Responsáveis oficiais dos EUA alertam: Rússia irá atingir cada vez mais alvos civis e procurar a “aniquilação lenta” dos militares da Ucrânia

Por Katie Bo Lillis, Barbara Starr, Jim Sciutto and Jeremy Herb, CNN
3 mar 2022, 01:06
Guerra na Ucrânia

A estratégia da Rússia na guerra contra a Ucrânia está a mudar para uma “aniquilação lenta” das forças armadas ucranianas, dizem à CNN responsáveis oficiais dos Estados Unidos e de outros países ocidentais. Os mesmos responsáveis alertam que a Rússia poderá concentrar-se em bombardeamentos sangrentos e mortais de cidades e de alvos civis, à medida que o conflito se torne numa pulverizadora guerra de desgaste

Até agora, as forças ucranianas conseguiram rechaçar a pressão inicial da Rússia, mantendo o controlo de Kiev e de outras grandes cidades. Mas elas continuam massivamente subdimensionadas em armas e em combatentes. E a Rússia está agora a trazer armamento mais pesado e destrutivo, e a atacar cada vez mais infraestruturas civis, depois de um foco inicial em alvos militares, disseram os mesmos responsáveis oficiais.

A mudança de estratégia provavelmente reflete o reconhecimento do presidente russo, Vladimir Putin, de que o seu plano inicial para derrubar rapidamente Kiev falhou, disse um alto funcionário da inteligência ocidental - em parte porque os ucranianos lutaram com muito mais afinco do se que antecipava, e em parte porque erros de logística e de abastecimento atrasaram o avanço russo.

Mas estes responsáveis oficiais do Ocidente esperam que a Rússia agora intensifique o bombardeamento com armas pesadas de cidades da Ucrânia, e potencialmente marche com "dezenas de milhares" de tropas, disse um responsável oficial dos EUA. Mais ou tarde ou mais cedo, alertam os responsáveis, as forças armadas da Ucrânia provavelmente ficarão sem os abastecimentos necessários para manter a luta.

Os EUA entregaram centenas de mísseis Stinger à Ucrânia nos últimos dias, incluindo mais de 200 na segunda-feira, de acordo com um responsável de uma autoridade dos EUA e com uma fonte do Congresso bem informada sobre o assunto. Mas os EUA e a NATO já deixaram claro que não vão enviar tropas para defender a Ucrânia.

“A cruel matemática militar”

A vontade da Ucrânia de lutar "está a prolongar isto", disse o alto funcionário de um serviço de inteligência ocidental. “Mas a cruel matemática militar acabará por surgir, na ausência de qualquer intervenção, na ausência de qualquer mudança fundamental nesta dinâmica”.

Para a Ucrânia, cujas forças militares e população civil não mostraram quaisquer sinais de capitulação, a guerra parece estar prestes a tornar-se uma luta sinistra pela sobrevivência durante um futuro prolongado e incerto.

Os números já são sinistros: a Rússia perdeu à volta de 3% a 5% de seus tanques, aviões, artilharia e outros ativos militares na Ucrânia – em comparação com perdas ucranianas de cerca de 10% de suas capacidades, de acordo com duas autoridades americanas conhecedoras das últimas informações da inteligência.

Moscovo apoiou-se fortemente nos seus mísseis de cruzeiro de precisão mais modernos, de acordo com uma fonte próxima da inteligência, degradando fortemente a infraestrutura militar da Ucrânia. Enquanto isso, a Ucrânia continuou a “queimar” o seu stock de mísseis Javelin, que são disparados sobre os ombros.

A assistência da segurança ocidental entrou pelas fronteiras da Ucrânia nos últimos dias, dizem responsáveis oficiais de defesa e inteligência, embora tenham declinado fornecer detalhes sobre quanto, exatamente de que tipo ou como ela está a chegar às forças ucranianas em guerra.

Declarações públicas das autoridades ucranianas sugerem que isto não é suficiente.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba, disse ao secretário de Estado norte-americano Antony Blinken, numa chamada na quarta-feira, que a Ucrânia precisa de entregas adicionais de armas "agora", como escreveu Kuleba no Twitter.

"Eles precisam de balas. Eles precisam de ligaduras. Eles vão precisar de combustível. Eles vão precisar de munições, além do apoio humanitário para ajudar com assistência médica, para manter hospitais, tanto para feridos de combate como para civis que estão a ser atingidos", disse o alto funcionário de inteligência sobre os meios ucranianos.

