"Nós ficamos aqui. Vamos lutar". As mulheres de uma cidade fronteiriça que se recusam a deixar a Ucrânia

CNN , Denise Hruby
16 mar 2022, 01:18
As mulheres que se recusam a deixar a Ucrânia (CNN)

Estas mulheres estão presas naquela que se transformou numa terra de ninguém. Não fugiram do país, mas também não estão em casa com os seus entes queridos, que estão a enfrentar os ataques da Rússia

Nos primeiros momentos de descanso desde que fugiu de casa, Lilya Solodovnik vê a filha de seis anos, Lena, a balançar-se num pónei de plástico azul. A sua cidade natal, Kharkiv, foi atacada por forças russas, e os seus amigos e familiares estão agora escondidos em abrigos antiaéreos.

Lilya e dezenas de outras mulheres e crianças das cidades sitiadas da Ucrânia encontraram um refúgio seguro num antigo orfanato transformado em abrigo, em Solotvyno, uma aldeia situada nas montanhas dos Cárpatos, perto da fronteira com a Roménia. Aqui, estão a resistir na última milha que as separa de outro país.

"Não quero deixar o meu marido sozinho na Ucrânia", diz Solodovnik, referindo-se ao marido, que trabalhava como motorista até há três semanas. Ele deixou a família aqui e voltou para trás para lutar. "Esta, aqui, ainda é a Ucrânia. É a minha casa", conta à CNN.

Mais de 2,8 milhões de refugiados fugiram da Ucrânia desde a invasão russa, a 24 de fevereiro. Mesmo em Solotvyno, uma das mais pequenas passagens fronteiriças da Ucrânia, milhares de pessoas vieram percorrer a estreita ponte de madeira que atravessa o sereno rio Tisza até à Roménia, membro da União Europeia e da NATO.

A maioria leva mochilas ou trolleys, com os poucos pertences que podem carregar enquanto atravessam.

Refugiados ucranianos atravessam a ponte sobre o rio Tisza, que liga a Ucrânia à Roménia

"Quando chegámos, os voluntários mostraram-nos a fronteira", diz Nina, uma educadora de infância reformada, de um subúrbio de Kiev, que está hospedada em Solotvyno com a filha e a neta. Está demasiado assustada para dizer o apelido. "Mas então, começámos a pensar: 'Porque temos de ir? Estamos na nossa casa, na Ucrânia."

Agora, estas mulheres estão presas naquela que se transformou numa terra de ninguém. Não fugiram do país, mas também não estão em casa com os seus entes queridos, que estão a enfrentar os ataques da Rússia.

Nas duas primeiras semanas da invasão, a população aqui duplicou, conta Timur Averin, chefe de administração do distrito de Tyachiv, durante uma visita aos gabinetes municipais de Solotvyno. Nesta aldeia bucólica, alguns agricultores ainda lavram a terra a cavalo e de carroça.

Do outro lado da rua, as filas do multibanco estão a ficar mais longas e a gasolina está a ser racionada. Mas as pessoas ainda vão ao cabeleireiro e à igreja aos domingos.

"É mais seguro, mais próximo da Europa, mais próximo da NATO, mais próximo da segurança", diz Averin, referindo-se à região mais ampla em torno de Solotvyno.

Voluntários em Solotvyno preparam e juntam camas, para dar espaço aos recém-chegados

Mesmo quando as forças russas começaram a atacar cidades na zona oeste, os bombardeamentos mais próximos estavam a cerca de 180 quilómetros de distância, em Ivano-Frankivsk, no sopé das montanhas.

No abrigo, Vivian, uma voluntária que se recusou a dizer o apelido, por temer pela sua segurança, vê no telemóvel um mapa que atualiza os locais de combates. Há duas grandes faixas da Ucrânia desprovidas de pontos e cruzes: uma faz fronteira com a Bielorrússia, aliada de Putin, diz. "E a outra somos nós."

Embora acredite que a Ucrânia vencerá a guerra em duas ou três semanas, por enquanto, Averin prepara-se para que a população do seu distrito triplique, principalmente com mulheres e crianças. "Há muito patriotismo entre as mulheres", o que as mantém ligadas à Ucrânia, conta.

