é onde se insere vozes como a de O’Leary que dizem que teria sido benéfico para o treino contar também com oficiais ucranianos com experiência de combate e suboficiais com conhecimentos da geografia e da paisagem do terreno de batalha na Ucrânia.
Perante este desconhecimento, os formadores da NATO descuidaram até que os combates iriam envolver pequenas unidades que teriam de combater entre espessas linhas de árvores à semelhança do que os aliados experienciaram, na II Grande Guerra, nas sebes do noroeste de França depois de terem desembarcado na Normandia, em 1944; tal e qual acontece na linha da frente em Zaporizhzhia. O resultado, dizem os militares ucranianos, foi um excessivo número de baixas na primeira fase da contraofensiva