Poderá o Grupo Wagner sobreviver sem Prigozhin?

CNN , Ivana Kottasová e Stephanie Busari
28 ago 2023, 17:05
Elementos do grupo Wagner nas ruas em Rostov-do-Don na Rússia (AP)

ANÁLISE || O Kremlin pode tentar absorver o grupo nas forças armadas russas, ou tentar substituir o chefe de Wagner por um aliado. Consequências serão sentidas muito além das fronteiras da Rússia, especialmente nos países africanos onde o Wagner tem sido utilizado para apoiar líderes e a suprimir rebeliões.

Yevgeny Prigozhin transformou o Grupo Wagner de um bando obscuro de mercenários numa temida potência militar que opera em vários países de três continentes. Agora que ele desapareceu, o futuro do grupo é uma incógnita.

O senhor da guerra está presumivelmente morto, depois de as autoridades aeronáuticas terem afirmado que ele se encontrava a bordo de um jato que se despenhou perto de Moscovo, na quarta-feira, exatamente dois meses depois de ter lançado uma rebelião de curta duração na Rússia.

A maioria dos especialistas em segurança duvida que o Wagner possa sobreviver sem Prigozhin, o que coloca grandes questões sobre o que acontecerá aos combatentes, às armas e às operações do grupo.

Segundo eles, o Kremlin pode tentar absorver ainda mais o grupo nas forças armadas russas, ou tentar substituir o chefe de Wagner por um aliado, mas é improvável que haja muita vontade de o fazer entre os homens de Prigozhin. O que é claro é que as consequências serão sentidas muito além das fronteiras da Rússia, especialmente nos países africanos onde Wagner tem sido utilizado para apoiar líderes e a suprimir rebeliões.

"O meu palpite é que (Wagner) se vai desmoronar sem ele, porque liderava o grupo de uma forma muito personalizada, em que a lealdade era para com ele e não para com qualquer outra entidade ou pessoa", disse Natasha Lindstaedt, professora da Universidade de Essex que investiga regimes autoritários e actores não estatais violentos.

O tipo de cadeia de comando clara que é comum nas forças armadas tradicionais não existe no Grupo Wagner, o que torna a morte de Prigozhin um problema potencialmente existencial para o grupo. "Na realidade, tudo gira em torno dele e, quando ele desaparecer, a situação tornar-se-á mais caótica. Não se sabe ao certo para onde irão as lealdades", disse Lindstaedt à CNN.

De acordo com as autoridades, o vazio de liderança é ainda mais grave, uma vez que dois dos lugares-tenentes de confiança de Prigozhin - o comandante de campo de Wagner, Dmitriy Utkin, e o chefe de logística, Valeriy Chekalov - também se encontravam no avião.

Utkin, em particular, é uma grande perda; alegadamente antigo oficial dos serviços secretos russos que respondia pelo nome de guerra "Wagner", foi descrito como o fundador do grupo pelos Estados Unidos quando este o sancionou pelo seu papel no conflito no leste da Ucrânia em 2017.

"Apoio total da Rússia"

O grupo Wagner detinha um poder invulgar para um grupo de mercenários, e muito disso deveu-se a Prigozhin e à sua relação com o Presidente russo, Vladimir Putin. Apelidado de "exército privado de Putin", o Wagner foi utilizado para aumentar a influência da Rússia em todo o mundo.

"Foram destacados para muitos países de África e do Médio Oriente e, inicialmente, também para o Donbass, na Ucrânia, e fizeram um excelente trabalho de promoção da política externa russa através de meios muito obscuros e ilegais de controlo dos actores políticos, da extração de combustíveis fósseis e de outros recursos desses países", afirmou Huseyn Aliyev, professor da Universidade de Glasgow que investiga grupos armados não estatais na Rússia e na Ucrânia.

A influência do Wagner aumentou ainda mais no decurso da guerra da Rússia contra a Ucrânia, especialmente depois de o grupo ter assumido um papel de liderança nos assaltos a Soledar e Bakhmut, mostrando pouca consideração pelas vidas das suas tropas no processo. A captura dessas cidades - com um enorme custo humano - foi um raro ganho russo na Ucrânia.

