A história triste de Paul Bäumer (no quinto dia)

28 fev 2022, 18:24

Ao quinto dia, as duas partes no conflito sentaram-se à mesa das negociações. Ao quinto dia, soubemos que Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil, decidiu que o seu País se manterá “neutro” e não aplicará contramedidas contra a Rússia, enquanto a Suíça, País neutro, decidiu que, perante circunstâncias tão graves e excecionais, não podia manter-se confortável numa neutralidade insuportável.

Ao quinto dia, a Assembleia Geral está reunida em sessão extraordinária devido a uma decisão extraordinária do Conselho, que retira da dormência uma resolução (“Unidos para a Paz”) de 1950 para contornar o veto russo.

Ao quinto dia, a poeira ainda está a assentar relativamente a uma decisão da Alemanha que seria impensável…há cinco dias: o aumento explosivo do respetivo orçamento de Defesa, já em 2022, para 100.000 milhões de euros (o da Federação Russa é de 46.000 milhões de euros). A Rússia, essa, vê as coisas a não correrem nada bem e está, ao quinto dia, a digerir a queixa que a Ucrânia fez entrar (com fundamentos de especial inteligência jurídica) no Tribunal Internacional de Justiça.

Ao quinto dia, a União Europeia (sim, a tranquila União Europeia), pela voz da Presidente da Comissão von der Leyen e do Alto Representante Borrell, anunciou, como se fosse coisa de pouca monta, que tinha decidido alocar 450 milhões de euros ao fornecimento à Ucrânia de material militar letal. Ou seja, anunciou uma revolução. Como os Tratados não mudaram nos últimos cinco dias, assim se demonstra que a vontade política comum e o sentido de urgência podem fazer milagres. Mesmo em Bruxelas, o que não é dizer pouco.

A esta altura, o leitor já tem todo o direito de perguntar, com um piquinho de impaciência: mas, afinal, quem eram os dois Paul Bäumer?

Vou responder.

Lembrei-me dos dois Paul ao ver alguns, felizmente poucos, entusiasmados em demasia com os combates na Ucrânia, com a sua expressão estética, com os relatos de combates heroicos. Tudo isto pode ser verdade, mas era importante não esquecer o que é uma guerra, como corrói corpos e almas.

Por isso, a história do “primeiro” Paul Bäumer, o único que existiu em carne e osso: um aviador alemão que combateu durante a Primeira Guerra Mundial. Sobreviveu, fez-se dentista e veio a morrer, num acidente de avião, em 1927, quando tinha 31 anos.

Paul Bäumer é hoje imortal porque Erich Maria Remarque, ele próprio combatente nas trincheiras, o transformou no “segundo” Paul Bäumer: o herói improvável de “A oeste nada de novo”, um dos mais esmagadores romances de guerra, um dos primeiros que descreveram, com cruel pormenor, como, para quem a faz e para quem com ela sofre, a guerra não tem nada de poético. Expliquem a poesia, por favor, a uma mãe a quem anunciam que o seu filho tombou…

Desta obra monumental se fizeram dois filmes, um em 1930 e outra versão em 1979. Escolho a primeira, e Lew Ayres como a cara do nosso herói. A ele se deve um dos quase monólogos mais espantosos sobre o sofrimento da guerra, sobre a ausência de beleza da morte e do sofrimento humanos naquelas condições em que os jovens combatentes, de repente, percebem o horror absoluto.

No livro e no filme, o segundo Paul Bäumer morreu mesmo quando a guerra estava a terminar. Mas a sua vida e a sua morte eram tão irrelevantes que as notícias desse dia do exército “se resumiam a uma única frase”: “nada de novo a assinalar na frente ocidental”.

É disto que me tenho lembrado. No quinto dia da guerra, o mesmo em que morreu o enorme, brilhante e prodigioso Fernando Rocha Andrade.

Paul Bäumer vai falar à antiga escola antes de voltar para a linha da frente. É este o quase monólogo:

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