Zivkovic: «É difícil convencer jogadores a ficar quando a família precisa de dinheiro»

7 out 2002, 14:14

Jugoslávia: O declínio de uma potência O futebol parou no tempo, passado para segundo plano num país em guerra e em crise. O Maisfutebol esteve em Belgrado e fez o diagnóstico de um país que há uma década estava no auge.

Zvonko Zivkovic é treinador de juniores do Partizan, assumindo um papel de destaque na formação de jovens jogadores jugoslavos. O clube que eliminou o Sporting - com muitos jogadores que passaram pelas mãos de Zivkovic, alguns deles titulares indiscutíveis, como Lazovic ou Delibasic, convocados esta semana para a selecção de esperanças - tem o melhor centro de formação do país, uma academia com seis campos relvados e todas as condições para trabalhar. Uma excepção, admite este antigo jogador do Benfica, que actuou sob o comando de John Mortimore na conquista do campeonato e da taça em 86/87.

«O Partizan tem uma escola famosa de jogadores, tem 57 anos de História, treinadores muito bons e participa nas competições europeias. Infelizmente, apenas nós e o Estrela Vermelha têm boas condições para treinos. Os outros clubes não têm dinheiro para competir, para dar boas condições, para pagar aos jogadores...»

O campeonato, e nisto a opinião dos entrevistados do Maisfutebol é unânime, está nivelado por baixo, sendo a desagregação da antiga Jugoslávia um dos factores fundamentais. «Hoje há apenas duas equipas a lutar pelo título. Antes eram cinco ou seis, a qualidade e a competitividade do futebol era maior, os estádios estavam cheios, tudo era diferente. Hoje só o Partizan ou o Estrela Vermelha levam adeptos aos estádios. As outras equipas não têm possibilidade de jogar bem e as pessoas não as querem ver.»

A pedagogia

Um dos grandes problemas com que os clubes se defrontam hoje é a vontade dos jogadores de irem para o estrangeiro. Durante o regime comunista os jogadores apenas podiam emigrar aos 27 anos, mas hoje o sonho de qualquer miúdo de 18 é fazer um contrato com um clube italiano, espanhol ou alemão.

«Os jovens deveriam ficar mais alguns anos aqui, para poderem ter oportunidades. Ir com 18 anos para o Milan, o Inter ou o Benfica é um grande risco, estariam mais bem preparados se passassem mais tempo no seu clube, no seu país. Falamos muito com os jogadores, mas é muito difícil convencê-los a ficar quando se tem família que precisa de dinheiro. É difícil explicar a um jovem o que pode ser melhor para ele. Eles querem o dinheiro agora, não daqui a três ou quatro anos. Conseguimos segurar os nossos jogadores até aos 18 anos, mas a partir daí passam a poder assinar contratos profissionais e é um problema. Neste momento tenho muitos jogadores jovens pretendidos pelo Barcelona, pelo Bayern, que os vêem ao serviço das selecções jovens.»

O problema surgiu logo após a desintegração da velha Jugoslávia, e aqui Zivkovic aponta o dedo às decisões da comunidade internacional. «O país foi dividido e muitos jovens foram para o estrangeiro à procura de um futuro melhor. A situação financeira piorava de dia para dia e os jovens queriam fazer mais dinheiro que aqui, jogar em grandes clubes, que estivessem nas competições europeias, o que não acontecia com os clubes jugoslavos, que não podiam participar», lembra, referindo-se ao embargo que vigorou entre 92 e 96.

Consequência disso, prossegue, foi o declínio da formação que criou «um grande fosso entre a geração de Mihajlovic ou Mijatovic» e a que agora desponta, com «bons jogadores como Stankovic ou Kezman».

A reconstrução

Mas não só a formação se ressentiu. Dos entrevistados pelo Maisfutebol na Jugoslávia, Zvonko Zivkovic é o mais acusador aos 12 anos perdidos no país, desde o auge futebolístico de 1990/91 até agora. «Em 12 anos não se melhorou nada, estivemos como deitados na cama. O país parou e ficou muito mais complicado seguir em frente. Jogávamos mas aqui fechados, não havia contactos internacionais.»

Por isso, reclama tempo para recuperar os anos perdidos, em que os outros países ganharam uma vantagem importante. «Não me parece possível repetir os sucessos de há uma década. Precisamos de muito mais tempo para criar uma boa formação, boas condições para os clubes, para gerar dinheiro para os jogadores. Espero que daqui a cinco ou seis anos possamos ter uma boa selecção. Se o país melhorar, a qualidade do futebol vai atrás. Neste momento a nossa selecção é como o Partizan, pode fazer um grande jogo, mas dificilmente faz três ou quatro grandes jogos seguidos. Até pode ir ganhar à Itália no sábado, mas se calhar a seguir não consegue vencer em casa a Finlândia.»

Ainda assim, o trabalho feito no Partizan permite a Zivkovic assumir alguma esperança no futuro, apesar da dependência económica. «O Partizan este ano não vendeu ninguém, mas vendeu no ano passado, e há dois anos. Não há outras soluções para arranjar dinheiro. O Partizan ainda pode sobreviver sem vender ninguém, porque tem muito mais adeptos, mas os outros clubes ficam em situação difícil. Ainda assim trazemos para aqui muitos jovens com valor, trabalhamos com eles seis, sete anos e conseguimos ajudar a equipa principal. Formámos Lazovic, Sasa Ilic, Duljaj, Delibasic e tenho nos juniores quatro ou cinco jogadores com grande personalidade e talento que espero que dentro de um ano possam jogar pela primeira equipa.»

Leia ainda:

Jugoslávia: O declínio de uma potência

Vujacic: «O futebol deixou de ser fundamental na vida das pessoas»

Zoran Filipovic e a nova política do Estrela Vermelha

Ivan Dudic: «Nenhum jogador joga por gelados»

Lemajic pede tempo para ultrapassar falhas da formação

Savicevic: «Jogadores medianos saem por 30 mil euros»

Zivkovic: «É difícil convencer jogadores a ficar quando a família precisa de dinheiro»

Mais Lidas

Patrocinados