Crianças cortam t-shirts, calças e casacos velhos para fazer redes de camuflagem militares

Também se tornaram vitais para o esforço de guerra. Mulheres e crianças cortam t-shirts e calças doadas em tiras, depois transformam-nas em redes de camuflagem.

Na entrada lamacenta do abrigo, voluntários locais e jogadores de futebol que se juntaram à primeira equipa competitiva de Solotvyno há apenas um mês, levantam donativos enviados da Roménia. Lá dentro, as mulheres voltam a embalar os enlatados, a farinha e o suplemento para bebés e, de seguida, enviam-nos para as cidades sitiadas.

"Estamos a receber muito apoio da Roménia", diz Angela Biletska, enfermeira local, que trabalha há 14 horas para supervisionar os donativos de produtos médicos. Tem as canelas cheias de hematomas e cortes, por carregar tantas caixas.

Enquanto a Europa atravessa a crise de refugiados em crescimento mais rápido desde a Segunda Guerra Mundial, reage também com um grande fluxo de ajuda. No espaço de um dia, os donativos começaram a sair dos quartos vagos do abrigo para os corredores, e agora estão empilhados contra a fachada do prédio de três andares.

São muito necessários. Enviar abastecimentos para o leste da Ucrânia tornou-se cada vez mais difícil e perigoso. "São constantes, a cada minuto", diz Solotovnik sobre os bombardeamentos na sua casa em Kharkiv, uma das cidades mais afetadas. Os amigos e familiares de Solotvnik ainda estão presos em abrigos antiaéreos. "Eles não têm nada. Não têm comida, nada", conta.

Nina e a família também estavam escondidos na cave do prédio, sempre vestidos e preparados para fugir. "Esperámos até ao último momento", diz a mulher de 62 anos. No oitavo dia da invasão, ela mandou parar o único carro que viu a passar pelo seu prédio e pediu ao condutor para os tirar de Kiev. "Tivemos cinco minutos para fazer as malas", recorda Nina. O chihuahua chamado Rave ficou para trás, com o genro.

Deslocados e voluntários locais descarregam a ajuda vinda da Roménia

A filha de Nina está demasiado traumatizada para falar, bem como a neta. Quando os voluntários lhes bateram à porta para as chamar para jantar, ficaram sobressaltadas. Assustam-se com ruídos repentinos, depois de viverem debaixo de bombardeamentos durante vários dias.

Na sala de artesanato, Magdalena Myhailivna está a tentar fazer com que as crianças não pensem na guerra. "É importante fazer coisas normais com elas", diz Myhailivna, professora de arte há mais de 50 anos.

Ela ensina-as a pintar árvores e tulipas com aguarelas. E no Dia Internacional da Mulher, foram a um parque local apanhar flores para as mães. "Gosto que não haja bombas", diz Sofia, uma menina de Kharkiv, que usa uma camisola de unicórnio e quer ser veterinária quando crescer.

Anastasia, uma criança de 8 anos que está aqui com a mãe, recita um verso de uma das escritoras mais importantes da Ucrânia, Lesia Ukrainka, feminista e anti-imperialista.

"Perguntaram-me: 'Magoaste-te?'

"Eu estou bem", respondia eu.

Então, o meu orgulho afirmava-se

Eu ri para não chorar."

O poema foi escrito em ucraniano, numa época em que fora proibido pela Rússia Imperial, num ato de desafio.

Elena Sierosa supervisiona uma lista de recém-chegados ao abrigo.

Vemos um espírito semelhante nas mulheres que estão em Solotvyno. Uma delas é Elena Sierosa, a coordenadora do abrigo, que garante que as camas ficam juntas para acomodar o maior número possível de pessoas. Quanto mais a guerra se prolonga, mais virão.

"Aqui é a fronteira. Acreditamos que não será bombardeada", diz à CNN. Se for, diz Sierosa, elas enviarão os seus filhos pela rua principal de Solotvyno e pela ponte de madeira, para a Roménia. "As crianças podem ficar a salvo do outro lado da fronteira, mas nós ficamos aqui. Nós vamos lutar", acrescenta.

Com tradução de Vlasta Tkach

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