A regra diz que Prigozhin e Utkin deviam ter viajado separados: porque não o fizeram? "Foi um erro mas não podemos chamar amadores a assassinos profissionais. Quando é que há acidentes na Fórmula 1? É sempre com os craques"

24 ago 2023, 20:02
Homenagem a Yevgeny Prigozhin e Dmitry Utkin (Vladimir Niklayev/Getty Images)

Não é normal que tantos líderes de uma organização importante sigam todos no mesmo transporte. Mas foi isso que aconteceu segundo o manifesto de voo do avião que caiu - a liderança do Grupo Wagner seguia toda no mesmo avião em vez de estar dividida por aviões. "Em guerra o chefe máximo nunca se faria acompanhar do número dois no mesmo avião"

A bordo do avião que caiu na Rússia seguiam os mais altos responsáveis do Grupo Wagner, entre eles o líder e o fundador, Yevgeny Prigozhin e Dmitry Utkin, respetivamente. Uma decisão estranha, sobretudo para um grupo altamente profissionalizado que devia saber que os mais altos representantes nunca se devem viajar lado a lado, ainda para mais num cenário em que se temia que o Kremlin pudesse fazer algo contra o grupo que se rebelou em junho.

Para o major-general Agostinho Costa é simples: a decisão de transportar vários líderes do Grupo Wagner no mesmo avião "foi um erro". De resto, como o militar diz à CNN Portugal, é precisamente para acautelar situações deste género que o grupo de mercenários dispõe de outro avião semelhante, que até estava a voar mais ou menos na mesma altura.

Isidro de Morais Pereira concorda com esta visão e até vai mais longe. Para o major-general, o facto de vários líderes do Grupo Wagner irem a bordo do mesmo avião denota algum amadorismo, que pode ser explicado de forma simples: "Pode ter havido um excesso de confiança, talvez [Prigozhin] estivesse convencido de que nada lhe iria acontecer". "Este caso mostra amadorismo", acrescenta o militar, lembrando que se trata de um grupo altamente profissionalizado que quebrou uma "regra básica de segurança".

É que, segundo Isidro de Morais Pereira, Prigozhin, "melhor do que ninguém, devia ter a noção de que era um alvo, de que corria perigo". Isto tendo em conta a rebelião iniciada a 22 de junho e na qual o líder do Grupo Wagner se insurgiu claramente contra o Kremlin e o próprio Vladimir Putin. "Devia estar convencido de que ninguém lhe ia fazer mal", vinca o major-general, lembrando que este erro é básico e que nunca seria cometido por exércitos nacionais. "Em guerra o chefe máximo nunca se faria acompanhar do número dois no mesmo avião", reitera.

Os craques

Azeredo Lopes concorda na utilização da expressão "amadorismo". Para o comentador da CNN Portugal, "basta o resultado para ficarmos perplexos, porque há regras para pessoas que estão permanentemente sob ameaça". "Amadorismo há necessariamente, até pelo destino trágico. É surpreendente", confessa Azeredo Lopes, mostrando perplexidade pelo facto de os principais responsáveis do Grupo Wagner se deslocarem todos no mesmo transporte.

Tal como Isidro de Morais Pereira, também Azeredo Lopes encontra na crença de que nada de mal iria acontecer a explicação para que Prigozhin se tivesse feito acompanhar de Utkin e outros líderes do Grupo Wagner. "Só tenho uma explicação: Prigozhin estar mesmo confiante de que não estava sob risco na Rússia. Não consigo interpretar de outra forma. Se calhar resulta de uma amizade de vários anos [com Vladimir Putin]", diz, sugerindo que o líder dos mercenários "não pensava que fosse ter o mesmo destino de outras pessoas próximas" do presidente russo, o que se revelou uma "crença relativamente infantil".

Mesmo não estando confirmado que o Kremlin está por trás da queda do avião, apesar de os canais de Telegram do Grupo Wagner o afirmarem, a disputa ocorrida em junho era suficiente para deixar Prigozhin alerta. "Quando lançamos uma revolta contra alguém como Putin, humilhando-o publicamente e destruindo aeronaves… eu nunca mais dormiria tranquilo", afirma Azeredo Lopes. "Teria de haver uma absoluta cegueira, uma absoluta confiança. Prigozhin achava-se amado pelo povo de tal forma que achou que era imune. Mas Putin já demonstrou no passado que depressa recorda às pessoas que não são imortais."

Apesar de ser um "erro" viajar com todos estes líderes num só avião, Agostinho Costa não vê amadorismo neste caso, mas antes o tal excesso de confiança. O major-general diz que "não podemos chamar amadores a assassinos profissionais", traçando um paralelismo para outras atividades: "Quando é que vemos acidentes na Fórmula 1? É sempre com os craques". "A distração é a morte do artista, como se vê aqui. O grupo deve ir sempre distribuído em dois aviões", sublinha - e isso é ainda mais válido quando existem riscos de vida, como era o caso de Prigozhin e dos mercenários com que se fazia acompanhar.

Segundo o manifesto de voo, os passageiros eram Yevgeny Prigozhin, Dmitry Utkin (fundador do Grupo Wagner), Propustin Sergey, Makaryan Evgeniy, Totmin Aleksandr, Chekalov Valeriy e Matuseev Nikolay. Todos eles eram importantes conselheiros do grupo de mercenários.Até ao momento, o Kremlin não confirmou taxativamente que Prigozhin morreu - sabe-se apenas que o seu nome constava da lista de passageiros, tal como o de Utkin.

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