A ponte explodiu, a Rússia respondeu: o dia em que a guerra voltou a Kiev no bombardeamento mais intenso desde a primeira semana do conflito

10 out 2022, 13:43

Onze mortos, 60 feridos, mais de 80 mísseis disparados da Rússia para território ucraniano. Um ataque à capital ucraniana como não acontecia há vários meses

Oitenta e três. É este o número de mísseis disparados pela Rússia que até às 11:34 desta segunda-feira tinha sido registado pelo Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia. Destes, 43 foram intercetados pelas defesas antiaéreas da Ucrânia. Mas dezenas caíram, destruíram e mataram, num ataque a fazer lembrar os primeiros tempos de guerra e que atingiu o coração da Ucrânia - a capital Kiev, que desde junho escapava à mira russa. 

Mas não foi apenas Kiev a ser atingida. Os ataques, que fizeram pelo menos onze mortes e 60 feridos, atingiram oito regiões ucranianas e as cidades de Dnepropetrovsk, Kharkiv, Zaporozhzhia, Ternopil, Odessa, Krivoy Rog, Lviv, Zhytomyr, Rivne, Nikolaiv, Krapivnitsky, Kremenchug e Konotop. A Ucrânia esteve, como escrevia Vitali Klitschko, autarca de Kiev, sob um "ataque terrorista russo", numa ofensiva vista como uma retaliação à explosão da ponte Kerch.

Na primeira comunicação que fez hoje ao país, Volodymyr Zekensky acusou a Rússia de querer "destruir o povo" ucraniano e "limpá-lo da face da terra", pedindo à população que não saísse dos abrigos e se protegesse. Uma recomendação que o próprio não cumpriu, uma vez que se filmou junto ao Palácio Mariinsky, a residência presidencial no centro de Kiev, enquanto a capital ucraniana estava debaixo de fogo de "terroristas", como o próprio escreveu.

"A manhã é difícil. Estamos a lidar com terroristas. Dezenas de mísseis [foram disparados]", começou por dizer o presidente ucraniano, acrescentando depois que os russos tinham dois alvos: as instalações de energia e as pessoas. "Procuram o pânico e o caos, querem destruir o nosso sistema de energia. Estão sem esperança. O segundo alvo são as pessoas. Escolheram especificamente o horário e os os locais para causar mais danos. Fiquem nos abrigos hoje. Sigam sempre as regras de segurança. E lembrem-se sempre: a Ucrânia existia antes deste inimigo aparecer, a Ucrânia continuará a existir".

O ataque é, de acordo com a CNN Internacional, o mais intenso bombardeamento de mísseis e rockets desde fevereiro e atingiu, segundo os serviços de emergências ucranianos, infraestruturas de energia, de comunicações e militares. Ao atingir edifícios de energia, várias cidades ficaram sem eletricidade, como foi o caso de Lviv, Zhytomyr, Sumy, Kharkiv, Khmelnitsky, Poltava, Ternopl e Lutsk. Também Kiev e outras cidades sofreram constrangimentos na rede elétrica causados pelos ataques que aconteceram três dias depois do forte desaire da Rússia na Crimeia.

Também uma ponte pedonal e um parque infantil no centro de Kiev foram atingidos nos ataques, sendo que na hora a que os mísseis atingiram as cidades muitas pessoas estavam na rua a caminhar, a caminho do trabalho, dentro dos carros ou dos transportes públicos. Depois do ataque, milhares correram a procurar abrigo nos túneis do metro, que foi suspenso durante a manhã. A circulação seria retomada pouco depois das 13:00 (hora local, menos duas horas em Lisboa), apesar do metro continuar a servir de abrigo à população.

"A resposta será dura"

Zelensky não foi o único a reagir aos ataques, muito menos a falar de terrorismo. Também o presidente russo falou esta segunda-feira sobre os mísseis disparados para território ucraniano, confirmando a autoria dos ataques e dizendo que os mísseis de longo alcance disparados atingiram instalações de energia, militares e comunicações.

Na mensagem transmitida durante o Conselho de Segurança, que se reuniu esta manhã, Vladimir Putin voltou a acusar a Ucrânia pelo ataque à ponte Kerch, dizendo que se tratou de um "ato de terrorismo". Citado pela Sky News, o presidente russo disse ainda que a Ucrânia tentou "explodir" o gaseoduto TurkStream.

"Se os ataques contra a Rússia continuarem, a resposta será dura. As respostas serão na mesma escala que a ameaça à Rússia. No caso de novas tentativas de realizarem atos terroristas no nosso território, a resposta da Rússia será dura", afirmou Putin.

Já o líder da Chechénia, Ramzan Kadyrov, aliado do presidente russo, foi mais longe e aconselhou mesmo Zelensky a fugir "antes de ser atingido". 

"Agora, estou 100% satisfeito com a maneira como a operação especial está a ser conduzida. Nós avisamos, Zelensky, que a Rússia ainda não começou. Para de reclamar como uma escória. É melhor fugir, antes de ser atingido. Corre. Corre Zelensky, corre sem olhar para o Ocidente", afirmou Kadyrov, citado pela TASS.

Esta agressividade nas respostas é algo que não era visto desde o início da guerra e que surge numa altura em que a Ucrânia parecia recuperar terreno conquistado pela Rússia durante o conflito. No entanto, de acordo com André Matos, professor de Relações Internacionais, em entrevista à CNN Portugal, esta resposta mais agressiva terá sido espoletada pela explosão na ponte que liga a Crimeia à Rússia e outras respostas deste género podem suceder-se. 

"A guerra ainda não terminou. Este tipo de ataques e contraataques irá manter-se. Por outro lado, sabemos que há respostas ucranianas que vão gerar uma retaliação mais agressiva do lado russo", afirmou André Matos, acrescentando que "Vladimir Putin considerou este ataque um ataque terrorista a infraestruturas civis e tentou legitimar publicamente uma reação que também poderá envolver alvos civis". 

E foi o que aconteceu esta segunda-feira, com alvos civis a voltarem a ser atingidos e não só. O coronel Mendes Dias diz que o objetivo destes ataques será a procura da "fragilização dos grandes nós das comunicações e das infraestruturas" e cortar apoios à população, "porque são as populações que fazem andar a guerra". 

Uma guerra que o Ocidente continua a condenar e para a qual diz não haver espaço no século XXI, com a aplicação de sanções à Rússia e com apoio declarado à Ucrânia, com financiamento e reforço militar.

Logo após os ataques, Macron falou ao telefone com Zelensky e reiterou o apoio total à Ucrânia, enquanto Scholz convocou uma reunião do G7 para esta terça-feira na qual o presidente da Ucrânia estará presente. Na reunião, Zelensky irá discursar e, segundo o próprio, falará sobre "os ataques terroristas" russos. 

Também a NATO, fonte de discórdia e conflito entre Rússia e Ucrânia, condenou os ataques desta segunda-feira e revelou que vai continuar a apoiar o povo ucraniano durante o tempo que for preciso. No Twitter, Jens Stoltenberg revelou que falou com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia e que "condenou os ataques horríveis e indiscriminados da Rússia às infraestruturas civis na Ucrânia".

 A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia foi justificada pelo presidente russo com a necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia e tem sido condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.

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