27 horas de carro e quase 12 quilómetros a pé: Jessie e Jacob fugiram de Kiev com a filha recém-nascida

3 mar 2022, 09:59

Quando a guerra começou o casal americano estava na Ucrânia para o nascimento da sua filha de uma mãe de aluguer. Demoraram quase dois dias para sair do país

Jacob e Jessie Boeckmann viajaram de Orange County, Califórnia, EUA, para a Ucrânia a meio de fevereiro para o nascimento da sua filha de uma mãe de aluguer ucraniana. Sabiam que a situação política no país se estava a deteriorar mas não tinham outra opção. "Antes do nascimento, o aeroporto de Kiev foi encerrado. Sabíamos que sair do país ia ser complicado, mas não imaginávamos o que nos estava reservado", contou Jessie, mais tarde, numa publicação do Instagram.

Jessie, 39 anos, é oftalmologista e Jacob, 40 anos, é cirurgião plástico. Os Boeckmann tinham já uma primeira filha, Mary, nascida em 2019, de uma mãe de aluguer ucraniana. Por isso, quando decidiram ter um segundo filho, voltaram ao país que já conheciam. Mas desta vez a experiência foi completamente diferente. Vivian nasceu a 22 de fevereiro num hospital em Kiev e os pais estavam muito felizes mas, dois dias depois, começaram os bombardeamentos. Contra a vontade dos enfermeiros, o casal decidiu deixar imediatamente o hospital. Contactaram o motorista e fugiram da cidade em direção à embaixada americana em Lviv. "Levámos quatro horas só para sair de Kiev", recordou Jessie.

A meio da viagem, perceberam que a embaixada tinha sido encerrada e que não restavam funcionários diplomáticos americanos na Ucrânia. Teriam de dirigir-se à Polónia. "O nosso condutor, Val, que apenas falava russo, aceitou levar-nos até à fronteira. Tivemos vários anjos que nos ajudaram nesta viagem e o nosso condutor foi o primeiro de todos." Para comunicarem, usavam o Google Translator. "Ele podia ter-nos deixado na beira da estrada, mas ficou connosco, apesar dos telefonemas furiosos da mulher que lhe pedia para ele voltar para casa."

Viajaram durante 27 horas até que o carro ficou parado no trânsito a cerca de 12 quilómetros da fronteira. "Eram 2.00 da manhã e decidimos dormir no carro." Às 7.00 a fila de carros começou a movimentar-se mas logo voltou a ficar parada. Foi então que o casal tomou a decisão de fazer o resto do caminho a pé.

"A nossa principal preocupação era a hipotermia porque a nossa filha tinha apenas quatro dias de vida e estava mesmo muito frio. Mas pensámos que, se não o fizéssemos naquela altura, não saberíamos quanto tempo mais iria demorar para atravessarmos a fronteira", contou Jacob à CNN

Com temperaturas abaixo de zero, a mãe colocou a bebé embrulhada ao peito, muito bem protegida, e o pai carregou às malas. Quando tudo passou, Jessie haveria de agradecer, com algum sentido de humor, ao ginásio que ambos frequentam, por os ter ajudado a manter a boa forma física que lhes permitiu fazer esta viagem "como se fosse um passeio". Só que em vez de passearem num jardim, caminhavam por entre filas de carros parados. "O cheiro dos tubos de escape era insuportável. Parámos imensas vezes para verificar se a bebé estava aquecida e se respirava bem."

"Tinha muito medo de termos tomado a decisão errada, mas à medida que passávamos por quilómetros de carros completamente parados percebi que tínhamos feito bem", contou Jessie à CNN.

Na fronteira, as pessoas amontoavam-se para tentar sair do país, empurrando-se umas às outras. Muitas crianças choravam. Vivian começou a ficar inquieta. Jessie teve manter os braços aberto para impedir que a bebé fosse esmagada pela multidão. Percebendo que estava ali uma recém-nascida, as pessoas acabaram por dar-lhes passagem. A mãe e a bebé conseguiram atravessar a fronteira mas Jacob ficou retido - os guardas não estavam a deixar passar os homens e acusaram-no de ter um passaporte falso.

Jacob teve que dormir ao relento, ainda na Ucrânia, e só seis horas depois é que, graças a muitos telefonemas e à intervenção de funcionários da Embaixada dos EUA que falaram diretamente com os guardas de fronteira, é que conseguiu, finalmente, passar para a Polónia. Quase dois dias depois de terem deixado o hospital, a família estava finalmente a salvo.

“A Cruz Vermelha montou centros de assistência aos refugiados e havia autocarros a transportar as pessoas para a estação de comboio mais próxima. Na estação, foi uma visão muito triste porque muitas mulheres e crianças foram separadas dos seus pais, maridos e irmãos”, contou Jacob. “Podíamos ver o olhar de desespero nas pessoas, sem saber o que fazer ou para onde ir.”

 

Em Varsóvia, o casal conseguiu finalmente tratar da documentação da sua filha para regressar aos Estados Unidos. A sua história acabou bem. Mas eles sabem que tiveram sorte. Na segunda-feira, Jessie recebeu uma mensagem de Lilya, a mãe de aluguer ucraniana: "Estamos a ser bombardeados com muita violência. Temos medo do que vai acontecer a seguir.”

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