Mas com a sua crescente influência, o Wagner tornou-se rapidamente uma dor de cabeça para o Kremlin. "Começou a sair do controlo do Kremlin porque lhes foi dada luz verde para fazerem muitas coisas (...) para recrutarem reclusos, para terem acesso quase ilimitado a armas do Ministério da Defesa para conseguirem coisas na Ucrânia, mas, em vez disso, tornaram-se, especialmente Prigozhin, muito poderosos e influentes", disse Aliyev.

O sucesso no campo de batalha encorajou Prigozhin. "Começou a ver que tinha os seus próprios seguidores e que a lealdade dos seus próprios seguidores era cada vez maior e sentiu que o Grupo Wagner era de longe a força de combate russa mais eficaz", disse Lindstaedt.

Prigozhin e as suas tropas em Bakhmut, numa imagem retirada de um vídeo divulgado em 20 de maio de 2023. Serviço de imprensa de Prigozhin/Telegrama

Tomada de controlo militar

Agora que Prigozhin já não está em cena, o Kremlin terá de decidir o que fazer a seguir com o grupo - se o legaliza e o torna parte das forças armadas russas, ou se o deixa continuar sob outra forma.

O Ministério da Defesa russo tentou engolir o Grupo Wagner no início deste verão, anunciando no início de junho que as "unidades voluntárias" e os grupos militares privados seriam obrigados a assinar um contrato com o ministério.

Aliyev disse que o Kremlin estava a tentar reduzir o domínio de Prigozhin, à medida que este se tornava mais ousado e mais difícil de controlar.

Prigozhin recusou-se a obedecer à ordem e continuou a criticar a liderança militar. A situação culminou no final de junho, quando Prigozhin ordenou às suas tropas que tomassem uma base militar russa em Rostov-on-Don e iniciou uma marcha sobre Moscovo antes de recuar.

"O facto de ele ter sido tão descarado, enfrentando este motim, é um sinal de que, até certo ponto, estava a delirar", acrescentou Lindstaedt.

Embora Putin tenha apelidado as acções de Wagner de "traição", já lançou a ideia de o grupo ser incorporado nas forças armadas russas. No rescaldo da revolta, Putin disse ao diário económico russo Kommersant que tinha oferecido aos comandantes do grupo Wagner a opção de continuarem a lutar pela Rússia.

Agora, com o desaparecimento do problemático senhor da guerra, é provável que Putin queira manter Wagner fora das estruturas formais, disse Aliyev.

"Espero que o Kremlin tente mantê-la como uma espécie de empresa militar privada, não registada e oficialmente inexistente, para a poder utilizar em diferentes empreendimentos no estrangeiro. Pode colocar alguém mais leal no comando, alguém mais próximo do Kremlin ... mas obviamente não será o mesmo tipo de grupo, porque muitas coisas em Wagner estavam absolutamente fixadas em Prigozhin", disse ele.

O Ministério da Defesa do Reino Unido afirmou na sua atualização dos serviços secretos, na sexta-feira, que a morte de Prigozhin teria "quase de certeza" um "efeito profundamente desestabilizador no Grupo Wagner".

"Os seus atributos pessoais de hiper-atividade, audácia excecional, procura de resultados e brutalidade extrema impregnaram o Wagner e é improvável que sejam igualados por qualquer sucessor."

Lindstaedt disse ser improvável que a Rússia consiga obter o controlo total do grupo. "O que eu vejo como mais provável é uma fragmentação. A Rússia não terá controlo total sobre o grupo e penso que se assistirá a um caos e isso é muito perigoso, porque este tipo de grupos, quando se fragmentam, tornam-se mais ousados e representam uma enorme ameaça para a segurança regional", afirmou.

Membros do grupo Wagner sentados em cima de um tanque numa rua da cidade de Rostov-on-Don, a 24 de junho de 2023. Stringer/AFP/Getty Images

Consequências para a segurança em África

Mas a influência do Wagner vai muito para lá da Rússia. O grupo mercenário lutou ao lado das tropas russas na Síria e tem estado envolvido numa vasta gama de actividades em África, estimando alguns especialistas que operava em mais de uma dúzia de países.

Havia indicações de que Prigozhin planeava recentrar as operações da Wagner no continente após o motim falhado.

