Rússia diz que as suas tropas estão a reagrupar-se. Pode seguir-se um ataque intensivo no leste da Ucrânia

CNN , Análise por Nathan Hodge
1 abr 2022, 20:21
Tropas russas (GettyImages)

As Forças Armadas russas afirmam ter passado a uma nova fase da autointitulada “operação militar especial” na Ucrânia, alegando que estão a mudar o foco para a região do Donbass, no leste do país.

Será este reagrupamento das tropas uma simulação para permitir que as maltratadas tropas russas se reagrupem depois de sofrerem sérias perdas nas mãos dos defensores ucranianos? Ou será uma simples medida para salvar as aparências? A Rússia está realmente a mover e a concentrar tropas e equipamento na zona leste da Ucrânia, onde Moscovo reconheceu duas repúblicas separatistas?

No papel, parece que sim. O porta-voz do Ministro da Defesa russo, o major-general Igor Konashenkov, disse que um “reagrupamento planeado das tropas” estava a decorrer à volta de Kiev e Chernihiv, um dia depois de os negociadores russos terem dito que as forças de Moscovo tomariam medidas para diminuir a intensidade dos ataques à volta dessas duas cidades. Ele disse que as forças russas se estavam a reagrupar para “intensificar as operações em zonas prioritárias e, acima de tudo, concluir a operação para a libertação total do Donbass”.

Representantes e analistas militares dos EUA têm-se mostrado céticos em relação às alegações de redução dos ataques por parte da Rússia, e alguns observadores sugeriram que a mudança dos objetivos militares da Rússia destinam-se a camuflar enormes contratempos no campo de batalha. Mas há evidências de que a atividade militar russa está a aumentar a leste. Representantes ucranianos relataram na quinta-feira fortes bombardeamentos em várias cidades ucranianas, especialmente nas regiões de Luhansk e Donetsk, no Donbas, e à volta da cidade de Kharkiv, a nordeste.

Intensificação dos ataques no leste da Ucrânia

Numa declaração no Telegram, Oleh Synyehubov, chefe da administração militar da região de Kharkiv, disse: “No decorrer do último dia, as tropas russas atacaram 47 vezes com fogo de artilharia, morteiros e blindados nas áreas de Piatihatky, Oleksiyivka e na área residencial do distrito da Kharkiv Traсtor Plant. Foram registados cerca de 380 ataques com Grad e Smerch [rockets]. Em Saltivka, o inimigo danificou o gasoduto, o que resultou num grande incêndio que as equipas de resgate trabalharam para conter.”

Synyehubov disse que as tropas russas atacaram com força Derhachi, a noroeste da cidade de Kharkiv, matando uma pessoa e ferindo outras três, e destruindo um edifício do governo municipal.

“O ponto mais intenso [na região de Kharkiv] continua a ser Izium, onde continuam os combates e os constantes bombardeamentos”, disse ele. “Trabalhamos todos os dias para abrir corredores 'verdes' [humanitários]. Mas, até agora, a Rússia não nos tem dado essa oportunidade.”

Autoridades militares ucranianas nas regiões de Luhansk e Donetsk também relataram fortes bombardeamentos na quinta-feira, durante uma aparente mudança tática russa para desviar os seus esforços militares para a região do Donbas.

“Sentimos claramente que a transferência de tecnologia [militar] para a nossa direção está agora a começar”, disse Serhiy Haidai, chefe da administração militar da região de Luhansk, em comentários na televisão. “E à medida que chegam o equipamento e o pessoal, os nossos inimigos atacam de forma mais cerrada e intensa. Já temos de tudo aqui. Aeronaves, artilharia, armas de grande calibre, morteiros - todas as instalações militares estão a ser atacadas.”

Pavlo Kyrylenko, chefe da administração militar da região de Donetsk, disse no Telegram que as forças russas continuaram durante toda a noite a atacar a zona central da região.

