Nome de código: "Morte aos guerrilheiros" (Paquistão contra-ataca o Irão)

CNN , Azaz Syed, Adam Pourahmadi, Helen Regan e Sophia Saifi
18 jan, 13:13
Membros da Força Aérea do Paquistão (PAF) em formação durante o hino nacional, como parte das cerimónias do Dia da Defesa, ou Dia da Memória do Paquistão, em Karachi, Paquistão, a 6 de setembro de 2021.
Créditos: Akhtar Soomro/Reuters

O Paquistão realizou vários ataques contra o que disse ser alvos separatistas no Irão, na sequência de um ataque mortal de Teerão no seu próprio território

O Paquistão levou a cabo uma série de ataques militares mortais contra o que disse serem esconderijos de militantes separatistas no interior do Irão, no mais recente incidente na sua fronteira comum que fez disparar as tensões entre os dois vizinhos.

Os novos ataques significam que tanto o Paquistão como o Irão deram o passo de atacar militantes no solo um do outro, numa altura de expansão do conflito no Médio Oriente e em toda a região.

Islamabad declarou na quinta-feira que as suas forças lançaram uma "série de ataques militares de precisão altamente coordenados e especificamente direcionados" na província iraniana do Sistão e Baluchistão, no sudeste do país, no âmbito de uma operação denominada "Marg Bar Sarmachar" - que se traduz livremente por "morte aos guerrilheiros".

Os esconderijos visados na operação foram utilizados pelo Exército de Libertação do Baluchistão (BLA) e pela Frente de Libertação do Baluchistão (BLF), dois grupos militantes que lutam por uma maior autonomia regional.

Noutra reação, também nesta quinta-feira, a BLF afirmou não ter quaisquer esconderijos no Irão e que nenhum combatente da BLF tinha sido morto nos recentes ataques. O BLA ainda não comentou publicamente os ataques do Paquistão em território iraniano.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros paquistanês acrescentou que "vários" militantes foram mortos durante a operação.

Teerão exigiu "uma explicação imediata" do Paquistão sobre os ataques, informou a agência noticiosa iraniana Tasnim, citando um responsável.

Entretanto, o primeiro-Ministro Anwaar-ul-Haq Kakar, que assume as funções de líder interino até à realização de eleições, interrompeu a sua visita ao Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros interino, Jalil Abbas Jilani, que se encontrava de visita ao Uganda, também regressou a casa.

O vice-governador da província de Sistão e Baluchistão, Alireza Marhamati, disse que nove pessoas foram mortas nos ataques, incluindo três mulheres e quatro crianças, informou a agência estatal iraniana IRNA.

"Às 04:30 da manhã, ouviram-se explosões numa aldeia fronteiriça e vários mísseis foram disparados contra a aldeia", indicou Marhamati.

O vice-governador disse que outra explosão ocorreu perto da cidade de Saravan, mas não houve vítimas.

Tanto o Paquistão como o Irão lutam há muito tempo contra os militantes desta região, ao longo da sua fronteira de 900 km, mas o último incidente marca uma grande escalada entre as duas potências vizinhas e ocorre num momento em que as hostilidades regionais no Médio Oriente aumentam devido à guerra de Israel em Gaza.

O Paquistão adiantou ainda ter manifestado ao Irão, nos últimos anos, a sua preocupação com os "refúgios e santuários" dos combatentes separatistas paquistaneses, designados por Sarmachar, que vivem no Irão, e que partilharam com o vizinho provas da presença e das atividades dos militantes.

"No entanto, devido à falta de ação em relação às nossas sérias preocupações, os chamados Sarmachar continuaram a derramar impunemente o sangue de paquistaneses inocentes. A ação desta manhã foi tomada à luz de informações credíveis sobre a iminência de atividades terroristas em grande escala", justificou o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Paquistão.

O Paquistão garantiu igualmente que "respeita plenamente a soberania e a integridade territorial da República Islâmica do Irão" e que "o único objetivo da ação de hoje foi a prossecução da segurança e dos interesses nacionais do Paquistão, que são primordiais e não podem ser comprometidos".

Ataque iraniano ao Paquistão

A operação do Paquistão ocorre um dia depois de o Irão ter assumido que utilizou "mísseis de precisão e ataques de drones" para destruir dois redutos do grupo militante sunita Jaish al-Adl na província do Baluchistão, no sudoeste do Paquistão, segundo a agência noticiosa Tasnim.

Os ataques mataram duas crianças e feriram várias outras, de acordo com as autoridades locais e o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Paquistão, que descreveu o ataque como uma "violação não provocada do seu espaço aéreo pelo Irão" e avisou o Irão de "graves consequências".