"E eles vão precisar de grandes quantidades, de novo em munições e em reabastecimento de armas, porque a força russa é, tanto numérica como qualitativamente, superior", disse o mesmo responsável.

Receios de vítimas civis

Além de arrasar as forças armadas da Ucrânia, os responsáveis oficiais norte-americanos e ocidentais temem que as táticas de cerco da Rússia causem pesadas baixas civis, já que Moscovo em última análise quer tomar Kiev, a capital da Ucrânia.

Enquanto as primeiras noites da campanha russa se dirigiram a locais militares, nas três últimas noites houve ataques com mísseis, artilharia e rockets contra muitas zonas civis, onde há edifícios administrativos, mas não instalações de segurança.

A CNN conseguiu confirmar ataques em Irpin, perto de Kiev, bem como em Mariupol, Borodjanka, Kharkiv e Kherson.

A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, acusou a Rússia de trazer na quarta-feira para a Ucrânia armas proibidas pela Convenção de Genebra.

"Vimos vídeos de forças russas a levar para a Ucrânia armas excecionalmente letais, que não têm lugar no campo de batalha. Isto inclui munições de fragmentação e bombas de vácuo [termobáricas] - que são proibidas pela Convenção de Genebra", afirmou Linda Thomas-Greenfield.

Um alto funcionário da defesa disse terça-feira que os EUA não puderam provar que foram usadas pelos militares russos munições de fragmentação ou bombas de vácuo.

“É provável que vejamos uma expansão do que vimos nas últimas 48 horas, o que já é um grau elevado de destruição de infraestruturas civis – seja ela intencional ou não”, disse o alto funcionário da inteligência. "O nível de violência vai aumentar. O número de refugiados vai aumentar. O número de vítimas civis e civis mortos vai aumentar."

Russos viram-se para forças mais pesadas

A ofensiva militar russa enfrentou certamente vários problemas - alguns de sua própria autoria, dizem as autoridades.

Uma coluna de 64 quilómetros de tanques, veículos blindados e artilharia a reboque a norte de Kiev está "empatado", disse na quarta-feira o alto funcionário da defesa.

Segundo o responsável oficial, os EUA avaliam que há vários fatores que parecem ter atrasado o avanço da Rússia para Kiev, incluindo problemas de combustíveis e de alimentos, uma "resistência rija" efetiva dos ucranianos e possíveis problemas de moral nas fileiras da Rússia.

Mas o responsável oficial advertiu que os russos aprenderiam com seus erros e iriam adaptar-se.

O responsável de inteligência ocidental disse que, depois de uma semana de guerra, as forças armadas russas parecem ter percebido que a sua abordagem inicial à Ucrânia era problemática, ao confiar na utilização de unidades mais leves, que eram mais móveis, mas menos capazes de se suportar a si próprias.

"Acho que parte do que estamos a ver são eles a recuperar, vendo que agora é hora de introduzir tropas mais pesadas", disse o responsável oficial. “Acho que a nossa preocupação é com o facto de eles parecerem estar a trazer forças mais pesadas, com mais blindagem, mais artilharia de longo alcance, armamento mais pesado, que não são apenas mais destrutivas na sua natureza, mas, francamente, são também menos precisas. "

Publicações nas redes sociais e inteligência de fontes abertas, bem como vídeos e outras informações divulgadas pela Ucrânia, sugeriram que muitas tropas russas não estavam preparadas ou estavam até desinformadas sobre a verdadeira natureza da missão para que foram enviados. Com base nesses relatórios de fontes abertas, os responsáveis oficiais do Ocidente acreditam que o moral das tropas, pelo menos entre algumas unidades terrestres, é muito baixo, disseram os responsáveis à CNN.

Isso também pode atrasar o progresso russo, disseram os responsáveis oficiais. Talvez igualmente significativos sejam os esforços ucranianos para divulgar as baixas russas e permitir que os soldados russos capturados liguem para seus entes queridos em casa - esforços que podem informar a população russa sobre a guerra que está a ser travada em seu nome no estrangeiro.

"Eles [a Rússia] têm de impedir o conhecimento das baixas russas em combate no seu próprio público doméstico, da mesma forma que o fizeram em todos os outros conflitos em que supostamente não participaram", disse o responsável oficial de inteligência ocidental. "E internamente eles farão grandes esforços para impedir que essa mensagem se espalhe."

As estimativas de baixas russas variam. A Ucrânia disse quarta-feira que seis mil russos foram mortos ou feridos, enquanto fontes norte-americanas familiarizadas com a inteligência dizem que a avaliação está mais próxima de dois ou três mil.

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