O embargo da União Europeia a 90% do petróleo que importa da Rússia é o castigo mais duro que inflige ao Kremlin, desde que o presidente Vladimir Putin ordenou a invasão da Ucrânia.
Mas uma parte mais pequena do último pacote de sanções poderia revelar-se igualmente significativa. A proibição dos seguros de navios que transportam petróleo russo tornaria mais difícil para Moscovo desviar centenas de milhares de barris por dia para outros compradores na Índia e na China, e isso poderia fazer subir ainda mais os preços mundiais do petróleo.
“Atingir a vertente dos seguros é a melhor forma de parar os fluxos de crude russo, em vez de apenas os redirecionar”, disse Matt Smith, analista líder de petróleo da Kpler, uma empresa de inteligência de mercado.
A União Europeia anunciou que as empresas da UE serão bloqueadas de “segurar e financiar o transporte” do petróleo russo para países terceiros, após um período de transição de seis meses.
“Isto fará com que seja particularmente difícil para a Rússia continuar a exportar o seu petróleo bruto e produtos petrolíferos para o resto do mundo, uma vez que os operadores da UE são importantes fornecedores de tais serviços”, afirmou a Comissão, o braço executivo da UE, numa declaração.
Espera-se que o Reino Unido se junte ao esforço da UE. Isso iria apertar ainda mais o cerco, uma vez que a Lloyd's, de Londres, está há séculos no centro do mercado dos seguros marítimos.
Até agora, a Rússia tem conseguido amortecer o golpe da queda nas exportações para a Europa, atraindo outros clientes, com descontos acentuados. Mas, se os navios não conseguirem obter o seguro de que necessitam para as entregas, isso tornar-se-á muito mais difícil a curto prazo.
“As restrições de seguro para navios russos é extremamente importante e um motivo crucial para presumirmos que nem todos os barris russos podem simplesmente ser redirecionados da Europa para outro lugar, em particular para a China e a Índia”, disse Shin Kim, chefe da análise de fornecimento e produção da S&P Global Commodity Insights. “A proibição aumentará as complicações políticas e económicas à deslocação do petróleo russo”.
Os fatores China e Índia
A proibição da UE ao transporte de crude russo por via marítima está a ser gradualmente introduzida. Mas os clientes europeus já recuaram, querendo evitar dificuldades logísticas e danos de reputação.
As exportações para o Noroeste da Europa caíram de 1,08 milhões de barris por dia, em janeiro, para pouco menos de 325 000 barris por dia, em maio, de acordo com dados de Kpler. A pressão do Ocidente forçou a Rússia a reduzir a sua produção, o que, segundo o Ministério da Economia do país, em abril, poderia cair cerca de 17 % este ano.
Mas um aumento nas exportações para a Ásia ajudou a compensar uma grande parte dessas perdas. A China e a Índia, tirando partido de enormes descontos nos preços, importaram cerca de 938 700 barris por dia, em maio, de acordo com os dados da Kpler. Em janeiro, as importações destes dois países totalizavam apenas 170 800 barris por dia.
“Passados três meses do início da guerra, as exportações russas de crude continuam em ritmo acelerado”, disse Smith. “Estão apenas a ser reencaminhadas e a encontrar novas casas.”
A proibição da UE de segurar o transporte de crude russo visa precisamente este problema. Se o Reino Unido cooperasse, faria com que fosse muito mais difícil para a Índia conseguir aguentar. O mesmo se aplica à China, onde se espera que a procura de combustível aumente, à medida que as restrições do coronavírus nas grandes cidades são atenuadas.
O mercado de seguros inclui também uma rede de resseguradoras que ajudam a partilhar o risco. Muitas destas empresas estão sediadas na Europa.
“Inicialmente, pelo menos, penso que esta situação terá um enorme impacto no mercado”, disse Leigh Hansson, um parceiro do grupo global de aplicação da regulamentação, na firma de advogados Reed Smith.
Afastar a Rússia de outros mercados teria o efeito desejado de reforçar as sanções em Moscovo, mas poderia aumentar ainda mais os preços globais da energia, enquanto a Europa e os Estados Unidos tentam travar o aumento da inflação.
“Sim, a Rússia irá sofrer uma perda de receitas, mas a Europa e os Estados Unidos irão provavelmente sofrer com um aumento substancial dos preços mundiais do petróleo”, escreveu Olivier Blanchard, antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, na semana passada, num artigo para o Peterson Institute for International Economics.
Seguros enquanto arma
As refinarias e outros importadores não são os únicos que se preocupam que as embarcações que transportam crude tenham um seguro aceitável.
“Os navios sem seguro ou com seguro insuficiente não seriam autorizados a entrar em nenhum grande porto ou a passar por pontos importantes de estrangulamento da navegação, como o Bósforo ou o Canal do Suez”, escreveu Sergei Vakulenko, um analista de energia sediado na Alemanha, numa publicação de blogue para o Carnegie Endowment for International Peace.
As instituições financeiras também permanecem cautelosas quanto à aplicação de sanções, o que pode levar a enormes multas por parte dos reguladores.
“Não é apenas uma transação que envolve uma refinaria e um produtor russo”, disse Richard Bronze, chefe de geopolítica da Energy Aspects, uma consultora de investigação sediada em Londres. “Existem todas estas outras partes que têm de estar envolvidas”.
A Rússia prometeu contornar as novas regras, apoiando-se em garantias estatais que, em teoria, poderiam ser utilizadas em vez da cobertura tradicional de seguros. A Reuters informou que a Companhia Nacional de Resseguros russa controlada pelo Estado é agora a resseguradora principal dos navios russos.
“Este problema é solucionável”, disse Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, no seu canal oficial do Telegram. “A questão do seguro de entregas pode ser resolvida através de garantias estatais no quadro de acordos internacionais com países terceiros. A Rússia sempre foi um parceiro responsável e fiável e continuará a ser esse o caminho a seguir”.
Isso significa que, provavelmente, as remessas russas não serão totalmente cortadas.
“É perturbador, mas não vai acabar com todas as exportações russas”, disse Bronze.
Mas nem todos irão encarar isto como uma solução adequada, especialmente tendo em conta as questões sobre se a Rússia seria capaz de pagar as indemnizações, caso fosse necessário, enquanto estiver sujeita a duras sanções.
“Vai haver muito mais incerteza”, disse Bronze. “Penso que reduz o número de países que está disposto a comprar”.