Demonstração de força de Putin nos céus da Ucrânia desvia a atenção da fraqueza em terra (isso e menos mísseis no arsenal)

CNN , Nick Paton Walsh
13 out 2022, 16:00

A mensagem que Moscovo enviou à Ucrânia não constituiu uma grande mudança face aos últimos sete meses de carnificina

A enxurrada de mísseis e drones russos que caiu por toda a Ucrânia na segunda-feira fizeram com que as cidades do país se sentissem bem mais próximas da guerra do que nos últimos meses.

Pelo menos 19 pessoas morreram e dezenas ficaram feridas nos ataques com mísseis apoiados por drones de fabrico iraniano. Houve infraestruturas danificadas e as casas, com o inverno à porta, ficaram sem eletricidade. No entanto, as autoridades ucranianas afirmaram que cerca de metade dos 84 mísseis foram intercetados. Os comentadores russos chegaram a sugerir que tinham sido lançados 150 mísseis, indicando que os danos poderiam ter sido maiores.

Foi um nível de força distinto aquele apresentado por Moscovo, mas isso talvez não represente uma mudança radical na sua estratégia, por duas razões.

Em primeiro lugar, é improvável que consigam manter este tipo de poder de fogo durante muito tempo. A Rússia tem vindo a disparar mísseis de forma intermitente, todas as semanas, contra alvos em toda a Ucrânia, o que já terá causado impacto no seu arsenal. Não é claro quantos drones terão recebido do Irão, mas esses também são em número limitado e refletem uma quantidade de recursos reduzida, não um excesso. Segunda-feira poderá ter sido mais uma manifestação de poder militar do que uma mudança de tática a longo prazo.

Importa recordar que Moscovo não tem tido quaisquer reservas em atingir alvos ou infraestruturas civis desde o início da guerra. Na semana anterior aos ataques de segunda-feira, a cidade de Zaporizhzhia foi atingida repetidamente por mísseis que atingiram blocos de apartamentos, matando e ferindo dezenas de pessoas. No início da guerra, em Mariupol, foram atingidos uma maternidade e um teatro transformado em abrigo, ambos sinalizados com a palavra “CRIANÇAS”. Segunda-feira não significou uma mudança repentina na moralidade da Rússia. Limitou-se a fazer a mesma coisa que tem feito durante a guerra, mas numa escala maior.

Em segundo lugar, não produziu grandes resultados. Para o volume de mísseis de cruzeiro gastos, os danos às infraestruturas da Ucrânia estiveram longe de ser catastróficos. Kiev viveu cenas aterradoras com ruas lotadas em hora de ponta a serem atingidas – assim como parques infantis e jardins – e um horror que não via há meses. O efeito prático do dia em que os ucranianos tiveram de se esconder em abrigos antiaéreos foram alguns danos na infraestrutura energética e a perda de vidas civis, mas também a promessa da Casa Branca de fornecer as defesas antiaéreas avançadas que Kiev tem vindo a pedir há meses.

Num local que visitámos em Dnipro, onde dois mísseis de cruzeiro de elevado custo atingiram um prédio de telecomunicações abandonado e um autocarro civil, criando uma enorme cratera, a estrada já tinha sido pavimentada na manhã de terça-feira, de acordo com imagens publicadas por habitantes locais. Mesmo os danos não foram permanentes.

Então qual foi o objetivo? A mensagem que Moscovo enviou à Ucrânia não constituiu uma grande mudança face aos últimos sete meses de carnificina. Propagou a guerra a cidades ucranianas que já se sentiam mais seguras. Mas voltou a unir os aliados da Ucrânia e acelerou o envio das defesas antiaéreas de que Kiev precisava.

A mensagem que enviou provavelmente só foi eficaz a nível interno. Putin tem estado sob intensa pressão, sofrendo uma invulgar oposição e crítica abertas à forma como tem conduzido a guerra nas últimas semanas desde a desastrosa efetivação de uma mobilização parcial que arrastou de repente mais outras dezenas de milhares de famílias russas para a guerra. As suas tropas estão a recuar em três frentes separadas, sem capacidade para se reabastecerem, e em maior risco agora que a Ponte de Kerch que liga o continente à Crimeia provou ser altamente vulnerável. Os pedidos para que “faça alguma coisa” têm vindo a tornar-se ensurdecedores.

E depois de três horas de puro terror em toda a Ucrânia, foi feita “alguma coisa”. Os críticos que surpreenderam ao falar da guerra – como o líder checheno Ramzan Kadyrov – ficaram subitamente satisfeitos com o progresso da guerra. Os porta-vozes do Kremlin celebraram os bombardeamentos nas redes sociais. Foi desagradável, mas sentiram ter finalmente provocado uma sensação de medo que Moscovo não conseguia há semanas. O medo é uma parte essencial da estratégia militar da Rússia, e fez com que as suas forças armadas inábeis e de baixo custo tenham parecido quase omnipotentes durante a última década. Sem ele, veem-se encalhados, a ter de lidar com um deficiente abastecimento de combustível, recrutas apavorados na linha de frente e uma falta de estratégia de força.

Mas será que vai voltar a acontecer, ou tornar-se parte das suas táticas regulares? Provavelmente não. As defesas antiaéreas da Ucrânia parecem ter feito um trabalho razoável na terça-feira na intercetação de mais mísseis russos. A ajuda por parte do Ocidente irá provavelmente melhorar essa eficácia nas próximas semanas. A Rússia mostrou-se incapaz de atingir objetivos com grande precisão, falhando algumas vezes o alvo, outras sem sequer saber em que estavam a acertar, como já vimos antes.

O efeito dos bombardeamentos na opinião pública russa também será provavelmente efémero. Eles continuam a perder território e tropas na linha da frente. Continuam sem conseguir equipar adequadamente aqueles que obrigaram a combater. Estes problemas serão sentidos em cada vez mais casas russas, assim que se dissipe o fugaz momento de força bruta proporcionado por estes ataques.

Estes ataques assinalam uma barulhenta e selvagem mudança de tom por parte do novo comandante da Rússia, Sergei Surovikin, um homem cuja carreira ficou marcada pelo bombardeamento indiscriminado de civis sírios e pela brutal segunda guerra da Rússia na Chechénia. Talvez seja apenas um ponto num longo capítulo de fracassos, ou uma forma de simplesmente anunciar a sua chegada.

No entanto, é improvável que a Rússia tenha recursos para repetir o horror de segunda-feira, ou a inteligência para torná-lo tão eficaz como oneroso. Proporciona um momento de alívio macabro, mas desesperadamente necessário, para um Kremlin que há semanas observa a narrativa da guerra a ser ditada pela Ucrânia. Mas não deixar de ser um sinal de desespero.

E mesmo ao anunciá-las, as ameaças de Putin soaram menos estridentes: disse que os futuros ataques irão ter uma resposta à altura da ameaça enfrentada pela Rússia. Houve menos retórica nuclear, e nenhuma promessa de continuar uma investida indiscriminada. Mesmo durante o breve momento em que impôs o terror em toda a Ucrânia, Putin interveio a partir de uma posição de fraqueza cada vez maior, e desta vez com menos algumas dezenas de mísseis de cruzeiro no seu arsenal.

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