Bactéria que devora carne chega à Florida transportada por milhares de quilómetros de sargaço

4 jun 2023, 22:20
Sargaço / Florida (Getty Images)

Uma concentração de centenas de espécies de algas, que se arrasta pelo Atlântico, está a chegar às praias da Florida, trazendo consigo altos níveis de uma bactéria ameaçadora

Conhecido por “Cintura de Sargaço” do Oceano Atlântico, um aglomerado de algas com mais de oito mil quilómetros de comprimento e cerca de cinco milhões de toneladas chegou à costa da Florida, nos EUA, e está a alarmar os investigadores.

É que, de acordo com o jornal The Guardian, este grupo de plantas marinhas - essencialmente em decomposição - vem acompanhado de Vibrio Vulnificus, uma bactéria que pode causar doenças, e até a morte de quem a contrair. Os biólogos marinhos da Florida Atlantic University (FAU) avançam ainda que se trata de uma bactéria omnívora, capaz de devorar carne.

Para além dos problemas de saúde pública que podem ser desencadeados, a época balnear é também ameaçada por um odor semelhante ao de ovos podres, o que poderá afastar os turistas daquela zona.

As amostras de algas retiradas das Caraíbas e do Mar dos Sargaços, no Atlântico Norte, que foram analisadas por especialistas, eram abundantes em detritos de plástico, refere o jornal britânico.

Tracy Mincer, professor assistente de biologia no Instituto Oceanográfico Harbor Branch, da FAU, e na Faculdade Harriet L. Wilkes Honors, explica que o plástico terá sido atirado ao oceano por humanos e, por meio da interação com as algas, as bactérias criaram a "tempestade patogénica perfeita com implicações, tanto para a vida marinha como para a saúde pública".

"O nosso trabalho de laboratório mostrou que estas Vibrio são extremamente agressivas e podem alcançar e aderir ao plástico em poucos minutos", afirma.

O Departamento de Saúde da Florida aconselha os residentes e os visitantes a evitarem o sargaço, e adverte que as infeções provenientes da bactéria em questão "podem ser graves para as pessoas que têm o sistema imunitário enfraquecido, como as que sofrem de doenças crónicas do fígado". 

População já "meteu a mão na massa"

Apesar dos riscos, organizações não-governamentais, equipas de voluntários e até mesmo turistas arregaçaram as mangas e lançaram-se ao trabalho, para recolherem as algas. Esta medida garante que as praias deste destino turístico permaneçam limpas e apelativas, ajudando a eliminar a ameaça de infeção ou de problemas respiratórios.

Algumas equipas de limpeza foram, inclusivamente, capazes de remover mais de 20 quilómetros de sargaço num curto prazo, com recurso a maquinaria pesada, ao longo da costa de Miami Beach e em Key Biscayne.

As recolhas são feitas sobretudo pela manhã, e só depois de se verificar se há ninhos de tartarugas, como esclarece o chefe de operações do Condado de Miami-Dade, Tom Morgan. 

Os organizadores desta iniciativa garantem ainda que estão a ser tomadas as precauções necessárias, e que os trabalhadores e voluntários usam luvas e lavam as mãos antes de tocar na cara.

Entretanto, o Departamento de Proteção Ambiental do Estado, que está trabalhar com a Florida Fish and Wildlife Commission and Municipalities, para monitorizar a cintura de plantas marinhas, conta que um orçamento de cinco milhões de dólares (cerca de 4,7 milhões de euros) foi disponibilizado para apoiar os governos locais nos esforços de limpeza. 

"Este não é um fenómeno novo e muitos governos locais, particularmente no sul da Florida, têm experiência a gerir este fenómeno nas suas praias e já têm planos e as autorizações necessárias para dar resposta", diz o porta-voz do DEP, John Moore, ao The Guardian. 

Retirar ou não retirar o sargaço?

O Estado norte-americano também já tem orçamento definido para a remoção das algas: 66 milhões de dólares (cerca de 61 milhões de euros).

Mas retirar a totalidade do sargaço não é desejável nem legal, uma vez que em quantidades normais contribui para a saúde do oceano, avança a Agêncial Espacial Americana, NASA. Fornece habitat a vários animais marinhos, como caranguejos e camarões, e produz oxigénio através da fotossíntese.

Por outro lado, as quantidades que chegam à costa americana bloqueiam a entrada de luz em águas pouco profundas, e podem até “sufocar corais e ervas marinhas”.

A própria decomposição do sargaço liberta hidrogénio, fonte de odor a ovos estragados, que causa problemas para a saúde humana, desde ligeiras dores de cabeça até à perda de consciência e outros problemas mais graves.

"A quantidade de plástico que encontramos diariamente emaranhado nas algas marinhas, e cada maré que chega traz mais, é chocante. E os animais que vivem no oceano tentam alimentar-se delas e ingerem automaticamente o plástico", desabafa Sophie Ringel, fundadora da organização sem fins lucrativos Clean Miami Beach, ao The Guardian.

"Eles simplesmente não conseguem evitar. É muito, muito triste", junta.

Os investigadores registaram um enorme aumento de sargaço na última década e preveem que assim continue, mas ainda há esperança. Na Universidade do Sul da Florida, os cientistas revelam que a quantidade de algas no Atlântico diminuiu inesperadamente, cerca de 15% em maio. Prevê-se que também diminua no Golfo do México este mês. 

As praias da Florida estiveram repletas de visitantes durante o fim de semana do feriado nacional Memorial Day, e o turismo foi “até agora tão bom”, diz Michael Zimmer, diretor de marketing e desenvolvimento dos parques de Miami-Dade. “Recebemos fotografias todas as manhãs e tardes e tenho de vos dizer que as praias têm muito bom aspeto", acrescenta.

Mas, na realidade, a Cintura de Sargaço é tão extensa que apenas é possível observá-la a partir do espaço. Deriva no Atlântico desde a costa ocidental de África até ao Golfo do México. A enorme dimensão do aglomerado permitiu a criação do terreno perfeito para o desenvolvimento de várias bactérias omnívoras, que têm como alvo, tanto a vida vegetal como a vida animal.

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