Os bancos deveriam ser chamados à responsabilidade pela ação direta que têm tido no arrastamento da crise inflacionária. A consequência mais visível de um processo que parece não ter fim é a devastação da vida de muitos agregados familiares.
A “sebenta” do combate à inflação é clara. Para contrariar surtos inflacionários, os bancos centrais devem aumentar os juros diretores. Estes juros servem de referência não apenas para o financiamento de famílias e empresas, mas também para a poupança realizada por intermédio de depósitos a prazo.
A lógica é simples. Os elevados juros associados ao crédito afastam as famílias do consumo e as empresas do investimento. Nestas condições, diminui a pressão exercida sobre os diversos mercados e os preços tendem a baixar. Esta é uma das duas faces da política monetária contracionista aplicada pelos bancos centrais para debelar a inflação. A outra face da estratégia é igualmente importante. A banca também deve subir as taxas de juro associadas aos depósitos a prazo de forma consentânea com os juros de referência dos bancos centrais. Esta atuação do setor bancário estimulará a poupança. Com uma maior predisposição para poupar a instalar-se na sociedade, sucede, também por esta via, uma diminuição da quantidade de dinheiro a circular na economia. O resultado é o desejado: verificando-se a substituição de uma fração da tendência para o consumo pelo aumento da propensão para a poupança, acaba por ocorrer um desvio de liquidez das economias. Este desvio de liquidez contribui decisivamente para arrefecer os preços de mercado praticados ao consumidor final.
Atualmente, no caso da Zona Euro, a banca vai admitindo que os lucros extraordinários acumulados resultam do aumento da margem financeira. A margem financeira dos bancos resulta da diferença entre os juros associados ao crédito e os praticados nos depósitos a prazo. E os bancos admitem-no de forma excessivamente descontraída, o que não deixa de ser simultaneamente estranho e ofensivo. Eventualmente, sentirão a proteção, aparentemente incondicional, do supervisor bancário Banco Central Europeu. A recente pressão exercida pelo BCE sobre o Governo italiano, em relação ao imposto sobre os lucros extraordinários dos bancos italianos, permitirá compreender grande parte da proteção ampliada que a banca sente na atualidade.
Na área da moeda única, não restam dúvidas de que a conduta dos bancos tem reduzido significativamente o impacto da política monetária do BCE no combate à inflação.
Em Portugal, 90% dos dois mil milhões de euros de lucro registados pelos cinco maiores bancos no primeiro semestre do ano explicam-se pelo aumento da margem financeira.
Em termos lógicos, é possível concluir que não teriam sido necessárias tantas subidas dos juros diretores do Banco Central Europeu se, desde o início, os bancos tivessem ajustado os juros dos depósitos a prazo de forma equivalente ao que tem sido feito com as taxas de juro associadas ao financiamento de famílias e empresas.
O processo acaba por se constituir como um círculo muito rentável para a banca. Ao manterem baixos os juros associados aos depósitos a prazo, as instituições bancárias não estimulam a poupança. Por conseguinte, contribuem objetivamente para adensar a dificuldade no combate à inflação. Esta é uma das razões que tem contribuído para os aumentos consecutivos dos juros diretores do BCE. Estas subidas sucessivas das taxas de juro, por sua vez, contribuem para aumentar ainda mais as margens financeiras dos bancos. O ciclo da rendibilidade é altamente vantajoso para o setor bancário e extraordinariamente lesivo para famílias e também para parte considerável do meio empresarial.
Enquanto este processo vai ocorrendo em benefício dos bancos, o nível de vida da maioria das famílias portuguesas continua a degradar-se a um ritmo nunca antes visto na história recente do país. Nesta fase, os danos sociais são já impressionantes.
Os bancos deveriam ser chamados à responsabilidade. No caso da área da moeda única, caberia ao BCE e a Christine Lagarde fazê-lo. Caberia.