"As únicas pessoas que falam com Putin são bajuladores que se limitam a incentivar o seu ressentimento”: quão mais intenso pode ficar o ataque russo?

1 mar 2022, 18:36
Soldados ucranianos em Kiev. Foto: Sergei Supinsky/AFP/Getty Images

As forças ucranianas têm até agora conseguido repelir as tropas terrestres russas concentradas a cerca de 30 km a norte da capital sitiada de Kiev - mas apesar de terem desmentido as previsões dos serviços de informação dos EUA de que a cidade cairia entre um a quatro dias após o início de um ataque russo em grande escala, as autoridades americanas alertam que poderá estar iminente um aumento da intensidade do ataque por parte do presidente russo Vladimir Putin

A firmeza inesperada da resistência ucraniana e os próprios erros logísticos da Rússia têm obstruído o avanço da Rússia, segundo as autoridades norte-americanas e ocidentais, gerando um frágil otimismo. Os EUA têm também continuado a partilhar informações desclassificadas com os ucranianos, inclusive relativas a movimentos militares russos, numa tentativa de ajudar a Ucrânia no campo de batalha, de acordo com duas fontes da CNN.

Mas as autoridades de defesa e informação que acompanham de perto a campanha russa dizem que Putin ainda tem uma série de manobras de reserva que podem devastar a resistência ucraniana.

“De um ponto de vista puramente militar/tático, a Rússia tem meios humanos e armamento para tomar Kiev. Sem dúvida”, revelou uma fonte americana próxima dos serviços de informação. “E não importa a capacidade de resistência dos ucranianos.”

Cerca de um quarto das tropas russas arregimentadas ainda não entraram na Ucrânia, revelou um alto quadro da defesa aos repórteres na segunda-feira - uma potencial “segunda vaga”, de acordo com duas fontes próximas dos serviços de informação - e as autoridades da defesa afirmam que Putin ainda poderá ordenar uma campanha de bombardeamento muito menos contida, incluindo ataques aéreos, mísseis de longo alcance e artilharia.

“Eles têm sido travados e estão frustrados com a falta de progresso rumo a Kiev, e uma das coisas que poderá daí resultar será uma reavaliação das suas táticas e o potencial para serem mais agressivos e mais ostensivos no seu assalto a Kiev, tanto em dimensão como em amplitude”, disse um alto quadro da defesa aos repórteres na segunda-feira.

E no fim de contas, segundo as autoridades que seguem a campanha, a verdade nua e crua é que a Ucrânia está em grande desvantagem em número de armas e de tropas - ainda que a Rússia tenha feito aquilo que os estrategas militares dizem ser uma série de erros óbvios.

A Rússia parece estar já a intensificar a sua campanha a leste e a sul. Na cidade de Kharkiv, no nordeste do país, as forças russas lançaram ataques com mísseis em pelo menos um bairro residencial, causando a morte de civis, de acordo com as autoridades ucranianas e vários vídeos nas redes sociais geolocalizados pela CNN. Enquanto isso, a sul, na pequena cidade de Mykolaiv, localizada numa enseada que seria um ponto de acesso útil para os russos introduzirem tropas e material, tem-se vindo a travar um dos combates mais intensos na Ucrânia nos últimos dias.

Preocupações acerca do estado mental de Putin

De forma bastante preocupada, as autoridades ocidentais também têm estado a observar cautelosamente Putin, sob pressão das esmagadoras sanções económicas que afundaram o rublo e levaram ao encerramento da bolsa de valores russa. Temem que estas sanções, combinadas com a falta de progresso em Kiev, possam levar o imprevisível líder russo a insurgir-se ainda mais.

Legisladores americanos próximos dos serviços de informação, autoridades ocidentais e ex-altos quadros dos EUA com profunda experiência na Rússia têm publicamente começado a levantar questões acerca da estabilidade mental do líder russo.

“Putin está completamente isolado, em parte por causa da Covid”, disse uma fonte americana próxima dos serviços de informação. “Ele está basicamente sozinho, completamente isolado da maioria dos seus conselheiros, isolado geograficamente... as únicas pessoas que falam com ele são bajuladores que se limitam a incentivar o seu ressentimento.” A nossa fonte acrescentou ainda que os serviços secretos sugeriram que Putin nem sequer tem escutado os seus oligarcas - as pessoas que tradicionalmente têm tido uma grande influência nas suas tomadas de decisão.

