opinião
Psicólogo da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Psicologia em tempo de guerra. A guerra e os outros, como nós

27 fev 2022, 11:00

"Psicologia em tempo de guerra", uma rubrica para ler no site da CNN Portugal

Psicologia, a ciência do comportamento está por todo o lado, onde há comportamento. Hoje vou falar de refugiados, psicologia, guerra e todos nós... e os outros, como nós.

Segundo dados do departamento de assuntos económicos e sociais da ONU, até Junho de 2019, numa população global estimada de 7,5 biliões de pessoas, o número total de migrantes internacionais correspondia a 271,6 milhões. Destes 271,6 milhões de imigrantes internacionais estimava-se que cerca de 28,7 milhões seriam pessoas refugiadas. Esta quinta-feira a ONU havia comunicado que o primeiro dia de Guerra da Ucrânia havia provocado a movimentação de 100 mil pessoas.

Estas pessoas tinham até há um par de dias uma vida normal: pagavam impostos, iam às compras, visitavam familiares, praticavam o culto religioso, conviviam com família e amigos, tinham empregos, levavam os filhos à escola, tinham opiniões políticas, participavam nas festas dos filhos, faziam contas ao final do mês para pagar as contas, pertenciam a uma determinada classe social… Agora são migrantes, migrantes forçados. Podem vir a ser pessoas requerentes de asilo, pessoas refugiadas, podem vir a necessitar de proteção subsidiária, ou até de recolocação ou reinstalação. Se tudo correr bem, no futuro podem vir a ser considerados retornados ou até apátridas, no mais complexo dos casos, nenhuma das anteriores.

Acredito que a última das preocupações por parte do povo ucraniano, russo e outros que estão neste momento em fuga, seja o enquadramento sociopolítico que vão ter enquanto tentam sobreviver, mas com certeza é uma preocupação que a União Europeia (UE) e os países envolventes vão ter, não facilitando de todo o modo a vida a estes migrantes/refugiados (quando se criam muitos nomes para as pessoas, tende-se a esquecer que são pessoas).

Uma guerra produz inúmeros efeitos colaterais (assim se chama às consequências nefastas que guerra produz para o meio ambiente e seres vivos, com especial destaque para as pessoas). Depois de se lhe ser retirado tudo o que é físico, muitas das vezes estas pessoas perdem a sua identidade.

A psicologia começa por ser isto, objetivamente falar do comportamento e o que deve ser feito para melhorar a vida das pessoas, pelo que, objetivamente, tem de haver empatia por estas situações; objetivamente devemos acolher como se fossem da nossa família todos os que precisarem de ser recebidos. Para receber, temos que criar condições culturais, de comunicação, aprendizagem, saúde, não esquecendo a saúde mental. Muitos dos países da UE não respondem internamente, para as suas populações, com esta organização básica. Podem não estar preparados para receber uma brusca oscilação populacional sem reorganização.

Nos últimos anos a UE não lidou (nem bem nem mal) com a crise de refugiados do norte de África, nem de outras zonas de conflito. Esta Europa tem deixado perceber uma dificuldade de adaptação e resistência à mudança. Tudo o que um refugiado não precisa. Fiquei muito satisfeito por ouvir o nosso primeiro-ministro a disponibilizar o nosso país para receber quem precisa.  Agora temos que nos reestruturar para receber, começando por reforçar os serviços de apoio à saúde mental e passando por todo o plano económico do país. 

Os refugiados têm sido usados como armas políticas (veja-se o que tem acontecido entre Marrocos e Espanha e nas fronteiras da Bielorrússia). Tornou-se tão comum que deixou de indignar.

O processo adaptativo do ser humano é extraordinário, mesmo para as coisas horríveis, como habituarmo-nos à ideia de que é normal as pessoas fugirem da guerra. Esta é a minha reflexão. Não vão existir refugiados ucranianos. Vão existir pessoas como nós, familiares nossos que vão perder tudo e é nossa obrigação receber, integrar e crescermos juntos. Cada um de nós na sua autarquia, no seu bairro, na sua zona, deve promover a sua adaptação, denunciar o que está mal e nunca olhar para o lado. A empatia é o instrumento dos seres humanos que derruba ditadores. Neste momento, a falta de empatia é a arma dos ditadores, dos que atacam e dos que ficam a ver. Hoje eles, um dia poderemos ser nós.

 

Relacionados

Opinião

Mais Opinião

Patrocinados