No mês passado, foi visto a encontrar-se com dignitários africanos numa cimeira Rússia-África em São Petersburgo. No início desta semana, antes da sua morte aparente, surgiu um vídeo de Yevgeny Progozhin a falar num ambiente desértico, no que os analistas disseram ser provavelmente o Mali. No vídeo, Prigozhin afirmava estar a "tornar a Rússia ainda maior em todos os continentes e África ainda mais livre".

As operações de Wagner ganharam força após a invasão da Crimeia por Moscovo, em 2014, quando a Rússia começou a olhar para as riquezas do continente como uma forma de contornar uma série de sanções ocidentais. Várias investigações da CNN revelaram o envolvimento e a cumplicidade do grupo Wagner em atrocidades contra populações civis em vários países.

O Wagner envolveu-se na República Centro-Africana (RCA) em 2018, quando o governo russo forneceu assistência militar e armas em troca de concessões mineiras. Quando a segurança da RCA se deteriorou antes das eleições no final de 2020, a situação agravou-se e o Wagner passou de missões de formação para missões de combate. O envolvimento do Wagner em Moçambique em 2019 também tinha como objetivo combater os islamistas violentos.

Uma investigação da CNN de julho de 2022 expôs o aprofundamento dos laços entre Moscovo e a liderança militar do Sudão, que concedeu à Rússia acesso às riquezas em ouro do país da África Oriental em troca de apoio militar e político. Nos últimos meses, Wagner forneceu às Forças de Apoio Rápido do Sudão mísseis para ajudar na sua luta contra o exército do país, recorrendo à Líbia, onde um general desonesto apoiado pelo Wagner, Khalifa Haftar, controla vastas áreas.

Há sinais crescentes de que o Kremlin está a tentar aproveitar algumas das lucrativas operações do Wagner. Uma delegação militar russa deslocou-se esta semana à cidade líbia de Benghazi para se encontrar com Haftar, que é apoiado por Wagner há vários anos.

A Reuters citou um funcionário líbio com conhecimento da reunião, afirmando que Yevkurov disse a Haftar que as forças do Wagner no leste da Líbia passariam a responder perante um novo comandante. A CNN não conseguiu verificar o que foi discutido na reunião e contactou dois porta-vozes do LNA para confirmação. Um comunicado do Ministério da Defesa russo acrescentou que a visita tinha como objetivo discutir "as perspectivas de cooperação no domínio da luta contra o terrorismo internacional, bem como outras questões de acções conjuntas".

Oluwole Ojewale, Coordenador Regional para a África Central do Instituto de Estudos de Segurança, disse à CNN que a morte de Prizgozhin deveria enviar uma mensagem retumbante aos líderes de todo o continente de que confiar em mercenários estrangeiros para a reforma do sector da segurança é um grande risco.

Segundo Prizgozhin, as fissuras nas fundações dos países da África Ocidental e da África Central que se apoiaram no Grupo Wagner podem começar a surgir agora. "Se o Grupo Wagner entrar em colapso, haverá muitas consequências em termos de recaída da segurança nesses países", afirmou, acrescentando que esses países terão de fazer "investimentos críticos na reforma do seu próprio sector de segurança".

Prigozhin fala sobre tornar "África mais livre" num vídeo não verificado partilhado online Telegram/WAGNER_svodki

Mas Christopher O. Ogunmodede, analista de negócios estrangeiros e editor associado da World Politics Review, disse à CNN que a influência da Wagner em alguns dos países em que alegadamente operou pode ter sido exagerada. "As suas operações eram apenas num punhado de países. Não está propriamente a marchar por todos os 54 países de África", disse.

Além disso, Ogunmodede afirma que alguns países já estão a tentar mandar Wagner embora.

"Isso já estava a ser discutido antes da morte de Prigozhin. Poderíamos assistir a uma troca da presença do Wagner. Já em Moçambique, foram obrigados a sair, foram derrotados e não conseguiram resistir, no Mali... já se percebeu que a junta cometeu um erro ao envolver-se com aqueles tipos", afirmou.

A RCA, onde a presença de Wagner é mais proeminente, poderá ser objeto de atenção por parte da Rússia, segundo Ogunmodede. Em declarações ao canal de televisão estatal russo RT, após a rebelião de Wagner, em junho, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, aludiu a essa possibilidade e afirmou que a presença de combatentes russos na RCA vai continuar.

 

Mostafa Salem, Tim Lister e Sarah El Sirgany, da CNN, contribuíram para a reportagem.

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