O senador Marco Rubio, da Flórida, o principal membro republicano da Comissão de Informação do Senado, publicou um “tweet” na sexta-feira em que afirmava: “É bastante óbvio para muita gente que algo se passa com #Putin”, sugerindo que a sua opinião era baseada em documentos dos serviços de informação. “Ele sempre foi um assassino, mas o seu problema agora é diferente & significativo. Seria um erro assumir que este Putin reagiria da mesma forma que o teria feito há 5 anos.”

No domingo, Putin ordenou que as forças nucleares da Rússia estivessem em “prontidão especial de combate”, um estado de alerta elevado que a administração Biden caracterizou como parte de um padrão de escalada não provocada e de “ameaças fabricadas”.

Em contenção?

Cinco dias após o seu ataque à Ucrânia em várias frentes, a Rússia já sofreu repetidos fracassos logísticos que, segundo autoridades de defesa e analistas militares independentes, se devem em grande parte à sua própria inoperância. As forças mecanizadas russas na linha da frente têm muitas vezes deixado para trás as próprias unidades de apoio que transportam combustível e outros recursos, deixando essas unidades expostas a emboscadas e as forças avançadas sem combustível.

“Se eles deixaram para trás as unidades de apoio ou se simplesmente não fizeram um planeamento correto ou não o executaram, eu não sei”, disse o alto quadro da defesa. Mas, “no 4.º dia, estão a ficar sem combustível e estão com problemas de logística. A nossa avaliação conclui que eles não estavam a contar tão cedo com este tipo de problemas.”

Entretanto, as autoridades ocidentais têm aplaudido a reação das forças ucranianas que se tem revelado melhor do que o previsto, em particular a eficácia com que têm utilizado mísseis de artilharia antiaérea e mísseis Stinger lançados do ombro fornecidos pelo Ocidente para derrubar um número indeterminado de helicópteros e aeronaves de asa fixa russas.

“Os russos não têm o controlo total do espaço aéreo em todo o país”, referiu o alto quadro dos serviços secretos do Ocidente. “Nas áreas em que as operações militares russas no terreno são mais intensas, é onde os russos têm um maior controlo sobre o espaço aéreo ao nível do combate em altitude.”

Mas as autoridades ocidentais continuam sem perceber ao certo o que leva a Rússia a manter algumas forças fora das fronteiras da Ucrânia, ou por que razão a Rússia ainda não iniciou o tipo de guerra eletrónica contra a Ucrânia que o Ocidente estava a antecipar - como substanciais campanhas de pirataria informática e ataques a infraestruturas essenciais.

Um funcionário disse que os EUA acreditam que a Rússia tem estado em contenção para não interromper as comunicações no terreno - uma tática que o Ocidente esperava ver ser usada logo no início, mas que ainda não aconteceu - porque as forças militares russas precisam dessa infraestrutura para comunicarem entre elas.

Quanto às tropas deixadas na fronteira, é possível que a Rússia tenha planeado um ataque em várias fases, numa tentativa de extenuar os ucranianos com uma primeira vaga e depois arrasá-los com uma segunda vaga de tropas revigoradas, de acordo com duas fontes próximas dos serviços de informação.

Também é possível, de acordo com uma dessas fontes, que a Rússia esteja simplesmente a movimentar-se cautelosamente depois de se ter deparado com uma resistência mais robusta do que o expectável.

Neste momento, segundo as autoridades, é impossível determinar durante quanto tempo as forças ucranianas serão capazes de manter os russos às portas de Kiev.

“Não consigo dar um número [quanto ao tempo que Kiev aguentará]”, disse o alto quadro dos serviços secretos ocidentais. “Não consigo dizer que serão horas ou dias.”

“Ainda que os ucranianos estejam a montar uma acirrada resistência, muito mais vigorosa do que creio que os russos anteciparam, haverá uma altura em que ficarão sem munições. Chegará um momento em que ficarão sem combustível e não vão poder mexer-se”, afirmou esta pessoa. “Estamos cientes disso e eles estão cientes disso.”

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