Hamas tem "uma segunda cidade subterrânea" que "anula a vantagem tecnológica" de Israel

17 out 2023, 07:00
Guerra na Terra Santa: as imagens que marcam o décimo dia de conflito (AP)

Aproxima-se uma operação militar "altamente complexa" e os especialistas acreditam que podemos estar perante um cenário idêntico ao de Mariupol, na Ucrânia, mas numa escala ainda maior

É um autêntico labirinto de túneis com mais 500 quilómetros de extensão. No seu interior, há fábricas improvisadas de armamento, depósitos de munições e de alimentos, postos de comando e locais seguros onde os militantes do Hamas se podem esconder com segurança dos ataques israelitas. É quase “uma segunda cidade” subterrânea que “anula a vantagem tecnológica” de Israel e pode tornar esta guerra “num conflito prolongado” que pode transformar Gaza numa “Mariupol em tamanho grande”.

“É inevitável os terroristas refugiarem-se nesta rede quase labiríntica de túneis que se ligam uns aos outros e que têm ligação a vários prédios. É quase uma segunda cidade subterrânea. Isto torna as operações militares muito complexas, com os terroristas a atacarem e a refugiarem-se de seguida no seu interior”, explica o major-general Isidro de Morais Pereira.

Inicialmente construídos para contrabandear bens e contrariar o bloqueio imposto por Israel, rapidamente os militantes do Hamas perceberam o potencial destas estruturas para combater o exército israelita. O complexo de túneis cresceu e atualmente acredita-se que tem uma extensão superior a 500 quilómetros, com áreas dedicadas ao armazenamento de armamento, comida e água, bem como geradores elétricos e centros de comando. Para se ter uma noção da escala, a rede do Metro de Lisboa tem “apenas” uma extensão de 44,5 km.

Criança palestiniana junto às ruínas de um prédio destruído pelo exército israelita (Associated Press)

Segundo o exército israelita, esta rede de túneis tem dezenas de pontos de acesso espalhados por toda a cidade, muitos dos quais próximos de residências civis. Estas características tornam qualquer operação militar muito mais complexa e vão dificultar a promessa do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, de “aniquilar o Hamas”.

“Uma operação em zona urbana é sempre uma operação altamente complexa, basta ver o caso de Bakhmut, que era uma cidade praticamente deserta, e o que isso custou ao exército russo. Um ataque a uma cidade é dirigido a tomar quarteirão a quarteirão, casa a casa, quarto a quarto. Quando se combate num túnel aumenta-se ainda mais a complexidade destes combates”, defende o major-general Agostinho Costa.

A inútil supremacia tecnológica

Depois do ataque terrorista de larga escala lançado pelo Hamas no dia 7 de outubro, em que morreram pelo menos 1.400 pessoas, Israel respondeu através da sua superioridade tecnológica, utilizando a sua moderna força aérea em toda a sua força. Todos os dias, centenas de munições pesadas castigam a cidade e tornam os seus edifícios em escombros. Apesar da devastação, os especialistas acreditam que estes ataques podem ter pouco efeito na degradação da capacidade de combate ao Hamas que consegue permanece no interior da rede de túneis sem ser atingido.

“Um número significativo de terroristas do Hamas provavelmente conseguirá sobreviver aos ataques aéreos escondendo-se nos túneis abaixo de Gaza. Provavelmente é seguro assumir que o Hamas abasteceu esses túneis com quantidades significativas de alimentos, água, armas e munições”, disse Bradley Bowman, antigo oficial do Exército dos EUA e conselheiro de segurança nacional dos membros das comissões dos Serviços Armados e das Relações Exteriores do Senado, em declarações à NBC.

Para o conseguir afetar de forma significativa o Hamas, Israel terá de utilizar algumas das armas anti-bunker mais poderosas no seu arsenal. A nação judaica adquiriu recentemente munições anti-bunker guiadas por laser GBU-28, que têm 2.268 quilogramas e são capazes de penetrar alvos até 50 metros de profundidade, colocando os túneis palestinianos à sua mercê. No entanto, estes explosivos criam enormes crateras e teme-se que piorem a já grave emergência humanitária que se vive na região.

Combatentes do Hamas no interior de um túnel na Faixa de Gaza (Getty Images)

“Os túneis anulam completamente a vantagem tecnológica militar de Israel, com um inimigo que se consegue tornar invisível e misturar-se no seio da população, o movimento terrorista tira vantagem de tudo isto. É uma guerra de paciência e exige tempo e planeamento pormenorizado”, frisa Isidro de Morais Pereira.

Azovstal 2.0

O que se segue é o que os militares apelidam de “operação de limpeza”, que, no fundo, consiste em esvaziar todo o complexo de túneis de militantes do Hamas. Estas operações requerem um grande número de recursos, não só materiais, mas também humanos. Por isso, o país mobilizou cerca de 360 mil reservistas, que se vão juntar aos quase 200 mil militares que já estavam em serviço. Ao todo, Israel vai dispor de mais de meio milhão de militares para atacar o Hamas. Mas, para isso, é preciso detetar com precisão a localização e as entradas destas estruturas.

Isidro de Morais Pereira compara o cenário que Israel está prestes a enfrentar com a situação vivida na cidade de Mariupol, na Ucrânia, quando as forças militares ucranianas foram cercadas e resistiram quase três meses no interior de um complexo sistema de túneis da fábrica metalúrgica Azovstal. A estratégia israelita para evitar um elevado número de baixas pode ser muito semelhante ao método de cerco utilizado pela Rússia em Mariupol, utilizando o tempo a seu favor e conduzindo operações militares de forma lenta e metódica, até que o seu inimigo esgote as suas munições e os seus mantimentos. Tudo isto são sinais de que esta guerra pode vir a durar mais tempo do que se espera.

Um palestiniano entra num túnel de contrabando sob a fronteira entre Gaza e o Egipto, no sul da Faixa de Gaza, a 11 de setembro de 2013 (Getty Images)

“Gaza está cercada e faz lembrar Mariupol, mas em tamanho grande. Se Mariupol demorou o tempo que demorou, e com o Hamas preparado, isto pode demorar muito tempo. Neutralizar o Hamas pode ser uma campanha muito demorada”, alerta o especialista, que sublinha que as forças armadas israelitas têm várias táticas que podem ser utilizadas para "limpar" os túneis de Gaza, como a utilização maciça de gás lacrimogéneo e de lança chamas.

E esta ideia foi reforçada pelo ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, ao Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, garantindo que esta será “uma guerra longa”, que terá “um preço alto”, mas terminará com uma vitória israelita. Para o major-general Agostinho Costa, o número de baixas vai ser “incomparavelmente maior” ao que foi visto na Ucrânia e não é certo que Israel esteja disposto a aceitar um número de baixas muito elevado.

“O atraso desta operação deve-se à rede de túneis, porque o exército israelita, apesar de numeroso, não está preparado para este tipo de combate. Se estivesse já tinham começado a operação e já tinham feito a operação. Se Israel entrar, está a cair na armadilha, porque o que se segue é uma matança”, afirma Agostinho Costa.

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