O ataque também deu início a uma polémica diplomática com o Paquistão, que na quarta-feira retirou o seu embaixador do Irão e suspendeu todas as visitas de alto nível do Irão.

Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Paquistão afirmou que o embaixador iraniano no Paquistão não deveria regressar de uma visita ao Irão e avisou que "o Paquistão reserva-se o direito de responder a este ato ilegal".

O Irão defendeu os ataques e pareceu tentar acalmar as tensões com o seu vizinho nuclear.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, afirmou que o seu país apenas visava os "terroristas" iranianos em solo paquistanês e que "nenhum dos cidadãos do país amigo do Paquistão foi alvo de mísseis e drones do Irão".

Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano defendeu anteriormente os ataques como uma operação "precisa e direcionada" para dissuadir as ameaças à segurança.

Mas o ataque mortal dentro do território paquistanês prejudicou gravemente as relações entre os dois países, disse o Ministro dos Negócios Estrangeiros Jilani ao seu homólogo iraniano.

"O ministro dos Negócios Estrangeiros sublinhou firmemente que o ataque conduzido pelo Irão dentro do território paquistanês, em 16 de janeiro de 2024, não só constituiu uma grave violação da soberania do Paquistão, como também uma violação flagrante do direito internacional e do espírito das relações bilaterais entre o Paquistão e o Irão", afirmou o ministério.

Jilani também advertiu que as ações unilaterais podem prejudicar a segurança regional, afirmando que o terrorismo é uma ameaça comum que deve ser abordada através de esforços coordenados, segundo o seu gabinete.

O Paquistão também reiterou, no entanto, que considera o Irão como "amigos e irmãos" e "não tem interesse em escalar qualquer situação".

Os balúchis vivem na fronteira entre o Paquistão, o Afeganistão e o Irão. Têm uma história de independência feroz e sempre se ressentiram de serem governados tanto por Islamabad como por Teerão, com insurreições a fervilharem na região fronteiriça durante décadas.

A área em que vivem é também rica em recursos naturais e os separatistas queixam-se de que o seu povo, um dos mais pobres da região, tem visto pouca riqueza chegar às suas comunidades.

O Jaish al-Adl, ou Exército da Justiça, visado pelo Irão na terça-feira, é um grupo militante separatista que opera em ambos os lados da fronteira e que já reivindicou a responsabilidade por ataques contra alvos iranianos.

O seu objetivo declarado é a independência da província iraniana do Sistão e do Baluchistão, vizinha do Paquistão.

Na quarta-feira, reivindicou a responsabilidade por um ataque a um veículo do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (IRGC) no Sistão e no Baluchistão, que, segundo a imprensa estatal iraniana, matou um dos seus coronéis.

Ataques do Irão e dos seus aliados

Os ataques ocorreram depois de os Guardas Revolucionários iranianos terem lançado mísseis balísticos, visando o que afirmam ser uma base de espionagem da Mossad, a agência de informação israelita, em Arbil, no norte do Iraque, e contra "grupos terroristas anti-iranianos" na Síria.

O Irão afirmou que os ataques no Iraque foram em resposta ao que disse serem ataques israelitas que mataram comandantes da Guarda Revolucionária Iraniana, e alegou que os alvos na Síria estavam envolvidos nos recentes bombardeamentos duplos na cidade de Kerman durante um memorial ao falecido comandante Qasem Soleimani, que deixou dezenas de mortos e feridos.

O grupo terrorista internacional Estado Islâmico reivindicou a responsabilidade pelo ataque ao memorial de Soleimani.

Os representantes do Irão na região também lançaram ataques contra as forças israelitas e os seus aliados.

Os rebeldes Houthis lançaram uma série de ataques contra navios comerciais e navios militares ocidentais no Mar Vermelho, uma importante artéria para o comércio internacional. E as forças apoiadas pelo Irão no Iraque e na Síria lançaram dezenas de ataques contra posições militares dos EUA nesses países.

Desde os ataques do Hamas a Israel a 7 de outubro e da ofensiva israelita em Gaza que se seguiu, o grupo militante Hezbollah tem-se envolvido em confrontos diários com as forças israelitas na fronteira Líbano-Israel. Na quarta-feira, o chefe militar de Israel afirmou que a probabilidade de uma guerra na fronteira norte do país é agora "muito maior" do que nos últimos tempos e que Israel está a aumentar a sua prontidão para "combater no Líbano".

O Ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Amir-Abdollahian, disse à CNN, no Fórum Económico Mundial em Davos, que os ataques de grupos apoiados pelo Irão no Médio Oriente não vão parar até que a guerra de Israel contra o Hamas em Gaza termine, uma vez que as tensões na região ameaçam entrar numa espiral de conflito mais alargado.

*Alex Stambaugh e Tamara Qiblawi contribuíram para este artigo

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