Porque a Ucrânia precisa tanto da defesa antiaérea do Ocidente - e porquê só agora

12 out 2022, 18:48
Defesa antiaérea na Ucrânia (AP Photo/Evgeniy Maloletka)

Chegada do inverno vai obrigar a uma mudança de estratégia de ambos os lados da guerra

Um chuva de mísseis vinda da Rússia fez surgir o clamor do presidente Zelensky para os membros do G7: “Peço-vos que reforcem o esforço para ajudar financeiramente à criação de um escudo aéreo para a Ucrânia.” O objetivo? Proteger os céus da Ucrânia contra os ataques de mísseis "indiscriminados" da Rússia, como assinalou Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, esta quarta-feira, quando garantiu que "a principal prioridade" da Aliança "será mais defesa aérea para a Ucrânia".

Mas porque é que a defesa antiaérea é fulcral para a Ucrânia? E porquê só agora? Em entrevista à CNN Portugal, o major-general Isidro de Morais Pereira explica que Volodymyr Zelensky tem como principal objetivo não só garantir a paz à população como defender "infraestruturas críticas do seu país".

"O que Zelensky quer a todo o custo é um clamor mesmo, está a pedir 'por favor, forneçam-me armas antiaéreas, mas mais agora, mas não se esqueçam que eu também preciso de continuar a construir uma ofensiva para libertar os territórios ocupados'", começa por dizer o também o comentador da CNN Portugal, notando que "os sistemas de defesa antiaérea que a Ucrânia tem neste momento são sistemas da União Soviética".

O sistema de que o major-general fala é o S300, um "sistema que já está antiquado", composto por radares com "capacidade limitada" e que "não são capazes de identificar ameaças simultâneas", sendo que "os sistemas mais modernos, são sistemas mais integrados, que funcionam de forma automática". Ou seja, são sistemas que têm capacidade para "detetar muito mais ameaças de forma simultânea, reconhecê-las e batê-las a mais distância".

"Os sistemas S300 são antiquados, não são em número suficiente, as munições estão no limiar e a taxa de sucesso é de 50%. Zelensky pretende proteger as infraestruturas críticas do seu país (nomeadamente de produção de energia, fundamental no inverno) e dar, dentro da anormalidade, paz às populações ucranianas e às cidades onde a vida ainda é possível. Quer que aquela gente possa viver com um mínimo de paz. Assim como em Israel, onde existe a cúpula de ferro (Iron dome)", esclarece.

Por isso mesmo, Zelensky pede e clama por ajuda do Ocidente. Ajuda que já começou a chegar, a conta-gotas é certo, mas que vai ajudar a Ucrânia a proteger o seu território. "Depois de tanto pedir, Zelensky recebeu a primeira bateria IRIS-t (de defesa em cluster), que permite defender grandes áreas de terreno. Ou seja, consegue defender uma área de cerca de 40 quilómetros, detetar ameaças aéreas a cerca de 70 milhas e combatê-las a 40 milhas." 

Os NASAMS, já prometidos pelos EUA, devem chegar em breve. A garantia foi dada na terça-feira pelo porta-voz da Casa Branca, John Kirby, e confirmada esta quarta-feira pelo ministro da Defesa ucraniano. 

O major-general assinala, no entanto, que apesar de estar desfalcada no que a material diz respeito, a Ucrânia tem levado a cabo ofensivas em Kharkiv e Kherson com armas de curto alcance.

"E os sistemas [de curto alcance] que tem são muito eficazes (Flakpanzer Fepard), montado num Leopard 1 e que permite acompanhar o avanço das tropas. Permite fazer o acompanhamento das ameaças aéreas e abatê-las. O Reino Unido forneceu o Stormer HVM que é um sistema de mísseis, com seguimento por laser, e dispara mísseis Starstreak. São estes sistemas que tem permitido que as forças ucranianas conduzam ofensivas razoavelmente seguras."

Inverno não vai abrandar mísseis, pelo contrário

Apesar de antigos, foi graças aos sistemas de defesa antiaérea que, na segunda-feira, a Ucrânia conseguiu intercetar 43 dos 84 mísseis disparados pela Rússia, segundo contas de Kiev. Para o major-general, o número é baixo, uma vez que "ainda foram muitos que passaram e causaram uma destruição tremenda". "Foram atingidas 20 cidades e 30% da infraestrutura da rede elétrica. É muito", sublinha. E diz que o que o inverno não vai fazer abrandar os ataques com mísseis, pelo contrário. 

"Está-se a aproximar o inverno e o que vai acontecer são ataques através de mísseis vindos do Mar Cáspio, da Rússia continental, lançados de submarinos, mísseis de cruzeiro, de várias fontes, até da Bielorrússia, e até a utilização dos drones (kamikaze) fornecidos pelo Irão à Rússia", antecipa o especialista.

O aumento dos ataques com mísseis no inverno não é ao acaso e prende-se, sobretudo, com questões meteorológicas. O major-general lembra que as baixas temperaturas irão complicar o combate terrestre - "o terreno vai transformar-se num lamaçal não tarda" - e obrigam a uma mudança de estratégia dos dois lados da guerra: a Rússia vai aproveitar as paragens no terreno para dar formação aos soldados e irá aumentar os ataques com mísseis, e por isso a Ucrânia quer aumentar a capacidade de se defender, enquanto continua a formar militares.

"Com as temperaturas a 20/30 graus negativos, no terreno fica tudo praticamente parado. Na zona do Donbass, as temperaturas podem chegar aos 30 graus negativos. O combatente não consegue combater abaixo de 20 graus negativos, pelas queimaduras, porque um ferimento por pequeno que seja pode causar gangrena. Os combustíveis congelam. Os óleos dos hidráulicos, das peças de artilharias ficam congelados. É possível a guerra aérea (utilização de aviões) e os mísseis. É sempre possível manter os mísseis em determinados locais a coberto, aquecidos, fazê-los sair quando é necessário, disparar e recolher. E lançar mísseis de submarinos, aviões. É por isso que é tão importante dar à Ucrânia essa capacidade para se defender."

Capacidade essa que, com o apoio do Ocidente, ficará composta por oito sistemas de defesa antiaérea que permitirão proteger as principais cidades ucranianas e que Zelensky espera que sejam uma ajuda para manter a moral do povo ucraniano que se mantém a lutar pelo país. E com esperança de receberem aviões em breve.

"Porque é que estão pilotos ucranianos a serem formados nos EUA? Porque um dia destes vão receber mesmo aviões. Seja um F-16, seja o irmão gémeo coreano. Ou seja, poderemos ter na próxima primavera aviação reforçada, forças bem formadas e, eventualmente, o carro M1 Abrams", acredita Isidro de Morais Pereira.

Mais formação, mais equipamento, mais alternativas. Ingredientes que, para o comentador da CNN Portugal, farão a diferença para os ucranianos na próxima primavera. "A Ucrânia durante este tempo está a formar uma força, em Inglaterra, muito eficaz. Esta força, bem equipada, vai fazer a diferença na próxima primavera. Porque estes são de facto muito bem formados e, os russos, mesmo que ponham lá 100 ou 150 mil não têm hipótese nenhuma. Porque são forças bem equipadas e com armamento mais moderno. O equipamento ocidental convencional é muito melhor do que o russo." 

A invasão da Rússia causou já a fuga de mais de 13 milhões de pessoas da Ucrânia – mais de seis milhões de deslocados internos e mais de 7,5 milhões para os países europeus, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

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