“Em Maryinka, Krasnohorivka e Novomykhailivka, o inimigo voltou a usar bombas de fósforo branco”, disse ele, referindo-se a munições que são proibidas ou limitadas pelas leis internacionais em áreas habitadas. “Onze civis feridos da comunidade de Maryinka, incluindo quatro crianças, foram levados para o Hospital Municipal de Kurakhiv.”

Segundo a imprensa russa, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que a Rússia nunca viola as convenções internacionais, quando questionado sobre uma afirmação do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky sobre o alegado uso de bombas de fósforo pelas forças russas.

Perguntas sobre moral das tropas russas

O Estado-Maior da Ucrânia disse em comunicado na quinta-feira que as forças russas podem estar a reagrupar-se no território da Bielorrússia, que foi uma área de preparação para a invasão russa da Ucrânia.

O comunicado dizia que foi observado movimento de equipamentos militares russos na Bielorrússia, “provavelmente para reagrupar unidades, além de criar uma reserva para preencher as perdas de homens, armas e equipamentos das unidades que operam dentro da Ucrânia”.

Análises externas sugerem que as tropas russas sofreram sérias perdas de equipamento e pesadas baixas. As Forças Armadas russas disseram há quase uma semana que foram mortos 1351 militares na Ucrânia e 3825 ficaram feridos, números que os EUA, a Ucrânia e a NATO dizem estar muito abaixo dos reais.

Jeremy Fleming, Diretor da Sede de Comunicações do Governo (GCHQ), a agência de espionagem do Reino Unido, falou durante uma viagem a Camberra, na Austrália, e sugeriu que o moral das tropas russas estava em grande queda e que o presidente russo Vladimir Putin - que vive numa bolha de informações, além do isolamento físico - pode não estar ciente da extensão dos problemas nas suas Forças Armadas.

“Vimos soldados russos - com falta de armas e desanimados – a recusarem-se a cumprir ordens, a sabotarem o seu próprio equipamento e até, acidentalmente, a abaterem uma aeronave russa. E embora acreditemos que os conselheiros de Putin tenham medo de lhe dizer a verdade, o que está a acontecer e a extensão desses erros de avaliação devem ser claros para o regime.”

Na quinta-feira, Putin assinou um decreto para recrutar 134 500 russos para as Forças Armadas para substituir o pessoal contratado que está a terminar o serviço.

As Forças Armadas russas têm um sistema misto que conta com recrutas, bem como soldados contratados, e o país faz, duas vezes por ano, uma convocação para recrutamento.

Putin tinha afirmado originalmente que os recrutas não participariam da guerra, mas o Ministério da Defesa russo veio depois reconhecer que havia recrutas a lutar na Ucrânia - e as forças ucranianas afirmam ter feito prisioneiro um número considerável de recrutas russos.

Uma crise humanitária cada vez maior

A situação humanitária continua a ser grave em muitas cidades ucranianas, especialmente na cidade portuária sitiada de Mariupol, no sudeste.

Na quinta-feira, surgiu alguma esperança com a possibilidade de poderem sair pelo chamado corredor humanitário autocarros cheios de residentes de Mariupol - que é, há semanas, alvo de bombardeamentos e ataques implacáveis ​​pelas forças russas.

Mas os autocarros ficaram retidos num posto de controlo russo em Vasylivka, uma cidade entre a Zaporizhzhia, controlada pela Ucrânia, e Berdiansk, controlada pela Rússia, segundo afirma Iryna Vereshchuk, ministra ucraniana para a Reintegração dos Territórios Temporariamente Ocupados.

Vereshchuk disse que, de uma população pré-guerra de 400.000, há cerca de 100.000 pessoas que precisam de sair imediatamente da cidade, mas que ainda lá continuam.

“Ou seja, são mais 100.000 mulheres, crianças, idosos e pessoas incapacitadas que precisam da nossa ajuda e da ajuda do mundo”, disse ela.

As autoridades ucranianas dizem que cerca de 90% dos edifícios da cidade foram danificados ou tornaram-se inabitáveis após semanas de bombardeamentos.

Europa

Mais Europa

Patrocinados